Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
Masturbação: O pecado
que deixou de ser
Segundo O livro do Gênesis (...), Deus criou o homem à sua
imagem e semelhança. Após a instituição e organização do cristianismo como se
conhece hoje, através dos esforços do apóstolo Paulo e dos interesses políticos
do imperador romano Constantino, a Igreja Católica criou as regras que comandam
o funcionamento dos comportamentos. Depois da realização do Concílio Vaticano
II (1962-1965), a Igreja de Roma flexibilizou, no seu chamado “Aggiornamento”, vários conceitos que,
rigorosos antigamente, passavam agora a serem abrandados em nome da adaptação
aos novos tempos da modernidade. No exercício de sua contumaz vulnerabilidade
hipócrita, a Igreja Católica abunda na falta de escrúpulos quando a questão é
sua sobrevivência.
Aquele Concílio, convocado pelo papa João XXIII (1958-1963) e
encerrado pelo papa Paulo VI (1963-1978), teve o condão de mudar algumas
práticas e regras tradicionais da Igreja, a exemplo da missa, que era celebrada
pelo padre de costas para os fiéis e proferida em latim – à exceção da homilia
que era feita, no caso do Brasil, em português, quando o padre interpretava os
evangelhos ao seu bel prazer, e que passou a ser realizada no idioma vernacular
de cada país. Dentre outras modificações, foi abolida também a obrigatoriedade
da confissão auricular (aquela em que o padre postava-se no confessionário,
totalmente fechado, e ouvia os pecados do povo), adotando-se a prática da
confissão comunitária em que os católicos fazem um exame de consciência e pedem
perdão diretamente a Deus.
A essa altura, o leitor, intrigado, deve estar-se perguntando
o que tem a ver Concílio, papa, missa, confessionário, etc., com masturbação.
Pois bem, foi através do confessionário que a prática masturbatória foi
demonizada quando considerada um grave pecado que ofendia a Deus e, também, à
saúde dos praticantes. Lembro-me, quando adolescente - eu que faço parte da
última geração de jovens pós-conciliares que ainda sofreram com os preconceitos
da Igreja Romana e que fui criado por mãe extremamente católica que seguia à
risca as determinações dos padres -, que tinha a obrigação de ajoelhar-me no
confessionário, semanalmente, para contar os pecados ao padre, pedir perdão,
cumprir a penitência e receber o sacramento da eucaristia.
O problema é que, a maioria dos adolescentes, se diverte
diariamente com a prática da masturbação em busca do solitário prazer. Isso faz
entender que o perdão obtido no confessionário só tinha a validade de um dia, o
que não era entendido, nem pela minha nem pelas demais mães católicas.
Víamo-nos, portanto, obrigados a receber a comunhão, apenas uma vez, em estado
de graças e, nas demais, em grave pecado, o que nos trazia grande peso na
consciência e desconforto espiritual. A hipocrisia da necessária pureza nos
remetia a viver, seis, dos sete dias da semana, em grave situação pecaminosa.
Pelo menos a mim, o que me acalentava, era saber que Deus
criou o homem como um seu igual e, assim sendo, tinha Ele o conhecimento das
nossas fraquezas e das nossas necessidades fisiológicas. Se o Próprio não
praticava atos pecaminosos, sabia que nós o fazíamos apenas por divertimento e
não com o intuito de prejudicar outrem. Se Ele pôs em nós essa vontade, não
poderia ser isso um pecado. Essa reflexão era feita por mim, como que em busca
de alguma justificativa sempre que me preparava para receber a hóstia
consagrada em pecado, pois, na condição de coroinha, assistia missas
diariamente e recebia o corpo de Cristo todos os dias.
Na confissão seguinte, a mesma coisa, o padre dizia: “Meu filho, conte seus pecados”, ao que
eu respondia: “Fiz ‘coisa feia’”. Aí,
o sacerdote já entendia que, “coisa feia”
era punheta, e dizia: “Vá rezar três
padre-nossos e três ave-marias e não peques mais”. Eu cumpria a penitência
determinada pelo padre e comungava em estado de graças. O problema é que, tanto
eu quanto o padre, sabíamos da mentira, pois, o pecado era o mesmo toda semana.
Será que o reverendo imaginava que o cara só batia punheta na véspera da
confissão? E, se assim fosse, para que dizer: “não peques mais?” O padre sabia que aquilo era uma farsa, uma vez
que já havia sido adolescente e, principalmente, pela condição de celibatário,
por certo, ainda se divertia também. Mesmo sabendo que aquele perdão era pra
inglês ver, que era circunstancial, momentâneo e que, o “arrependimento”, era
uma forma deliberada para continuar pecando o mesmo pecado, o sacerdote absolvia
para cumprir uma praxe sua, mas, sabia que a praxe do confessado era pecar de
novo.
