ODE

sexta-feira, 23 de abril de 2021

LER PARA CONHECER A NOSSA HISTÓRIA

 




O ANO DO NEGO

JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA

 

Escrito por José Américo de Almeida, principal auxiliar do presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque,o livro,O Ano do Nego, com 237 páginas, lançado sob o patrocínio da PBGÁS – Companhia Paraibana de Gás, em parceria com a Fundação Casa de José Américo, João Pessoa – 2005, é sem dúvida, uma das maiores contribuições literárias à historiografia recente da Paraíba. Nesta obra, o já consagrado escritor, autor de A Bagaceira, obra precursora do regionalismo literário brasileiro, discorre sobre os acontecimentos que antecederam a eclosão do movimento revolucionário de 1930. No contexto, Zé Américo, dedica longa descrição sobre vários fatos, dentre eles, o rompimento do coronel José Pereira Lima com o presidente João Pessoa; a Guerra de Princesa – com riqueza de detalhes -; o assassinato do presidente paraibano e suas consequências; a ocupação de Princesa pelo Exército Brasileiro; o “suicídio” de João Dantas e Augusto Moreira Caldas; a fuga de Zé Pereira, dentre outros fatos inerentes àquele importante período da nossa história recente. Importante ressaltar o olhar especial para o caso de Princesa.

Já no prefácio dessa obra, lançada em 3ª edição, o baiano, Juracy Magalhães, na página 07, anota sobre a pressão que sofreu, a Paraíba, do Governo Federal, quando da Guerra de Princesa:

“(...) em lugar de ser dado ao Governo paraibano o direito de se defender contra a rebelião injusta e cruenta, estabeleceu-se o cerco, o bloqueio, e, finalmente, a ocupação do Estado”.

Reportando-se aos primórdios das desavenças que se fizeram caldo de cultura para as intolerâncias entre o Coronel de Princesa e o presidente da Paraíba, o que culminou com o rompimento político, Zé Américo relata, na página 21, sobre o primeiro diálogo que teve com o então Ministro do Superior Tribunal Militar e futuro presidente da Paraíba, João Pessoa, no Rio de Janeiro, sobre sua indicação para o comando da administração da Paraíba no quatriênio 1928/1932:

“Numa conversa que tivemos, numa das minhas idas ao Rio, em ligeiro encontro de rua, quando ainda mal nos conhecíamos, João Pessoa confiou-me um segredo, já tendo em vista, talvez, minha escolha para seu principal auxiliar. Declarou que, provavelmente, seria candidato ao governo da Paraíba.

Ainda não se falava em seu nome. O Presidente do Estado, João Suassuna, trabalhava, discretamente, em favor de Júlio Lira, seu chefe de Polícia, na suposição de poder fazer o sucessor, numa chapa em que figuraria, José Pereira Lima, chefe político de Princesa, como vice-presidente.

Demonstrando pouco interesse por essa posição, João Pessoa ainda confidenciou:

- Mas já disse a Epitácio que só se for com carta branca. Só assim aceitarei. (...) externou, em duas palavras, o juízo que fazia da política de então. Achava tudo ‘podre’ e concluiu que só uma ‘vassourada’, em regra, poderia purificar a vida pública, rebaixada por ‘figuras sem significação e aproveitadores gulosos’”.

 

Como vemos, a intenção de João Pessoa, desde antes, era a de defenestrar os coronéis de seus pedestais de comando, o que já era arraigado na política de então. Temerária, essa posição, chegou a provocar comentário premonitório do então governador do Estado de Santa Catarina, Adolfo Konder, quando informado pelo próprio João Pessoa, já eleito, em visita àquele Estado, sobre as mesmas intenções confidenciadas a Zé Américo. Após despedir-se do colega paraibano, Konder, comentou: “Será deposto ou morto”.

 

A antipatia do presidente João Pessoa em relação ao caudilho sertanejo, a essa altura, era já consolidada. Num primeiro encontro do coronel José Pereira com o novo presidente do Estado, em Palácio, este, num “rasgo de franqueza” (o que consta na página 34 do livro), chamou-o de “cangaceiro”. Segundo Zé Américo:

 

“O chefão [Zé Pereira] enfarruscou-se. Eu estava perto e fiz-lhe um sinal para que não respondesse. Segui o curso da discussão e vi-o perto de estourar, com uma ira, nos olhos sem expressão. Depois empalideceu, dessa palidez que faz medo. Olhou João Pessoa ferozmente e calou-se”.

Essa história, relatada também por outros que escreveram sobre o assunto, tem outra versão. Talvez a mais plausível, uma vez não ser, o coronel Zé Pereira, homem de levar desaforo para casa. De acordo com outra interpretação, ao ser chamado de “cangaceiro” e chefe de bando, Zé Pereira reagira dizendo que os “cangaceiros a quem o presidente insinuara existirem em Princesa, eram os eleitores de seu tio Epitácio Pessoa. Esse desconfortável encontro denota que os dois, desde o início, não se bicavam. Anunciado estava o rompimento, independentemente de qualquer fato que o possa ter patrocinado. É tanto que, na página 39, o autor do escrito que ora resenhamos, anotou que por ocasião da composição da chapa eleitoral que concorreria aos cargos de deputados federais, e que excluía do nome do ex-presidente, João Suassuna:

 

“Ia ele [João Pessoa] pela segunda vez defrontar-se com a facção que só aguardava o ensejo para romper”. (...) a ala desgostosa encontrava, por fim, um motivo que justificasse sua atitude”.

