Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
A visita do presidente
João pessoa a Princesa
No dia 18 de fevereiro de 1930, o presidente da Paraíba, João
Pessoa Cavalcanti de Albuquerque visitou a cidade de Princesa. Acompanhado de
alguns auxiliares de seu governo, o chefe do Poder Executivo estadual aqui
chegou à frente de uma comitiva composta por José Américo de Almeida, Secretário
do Interior e Justiça; coronel Elísio Sobreira, Comandante da Força Pública do
Estado; Antenor Navarro, Diretor de Saneamento da Capital e Adhemar Vidal,
Chefe de Polícia da Capital. João Pessoa foi o terceiro presidente do Estado a
visitar Princesa (antes a cidade havia recebido os presidentes: Solon de Lucena
e João Suassuna) e o único, até então, a não trazer obra alguma para o
município. A visita teve cunho exclusivamente eleitoral.
Nessa data, completavam-se dois dias que o presidente
paraibano havia homologado - com sua única assinatura -, a chapa eleitoral do
Partido Republicano da Paraíba, composta dos nomes que disputariam as eleições
do próximo dia 1º de março de 1930, tanto para a Câmara Federal quanto para o
Senado. O problema é que a chapa, registrada à revelia da Comissão Executiva do
Partido, omitia os nomes de vários próceres da política paraibana que, em sua
maioria, intencionavam ser reeleitos, inclusive o do ex-presidente do Estado,
João Suassuna, que era amigo íntimo e o maior aliado político do coronel José
Pereira Lima. Essa exclusão já vinha causando alguns descontentamentos no seio
partidário porque, a pretexto de promover a renovação da chapa, o presidente,
mesmo assim, manteve o nome de seu primo Carlos Pessoa, que concorreria à
reeleição como deputado federal.
Sabendo que o coronel Zé Pereira, deputado estadual à
Assembleia Legislativa do Estado, não estava satisfeito com a exclusão, na
chapa, do nome de seu amigo o ex-presidente João Suassuna, mesmo assim, João
Pessoa resolveu visitar Princesa e o fazia também com o intuito de promover sua
própria candidatura à vice-presidente da República na chapa encabeçada por
Getúlio Dorneles Vargas. Para os auxiliares mais próximos, essa decisão de
visitar Princesa causou alguma apreensão. É tanto que, às vésperas da viagem, o
secretário de Segurança Pública, José Américo de Almeida, questionou o
presidente, perguntando: “O senhor vai
mesmo a Princesa?” “Por que não?”, respondeu, com uma pergunta, João
Pessoa. O presidente, ousado e destemido, jamais se apartaria de cumprir essa
vontade, gostava de desafios e, autossuficiente que era, não acreditava em
desfeitas à sua pessoa.
Chegando em Princesa - em que pese o temor de seus auxiliares
de não serem bem recebidos, pela atitude tomada pelo presidente há dois dias
passados, quando homologou a chapa sem o nome de João Suassuna –, qual não foi a
surpresa de todos quando encontraram a cidade toda engalanada, enfeitada com as
cores da Aliança Liberal, o encarnado, e o constante reboar de foguetões, uma
recepção de gala. Para receber o presidente, Zé Pereira se fez acompanhar das
demais autoridades do município e de vários correligionários, já na entrada da
cidade. João Pessoa, vindo de Monteiro, chegou pela estrada que liga Princesa a
Flores/PE.
Chegados ao centro da cidade, já estava formada, na calçada
da casa do coronel, a Banda de Música “José Pereira Lima”, sob a regência do
maestro Joaquim Leandro de Carvalho, a executar dobrados em homenagem ao nobre
visitante. À exceção do Juiz de Direito, doutor Clímaco Xavier (que era desafeto
do presidente João Pessoa), todos os representantes dos segmentos sociais da
cidade estavam presentes, a exemplo do prefeito José Frazão de Medeiros Lima;
do vice-prefeito Glycério Florentino Diniz; do presidente do Conselho Municipal
(Câmara de Vereadores), Florentino Rodrigues Diniz (Major Floro); do vigário
paroquial, padre Francisco López; do Promotor Adjunto, Manoel Medeiros Lima; do
Delegado de Polícia, tenente Manoel Arruda, dentre outras autoridades.
