O ANO DO NEGO
JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA
Escrito por José Américo de Almeida, principal auxiliar do
presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque,o livro,O Ano do Nego, com 237 páginas, lançado sob o patrocínio da PBGÁS –
Companhia Paraibana de Gás, em parceria com a Fundação Casa de José Américo,
João Pessoa – 2005, é sem dúvida, uma das maiores contribuições literárias à
historiografia recente da Paraíba. Nesta obra, o já consagrado escritor, autor
de A Bagaceira, obra precursora do
regionalismo literário brasileiro, discorre sobre os acontecimentos que
antecederam a eclosão do movimento revolucionário de 1930. No contexto, Zé
Américo, dedica longa descrição sobre vários fatos, dentre eles, o rompimento
do coronel José Pereira Lima com o presidente João Pessoa; a Guerra de Princesa
– com riqueza de detalhes -; o assassinato do presidente paraibano e suas
consequências; a ocupação de Princesa pelo Exército Brasileiro; o “suicídio” de
João Dantas e Augusto Moreira Caldas; a fuga de Zé Pereira, dentre outros fatos
inerentes àquele importante período da nossa história recente. Importante
ressaltar o olhar especial para o caso de Princesa.
Já no prefácio dessa obra, lançada em 3ª edição, o baiano,
Juracy Magalhães, na página 07, anota sobre a pressão que sofreu, a Paraíba, do
Governo Federal, quando da Guerra de Princesa:
“(...) em lugar de ser dado ao
Governo paraibano o direito de se defender contra a rebelião injusta e cruenta,
estabeleceu-se o cerco, o bloqueio, e, finalmente, a ocupação do Estado”.
Reportando-se aos primórdios das desavenças que se fizeram
caldo de cultura para as intolerâncias entre o Coronel de Princesa e o
presidente da Paraíba, o que culminou com o rompimento político, Zé Américo relata,
na página 21, sobre o primeiro diálogo que teve com o então Ministro do
Superior Tribunal Militar e futuro presidente da Paraíba, João Pessoa, no Rio
de Janeiro, sobre sua indicação para o comando da administração da Paraíba no
quatriênio 1928/1932:
“Numa conversa que tivemos, numa das
minhas idas ao Rio, em ligeiro encontro de rua, quando ainda mal nos
conhecíamos, João Pessoa confiou-me um segredo, já tendo em vista, talvez,
minha escolha para seu principal auxiliar. Declarou que, provavelmente, seria
candidato ao governo da Paraíba.
Ainda não se falava em seu nome. O
Presidente do Estado, João Suassuna, trabalhava, discretamente, em favor de
Júlio Lira, seu chefe de Polícia, na suposição de poder fazer o sucessor, numa
chapa em que figuraria, José Pereira Lima, chefe político de Princesa, como
vice-presidente.
Demonstrando pouco interesse por essa
posição, João Pessoa ainda confidenciou:
- Mas já disse a Epitácio que só se
for com carta branca. Só assim aceitarei. (...) externou, em duas palavras, o
juízo que fazia da política de então. Achava tudo ‘podre’ e concluiu que só uma
‘vassourada’, em regra, poderia purificar a vida pública, rebaixada por
‘figuras sem significação e aproveitadores gulosos’”.
Como vemos, a intenção
de João Pessoa, desde antes, era a de defenestrar os coronéis de seus pedestais
de comando, o que já era arraigado na política de então. Temerária, essa
posição, chegou a provocar comentário premonitório do então governador do
Estado de Santa Catarina, Adolfo Konder, quando informado pelo próprio João
Pessoa, já eleito, em visita àquele Estado, sobre as mesmas intenções
confidenciadas a Zé Américo. Após despedir-se do colega paraibano, Konder,
comentou: “Será deposto ou morto”.
A antipatia do
presidente João Pessoa em relação ao caudilho sertanejo, a essa altura, era já
consolidada. Num primeiro encontro do coronel José Pereira com o novo
presidente do Estado, em Palácio, este, num “rasgo de franqueza” (o que consta
na página 34 do livro), chamou-o de “cangaceiro”. Segundo Zé Américo:
“O chefão [Zé Pereira]
enfarruscou-se. Eu estava perto e fiz-lhe um sinal para que não respondesse.
Segui o curso da discussão e vi-o perto de estourar, com uma ira, nos olhos sem
expressão. Depois empalideceu, dessa palidez que faz medo. Olhou João Pessoa
ferozmente e calou-se”.
Essa história,
relatada também por outros que escreveram sobre o assunto, tem outra versão.
Talvez a mais plausível, uma vez não ser, o coronel Zé Pereira, homem de levar
desaforo para casa. De acordo com outra interpretação, ao ser chamado de
“cangaceiro” e chefe de bando, Zé Pereira reagira dizendo que os “cangaceiros a
quem o presidente insinuara existirem em Princesa, eram os eleitores de seu tio
Epitácio Pessoa. Esse desconfortável encontro denota que os dois, desde o
início, não se bicavam. Anunciado estava o rompimento, independentemente de
qualquer fato que o possa ter patrocinado. É tanto que, na página 39, o autor
do escrito que ora resenhamos, anotou que por ocasião da composição da chapa eleitoral
que concorreria aos cargos de deputados federais, e que excluía do nome do
ex-presidente, João Suassuna:
“Ia ele [João Pessoa] pela segunda
vez defrontar-se com a facção que só aguardava o ensejo para romper”. (...) a
ala desgostosa encontrava, por fim, um motivo que justificasse sua atitude”.
