ODE

quarta-feira, 24 de abril de 2019

A CHEGADA DE PAULO MARIANO AO “REINO DA GULORA”


   
Na manhã da última terça-feira, após uma espera de cerca de sete horas, viu Paulo abrir-se a janelinha da recepção do inferno. Aproximou-se e viu que lá estava sentado a uma cadeira, um cão ainda novo, cabisbaixo examinando alguns papeis.
     - Bom dia – disse Paulo.
     - Bom dia – respondeu o cão ainda de cabeça baixa -, pode dizer...
     Respondendo ao cumprimento de Paulo, o cão levantou-se e, sem olhar para ele, abriu uma gaveta e começou a manusear algumas fichas. Paulo observou que o cão, de estatura baixa, bunda grande, daqueles torados no grosso já com doze anos de Inferno, demonstrava alguma intimidade com o ofício.
     - Sou Paulo Mariano, de Princesa e vim me apresentar...
    O cão virou-se e disse:
     - Ôxe, Paulo, que diabo tu tá fazendo aqui?
     Ao que Paulo respondeu em repetição ao que disse antes:
     - Oxente, morri ontem e vim me apresentar. E tu me conheces?
     O cão riu e disse:
     - Menino, aqui a gente conhece todo mundo. Olha, teu lugar num é aqui não! Tu num tá em nenhuma lista. Quem te mandou prá cá?
     - Ninguém. – respondeu Mariano -. Eu mesmo achei que, depois de morto só me restaria o Inferno, pois, passei a vida escutando de todos que: “Comunista não entra no Céu!”. Ouvi nos catecismos de dona Maria Basílio, nos sermões de frei Damião e nas preleções que João Mandú fazia antes de encomendar vários defuntos, principalmente, quando eu estava presente. Por isso, vim prá cá.
     - Sendo assim..., peraí – disse o cão-recepcionista –, vou consultar meu chefe. Adentrou a uma portinhola que tinha ao fundo da salinha de recepção, deixando-a aberta. Ficou Paulo a esperar. Nesse ínterim, começou a ouvir, de longe, vozes gritando seu nome: Paulo Mariano, Paulo Mariano!
     Quando o cão retornou, Paulo perguntou:
     - porque tantos gritos chamando meu nome?
     Ao que o recepcionista respondeu:
     - são todos de Princesa.
     Aí, Paulo disse:
    - Mas, eu não tô reconhecendo ninguém.
    Respondeu o cão:
    - Ah, meu filho! Lá na Terra pode-se ter a cara de pau, porém, aqui, as caras são todas iguais. Até eu sou de Princesa...! – e continuou – Olha, teu canto num é aqui não. Aliás, vou te confessar um segredo que tu não revelarás a ninguém: ontem, por volta das nove e meia da noite, quando tu já estavas mais prá cá do que prá lá, houve uma reunião de emergência aqui no Inferno e ficou decidido, por unanimidade, que não te receberiam aqui por hipótese alguma. O motivo da recusa: Vai acanalhar outra freguesia, aqui, NÃO!
     Aí, Paulo disse:
     - Oxente, e eu vou prá onde?
     O cão respondeu:
     - Vai subindo aí que tu encontras onde pousar prá sempre.
     E com essa última resposta, foi fechando a janelinha.
     Paulo, mesmo desorientado, seguiu o conselho do recepcionista e partiu ladeira acima. Após sair do calor infernal que circundava a “Geena” lotada de princesenses, avistou algumas parcas nuvens e, dentre elas, identificou um grande portão e pensou é ali. Ao aproximar-se, viu o nome: PURGATÓRIO. Porém, no meio do portão, estava afixada uma tabuleta com a inscrição: FECHADO DESDE JANEIRO DE 2001. Aí se lembrou Mariano de que, o papa João Paulo II, por ocasião das comemorações do “Jubileu do Milênio” e após anistiar Galileu, Copérnico e Joana D’Arc, havia fechado o Purgatório. E agora?
     Se não tinha reserva no Inferno e o Purgatório tava fechado, restava-lhe somente o Céu. Mesmo achando esquisito, continuou subindo. Nesse momento, já notou que em suas “apás” já cresciam duas asinhas. Aí pensou: “Eu, Anjo? Não! Isso deve ser prá eu não cair, ou tão zonando da minha cara?”. Logo avistou grande portal todo iluminado. Aproximou-se, em seu voo silencioso, e pousou na frente da entrada principal daquele prédio monumental. Adentrou e foi logo vendo um grande Anjo, todo de branco a acenar-lhe com a mão chamando-o a aproximar-se mais. “Vôte! Pensou Paulo. Que diabo é isso homi? Um anjo me chamando para entrar no Céu?”. Mesmo desconfiado, continuou sua caminhada. Chegado ao umbral do edifício, viu uma ampla mesa em que estava sentado, a uma cadeira em sua cabeceira, um velho barbudo que tinha à sua frente, em cima da referida mesa, um molho de grandes chaves e uma folha de papel. Convidado a sentar-se, Paulo o fez de forma comedida e respeitosa (acho que pela primeira vez na vida, digo, na morte). O velho fez-lhe uma solene saudação e Paulo perguntou:
     - Mas..., O que é isso? Aqui não é o Céu?
     Ao que o barbudo respondeu:
     - Sim meu filho, aqui é o Céu sim e seja bem-vindo.
     Essas palavras deram um nó no juízo de Paulo, pois, não acreditava no que ouvia. Mesmo assim, perguntou:
     E o que é que eu estou fazendo aqui? Esse é o lugar reservado para a minha eternidade? Por quê?
     Diante de tantas perguntas, o velho respondeu recitando, solenemente, o que estava contido na folha de papel:
     “Na tua longa vida lá na Terra, defendestes os oprimidos; pregastes a igualdade de direitos para todos; quebrastes a porta da prefeitura de Princesa; distribuístes terrenos para os pobres construírem casas no Jardim Karlota; fostes adversário dos Pereira e dos Nominando; casastes com Terezinha; não frequentastes igreja alguma e, por fim nunca cultivastes a hipocrisia e, por isso, nunca conseguistes ser sequer vereador, escapando assim do fogo eterno. Este é teu lugar, sim. Aqui, poderás, como sempre disseste, observar o teu mundinho lá embaixo [Princesa], sentado numa nuvem, zonando com a cara de todos por toda uma eternidade. Ademais, Paulo, contribuiu muito para a tua estada aqui, a recusa de Lúcifer em te receber lá embaixo, temeroso de que, com a tua irreverência, tu acanalhasse o Inferno. Portanto, fica aí em Paz. Estás agora no “Reino da Gulora!”.

Escrito por DOMINGOS SÁVIO MAXIMIANO ROBERTO (DOMINGUINHOS), em 23 de novembro de 2018.

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