Essa sequência semanal: punheta, perdão, penitência, comunhão
e punheta de novo, era o suprassumo da hipocrisia. Hipocrisia que era maior no
caso dos meninos do que no das meninas, pois, na circunstância masculina havia
o pensamento do pecado dobrado: o da masturbação e o da certeza de que seria
repetido. Quanto às meninas, era diferente, pois, naquele tempo sequer se
cogitava que mulher praticasse o exercício masturbatório. Ademais, qual a
adolescente que teria coragem de dizer ao padre que havia feito “coisa feia?” Seria um escândalo e
constituir-se-ia grande perigo, uma vez serem, os padres, solteiros e
celibatários, portanto, carentes e poderiam, estes, enxergar nessa confissão,
uma possibilidade de enveredar pelo caminho da luxúria. Nesse caso ficavam, as
meninas, inimputáveis pelo preconceito e, nessa condição, enganavam,
hipocritamente, somente a Deus quando, mesmo em constante pecado, recebiam a
eucaristia. Estas passaram a receber o estado de graças somente com o advento
da confissão comunitária, quando confessavam seus pecados diretamente ao
Criador.
Em tempos mais remotos, ou seja, até a chamada revolução
sexual dos anos 1960, a sociedade hipócrita - regida pelos preceitos religiosos
- tinha as mulheres como instrumento para a procriação. As moças, ditas de
família eram preservadas para o casamento e a consequente procriação. A
orientação religiosa determinava que as mulheres ditas “direitas”, não deveriam
entregar-se a seus maridos com luxúria, mas sim, somente para satisfazê-lo
quando bem aprouvesse ao homem. E mais: não poderiam sentir ou demonstrar
sentir prazer sexual. Se não podiam “gozar” no ato da conjunção carnal, imagine
através da manipulação recôndita em busca do prazer! Era essa proibição um
absurdo, pois, a mulher, como o homem, tem também a condição de sentir prazer.
Aliás, a mulher é a única fêmea do reino animal que sente prazer sexual,
depreendendo-se daí, que a prática sexual entre homem e mulher não se destina
apenas à procriação.
Nos animais irracionais é diferente, a fêmea só permite o
acasalamento quando está em período fértil (ocasião em que seu organismo libera
um hormônio específico – feromônio na maioria dos animais -, que exala um odor
que atrai os machos e permite a penetração sem dor). Observe que, quando um
touro cobre uma vaca, ela fica passivamente ruminando; quando um cavalo sobe
numa égua, muitas vezes, ela continua pastando normalmente; quando um galo pega
a galinha, ela, ao final do ato, sai toda se sacudindo como se quisesse se livrar
de algo incômodo.
Quanto aos humanos, é diferente, o sexo é praticado com
prazer e isso, claro, com a permissão do Criador, pois, foi Ele quem criou tudo
e, no caso específico da mulher, deu-lhe prazer talvez por conta de haver sido
a mesma, constituída da costela homem, herdando assim, do macho, a condição de
gozar. Quanto aos irracionais, não, pois, foram criados, macho e fêmea, de
forma simultânea. A compulsão pela masturbação é intrínseca, principalmente
quando se trata de jovens ainda solteiros. Para lustrar isso, vale uma história
engraçada: João de Júlia de Paulo de Zefinha, dois adolescentes, costumavam
irem para o Açude Velho olhar as mulheres lavando roupas, de cócoras com a
genitália à mostra. Aproveitavam para se masturbar. Certo dia, cada um numa
moita, se deliciavam com as mãos quando Paulo gritou: “João, tu já gozou?” Não, respondeu o outro. “Pois, num goza num não que essa daí é mãe!”
A prática da masturbação é mais comum entre os animais que
são monogâmicos (aqueles que se acasalam com um único parceiro), tanto os
irracionais quanto os humanos. Estes, por conta das convenções sociais e dos
ditames da religião católica, não devem fazer sexo com mais de um parceiro
simultaneamente, tampouco fora do casamento. Talvez por conta disso, aqueles
que cumprem esses preceitos, praticam com maior frequência a masturbação. No
caso dos homens religiosos, mesmo disciplinados quanto à obrigatória monogamia,
acreditam que estão a cometer pecado quando se masturbam, pois, a Igreja
entende e determina que a ejaculação só deve ser exercida no coito procriativo
ou, em poluções noturnas.
A masturbação, em tempos idos, era censurada não somente pela
Igreja católica, mas também pela medicina. Antigamente acreditava-se até que os
jovens que se masturbavam poderiam desenvolver doenças mentais e que, a prática
contumaz da masturbação causava debilidade física e até tuberculose. Era comum
também os homens mais velhos, brincarem com os adolescentes, pedindo-lhes para
ver suas mãos, dizendo que, muita punheta fazia criar cabelos na palma da mão.
Com o fim do mandonismo religioso acabou-se o preconceito e, hoje, já se diz
que a masturbação é até benéfica à saúde. Quanto à Igreja Católica, frente às
reivindicações pela abolição do celibato dos padres - no que resiste ferozmente
-, decidiu fazer vistas grossas à masturbação por saber que é ela a prática
mais comum dentro de seu próprio seio ministerial e é agora um pecado que
deixou de ser.