Além de ser recepcionado com grande pompa, João Pessoa foi
agraciado com um banquete de 60 talheres e com a realização de um baile de
gala, à noite, oferecidos pelo atento anfitrião. Esse evento teve lugar na casa
do coronel José Pereira, situada à Rua Coronel Marcolino (“Rua Grande”), ocasião
em que foi lida uma saudação pela estudante Hermosa Pereira Góes e proferido,
pelo cunhado do coronel, Inocêncio Justino da Nóbrega (o mesmo que, anos atrás
havia-se indisposto com o pai do visitante), um curto discurso de saudação. Após
o lauto jantar, o coronel ficou na expectativa de que o presidente lhe
informaria a respeito da chapa. Em vão, nada foi dito e, logo após o início do
baile, João Pessoa, após tomar parte da dança com uma das damas da alta
sociedade princesense, recolheu-se em repouso, ao quarto de dormir a ele
destinado.
Um dos acompanhantes do presidente, Adhemar Vidal, após o
rompimento político de Pereira com Pessoa, espalhou uma falsa informação de que
o coronel, por ocasião dessa visita presidencial, mandara fechar, por fora, o
quarto em que João Pessoa se instalara, com a intenção de, talvez, promover um
atentado à sua vida. Posteriormente, outro membro da comitiva presidencial,
José Américo de Almeida, desmentiu essa versão quando afirmou que o ato de
trancar a porta dos aposentos de João Pessoa, foi para garantir segurança ao
presidente. Nenhuma das duas versões têm veracidade. O quarto, se foi trancado,
foi feito pelo próprio hóspede e pelo lado de dentro. Em que pese as
insatisfações de Zé Pereira quanto à formação da chapa e por motivos outros que
já vinham há muito causando dissabores e estremecimentos na relação do chefe
político sertanejo com o presidente paraibano, jamais o coronel promoveria ou
permitiria um atentado à vida de seu ilustre hóspede.
Enquanto o presidente repousava, os membros de sua comitiva
fizeram um périplo pelas ruas centrais com o intuito de conhecerem a cidade.
Admiraram a estátua de Epitácio Pessoa (a única de corpo inteiro existente no
Brasil), o palacete dos “Pereira”, a Igreja e outros prédios.
No dia seguinte, 19 de fevereiro, logo cedo, após o café da
manhã, o coronel mandou um dos seus empregados comprar gasolina para
reabastecer os veículos da comitiva presidencial. Apenas dois comerciantes
negociavam combustíveis em Princesa: Nominando Diniz (“seu” Mano) e Sebastião
Medeiros. Segundo consta no livro de Aloysio Pereira: “Eu e meu pai o coronel José Pereira”, Nominando recusou-se a
fornecer combustível para os carros de João Pessoa, com o seguinte argumento: “Não vendo gasolina a um déspota”. Interessante
observar que dali a mais oito meses, após o assassinato de João Pessoa e a
eclosão da Revolução de 30 seria, Nominando Diniz, nomeado prefeito de Princesa
por José Américo de Almeida, o principal secretário de João Pessoa.
Ainda na manhã do dia 19, o coronel instou o presidente a
lhes dar informações sobre a composição da chapa. Este lhe respondeu,
secamente, que um seu auxiliar faria isso e, logo após o embarque do
presidente, depois de secas e formais despedidas, um ajudante de ordens
entregou a Zé Pereira um papel contido da relação dos candidatos aprovados por
João Pessoa e viu, o coronel, que nesse documento não constava o nome do
ex-presidente João Suassuna. Essa foi a gota d’água e, o pote cheio de mágoas
transbordou. Era a senha derradeira para o rompimento político que ocorreria em
brevíssimo tempo e que provocaria a Guerra de Princesa, o assassinato de João
Pessoa e a consequente eclosão da Revolução de 1930.
Na mesma noite daquele dia, o coronel José Pereira reuniu-se,
na vizinha cidade pernambucana de Flores, na casa do amigo e compadre Antônio
Siqueira Campos, com o empresário João Pessoa de Queiroz, ocasião em que decidiram
pelo rompimento político com o presidente paraibano e começaram os preparativos
para a guerra que se anunciava certa. No dia seguinte, dali mesmo, Zé Pereira
mandou o telegrafista, Richomer Barros, redigir e enviar telegrama ao
presidente João Pessoa comunicando seu rompimento político. João Pessoa, sem
acreditar, ou se fazendo de tanto, telegrafou ao coronel solicitando
confirmação da mensagem. Definitivo, Zé Pereira, reafirmou sua decisão e
acrescentou que estava pronto para defender seus amigos e correligionários de
todas e quaisquer retaliações que porventura fossem promovidas pelo Governo.
Era a guerra.