 

Nas páginas 41 a 48, o autor narra sobre a visita empreendida pelo presidente paraibano ao município de Princesa. Destemido que era, João Pessoa, resolveu visitar alguns municípios do interior do estado, incluindo aí a cidade de Princesa. Temeroso de uma decepção quanto à possível recusa de Zé Pereira em receber o presidente paraibano, no clarear do dia 18 de fevereiro de 1930, partindo já de Monteiro, Zé Américo indagou a João Pessoa:

 

- Como é? Vamos mesmo a Princesa?

Olhou-me admirado da pergunta:

- Por que não?

Com a voz alterada pelos balanços do carro que saltava no cascalho, ponderei:

-Pensei que não se fosse.

Ele fungou e virou-se, bruscamente, para mim:

-Não vejo motivo. Nem abriria exceção.

Numa parada, ainda auscultei:

- E se Zé Pereira ausentar-se para não se encontrarem? Ele deve estar industriado.

Sem fazer caso, ameaçou:

- Pior para ele.

 

Em que pese os dois [João Pessoa e Zé Pereira] “já não se verem com bons olhos”, a recepção promovida pelo Coronel foi das maiores. A cidade toda engalanada de vermelho, Banda de Música, banquetes, discursos, homenagens infindas. Porém, sobre política, nenhuma palavra, sobre a famigerada chapa que excluía João Suassuna, nada.

 

Quanto à visita a Princesa, Zé Américo, discorre, na página 48, sobre passeio que fez pelas ruas da cidade; sobre conversas particulares com o sisudo e taciturno Zé Pereira; sobre as danças comemorativas da visita do presidente, enfim sobre o ambiente de tensão que encontrou em Princesa. Quanto a isso, o autor fez o seguinte comentário:

 

“Parti com a mosca na orelha: Temos coisa. Há aí muita maquinação. E, já em viagem, chamei a atenção de João Pessoa:

- Aquele está mais é bichado. Qualquer dia se verá”.

 

E foi o que se viu já no dia seguinte. Chegando à Capital do Estado, o presidente João Pessoa recebeu telegrama do coronel José Pereira, comunicando o rompimento político. Daí para a eclosão da Guerra de Princesa, passaram-se dez dias.

 

Sobre o conflito, o autor, que durante a guerra funcionou como Chefe do Estado Maior da Polícia da Paraíba, sediado na cidade de Piancó, discorre, com riqueza de detalhes, sobre as refregas acontecidas entre a polícia paraibana e os homens de Zé Pereira nas várias localidades do município de Princesa e termos vizinhos. Realça, na página 65, comentário do jornalista capixaba, Victor do Espírito Santo, que, “numa proeza de reportagem, penetrara em Princesa e visitara depois as posições das Forças que defendiam o governo do Estado, pintara esse contraste”:

 

“O reduto rebelde surpreendeu-me por sua organização e pelo espírito combativo, ao passo que do outro lado tudo era sinal de derrota. (...) Seguro da vitória, José Pereira já tinha estudado seus planos de ataque a Patos, a Piancó e à Capital do Estado”.

 

Ainda sobre a Guerra, o autor, nas páginas 82 e 83, diz em desalento: “Só Tavares ficaria de pé, mas, daí por diante, as operações iriam limitar-se ao seu abastecimento”. E acrescenta:“Só dispúnhamos de 590 homens e multiplicavam-se as deserções”. Completando os relatos sobre a Guerra, Américo escreve, nas páginas 97 a 100, sobre o desastre de Água Branca, quando a chamada “Coluna da Vitória”, que partiu da Capital do Estado com o desiderato de ocupar, definitivamente, o reduto rebelde, foi completamente desbaratada, na altura do Distrito de Água Branca. Seu comentário: “O desastre de Água Branca fora-lhe [para João Pessoa], um golpe penoso”.

 

Essa obra, seminal por seu rico relato de fatos vividos pessoalmente pelo autor do O Ano do Nego, testemunha que foi, Zé Américo, de tudo que escreveu, faz-se indispensável como subsídio para os que desejam escrever sobre esse momento histórico e também para os que querem conhecer os fatos daquele período importante da nossa história. Leitura indispensável.

 

José Américo de Almeida nasceu em 10 de janeiro de 1887, na cidade paraibana de Areia. Romancista, poeta, ensaísta, cronista, político, advogado, professor universitário, folclorista e sociólogo brasileiro. Foi membro da ABL - Academia Brasileira de Letras, governador do estado da Paraíba, Ministro da Viação e Obras Públicas no governo de Getúlio Vargas, Senador da República e autor de vários livros sobre política, memórias, sociologia, dentre outros assuntos. Foi precursor do Movimento Regionalista do Modernismo Brasileiro com o romance A Bagaceira, publicado em 1928. Faleceu em João Pessoa/PB, aos 93 anos de idade, em 10 de março de 1980.

 

DSMR, em 23 de abril de 2021.

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