Nas páginas 41 a 48, o
autor narra sobre a visita empreendida pelo presidente paraibano ao município
de Princesa. Destemido que era, João Pessoa, resolveu visitar alguns municípios
do interior do estado, incluindo aí a cidade de Princesa. Temeroso de uma
decepção quanto à possível recusa de Zé Pereira em receber o presidente
paraibano, no clarear do dia 18 de fevereiro de 1930, partindo já de Monteiro,
Zé Américo indagou a João Pessoa:
- Como é? Vamos mesmo a Princesa?
Olhou-me admirado da pergunta:
- Por que não?
Com a voz alterada pelos balanços do
carro que saltava no cascalho, ponderei:
-Pensei que não se fosse.
Ele fungou e virou-se, bruscamente,
para mim:
-Não vejo motivo. Nem abriria
exceção.
Numa parada, ainda auscultei:
- E se Zé Pereira ausentar-se para
não se encontrarem? Ele deve estar industriado.
Sem fazer caso, ameaçou:
- Pior para ele.
Em que pese os dois
[João Pessoa e Zé Pereira] “já não se verem com bons olhos”, a recepção
promovida pelo Coronel foi das maiores. A cidade toda engalanada de vermelho,
Banda de Música, banquetes, discursos, homenagens infindas. Porém, sobre
política, nenhuma palavra, sobre a famigerada chapa que excluía João Suassuna,
nada.
Quanto à visita a
Princesa, Zé Américo, discorre, na página 48, sobre passeio que fez pelas ruas
da cidade; sobre conversas particulares com o sisudo e taciturno Zé Pereira;
sobre as danças comemorativas da visita do presidente, enfim sobre o ambiente
de tensão que encontrou em Princesa. Quanto a isso, o autor fez o seguinte
comentário:
“Parti com a mosca na orelha: Temos
coisa. Há aí muita maquinação. E, já em viagem, chamei a atenção de João Pessoa:
- Aquele está mais é bichado.
Qualquer dia se verá”.
E foi o que se viu já
no dia seguinte. Chegando à Capital do Estado, o presidente João Pessoa recebeu
telegrama do coronel José Pereira, comunicando o rompimento político. Daí para
a eclosão da Guerra de Princesa, passaram-se dez dias.
Sobre o conflito, o
autor, que durante a guerra funcionou como Chefe do Estado Maior da Polícia da
Paraíba, sediado na cidade de Piancó, discorre, com riqueza de detalhes, sobre
as refregas acontecidas entre a polícia paraibana e os homens de Zé Pereira nas
várias localidades do município de Princesa e termos vizinhos. Realça, na
página 65, comentário do jornalista capixaba, Victor do Espírito Santo, que,
“numa proeza de reportagem, penetrara em Princesa e visitara depois as posições
das Forças que defendiam o governo do Estado, pintara esse contraste”:
“O reduto rebelde surpreendeu-me por
sua organização e pelo espírito combativo, ao passo que do outro lado tudo era
sinal de derrota. (...) Seguro da vitória, José Pereira já tinha estudado seus
planos de ataque a Patos, a Piancó e à Capital do Estado”.
Ainda sobre a Guerra,
o autor, nas páginas 82 e 83, diz em desalento: “Só Tavares ficaria de pé, mas, daí por diante, as operações iriam
limitar-se ao seu abastecimento”. E acrescenta:“Só dispúnhamos de 590 homens e multiplicavam-se as deserções”.
Completando os relatos sobre a Guerra, Américo escreve, nas páginas 97 a 100,
sobre o desastre de Água Branca, quando a chamada “Coluna da Vitória”, que
partiu da Capital do Estado com o desiderato de ocupar, definitivamente, o reduto
rebelde, foi completamente desbaratada, na altura do Distrito de Água Branca.
Seu comentário: “O desastre de Água
Branca fora-lhe [para João Pessoa],
um golpe penoso”.
Essa obra, seminal por
seu rico relato de fatos vividos pessoalmente pelo autor do O Ano do Nego, testemunha que foi, Zé
Américo, de tudo que escreveu, faz-se indispensável como subsídio para os que desejam
escrever sobre esse momento histórico e também para os que querem conhecer os
fatos daquele período importante da nossa história. Leitura indispensável.
José Américo de
Almeida nasceu em 10 de janeiro de 1887, na cidade paraibana de Areia.
Romancista, poeta, ensaísta, cronista, político, advogado, professor
universitário, folclorista e sociólogo brasileiro. Foi membro da ABL - Academia
Brasileira de Letras, governador do estado da Paraíba, Ministro da Viação e
Obras Públicas no governo de Getúlio Vargas, Senador da República e autor de
vários livros sobre política, memórias, sociologia, dentre outros assuntos. Foi
precursor do Movimento Regionalista do Modernismo
Brasileiro com o romance A Bagaceira,
publicado em 1928. Faleceu em João Pessoa/PB, aos 93 anos de idade, em 10 de
março de 1980.
DSMR, em 23
de abril de 2021.
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