O então Distrito de Tavares foi o principal palco dos
conflitos armados da Guerra de Princesa, em 1930. Completados exatos 30 dias do
início das hostilidades (28/02/1930) entre a polícia da Paraíba e os homens
comandados pelo coronel José Pereira Lima, aquele povoado, composto de cerca de
200 casas e 1.500 habitantes, foi atacado por um contingente da polícia do
presidente João Pessoa, a chamada “Coluna Leste”, comandada pelo tenente João
Costa. Numa luta que durou 23 horas, ocorrida entre os dias 29 e 30 de março
daquele ano de 1930, Tavares foi ocupada pela Força Pública paraibana, o que
obrigou aos homens do Coronel a se refugiarem nas imediações daquele arruado. A
Coluna Leste, era composta por 110 praças bem remunerados (o presidente João Pessoa,a
título de estímulo e recompensa àquela expedição, determinou, em 22 de março
daquele ano, através do Decreto nº 1.653, a majoração do soldo dos soldados em
um terço de seus vencimentos),porém, no final da refrega, que tomou Tavares dos
insurretos, em que pese vitoriosos, restavam apenas 64 policiais ilesos. 46 era
o número de praças mortos, feridos ou desertores. Segundo o escritor João Lelis
de Luna Freire, em seu livro: A CAMPANHA DE PRINCÊSA: “A luta era de empenar o chão”. Do lado do coronel José Pereira -
nessa refrega para ele inglória -, lutaram cerca de 200 homens, também
remunerados à farta, pois, segundo relato do “cabra” Zé Gomes, em entrevista
concedida ao escritor paraibano, José Joffily: “(...) de mais a mais, a gente ganhava 10 mil-réis por dia, muito
dinheiro, comparado com a diária de um trabalhador de enxada, 2 mil-réis. Por
derradeiro, poucos sabiam ler e escrever e quase ninguém já tinha saído do
sertão para conhecer outros lugares. (...) mas quando a bala roçava o mato que
nem foice, nem no dinheiro a gente podia pensar. (...) a gente podia brigar
toda a vida e mais seis meses...”. O erro de estratégia dos comandantes da
tropa do Coronel, foi responsável por essa significante derrota. Ao invés de
determinarem o posicionamento dos homens em locais apropriados para a defesa -
já que sabiam do ataque certo -, à espera da polícia, tomaram a iniciativa de
ordenar o ataque em campo aberto, expondo seus comandados em alvo fácil para o
inimigo.
Ocupação efetiva
Vencida a batalha da tomada de Tavares, o tenente João Costa
telegrafou, através do serviço de rádio, ao presidente João Pessoa, dando conta
do sucesso da operação militar que deu à polícia paraibana, o controle do
último bastião antes do alvo desejado que era a ocupação da cidade de Princesa.
Diante dessa notícia, em 05 de abril, o presidente, em reconhecimento ao feito,
promoveu o então 1º tenente João da Costa e Silva, por ato de bravura, ao posto
de capitão. Nesse mesmo dia, chegava ao povoado ocupado, sob o comando do 2º
tenente Raimundo Nonato, um contingente de 30 homens que ficaram incluídos na
Coluna de João Costa. Mais tarde chegaria também o capitão Irineu Rangel,
comandando mais 60 homens que se juntaram também aos já estacionados em Tavares
em preparo para o ataque final à cidadela rebelde. Imediatamente à ocupação, o
agora capitão João Costa instalou um hospital de sangue e providenciou
instalações para a tropa já acrescida de vários outros efetivos.Logo após a
derrota, os chamados “Libertadores de Princesa”, liderados pelos valentes, Manuel
Lopes Diniz, João Paulino e Zeca Ferreira, não recuaram até a sede do “Território
Livre”, mas acamparam nos arredores do povoado ocupado e mantiveram um cerco a
Tavares que, reforçados por mais homens enviados de Princesa (cerca de 200) e
alguns moradores do Distrito ocupado, a exemplo de José Pessoa, José Gonzaga,
Severino Valério, Neco Silvino, Manuel Jurity, dentre outros, começaram a
atacar a polícia de João Pessoa, agora sitiada no mesmo palco da grande
vitória. Nos primeiros dias da ocupação, os homens da Força Pública não tiveram
grandes dificuldades, pois encontraram ali muitos grãos de milho, feijão e
arroz, além de legumes, água potável e animais próprios para alimentação
(galinhas, porcos, cabras, etc.), que lhes garantiram boas e fartas refeições
nos primeiros dias do confinamento e de lutas. Mesmo assim, não conseguiram se
articular para o ataque final ao reduto rebelde. Colhido do livro do escritor
pernambucano, Joaquim Inojosa: REPÚBLICA
DE PRINCESA, temos:
“Todavia, entre comunicar-se com Nova
Olinda, sendo do comando-geral das forças do governo, e avançar sobre a capital
do Território Livre, a diferença era tão grande, que jamais o conseguiram.
Tavares continuou sempre semicercado, vigiado e controlado. Somente não fora
possível evitar o que o tenente Agripino Câmara registrava no seu diário: - ‘Seguiu-se o saque e a destruição de tudo.
Os soldados beberam, fumaram, saquearam (...) estendendo o saque pelos sítios
vizinhos numa verdadeira anarquia no seio da tropa’. (...) Depois, com o
prolongamento do cerco, ficariam “a feijão e milho e a milho e feijão”.
Luta feroz
Já nos primeiros dias do cerco, ao cair das noites, a
fuzilaria era intensa. Os comandados pelo Coronel Zé Pereira na tentativa de
retomar Tavares das mãos dos inimigos, e estes, empenhados em manter o povoado
sob seu controle lutavam ferozmente. Entendiam, os da polícia, ser aquele
entreposto, fator estratégico exponencial para viabilizar a futura ocupação de
Princesa. Os tiroteios, sob frio intenso naquele ano de pouca chuva, mas de
temperaturas baixíssimas, eram acompanhados de gritos – de lado a lado -,
contidos de impropérios e palavrões, acrescidos de batidas em latas (o que no
sertão se chama de “latumia”). Extraído do livro: A CAMPANHA DE PRINCESA, do escritor João Lelis de Luna Freire,
temos:
“Uma gritaria absurda, assobios,
vaias, pilherias brutais, apelidos indecentissimos, alguns dêstes inventados no
momento, zabumbas em latas, em garrafas vasias, em tudo que pudesse produzir
barulho, eis a resposta obrigatória das forças sitiadas ao tiroteio inominavel
dos sitiantes. As posições da igreja local, dominando um horizonte que
ultrapassava as posições adversárias mais remotas, por se encontrarem elas
situadas numa elevação, tornavam-se as mais vizadas em virtude de serem também
as sentinelas mais destacadas da tropa. Qualquer movimento do inimigo os vigias
da igreja anunciavam. Raramente um soldado dava um tiro. E esse mesmo tinha que
ser certeiro para admitir uma justificativa, senão o castigo vinha por cima,
mal se extinguia o éco do disparo. Muitos ficavam nas biocas com o fuzil sem o
ferrolho, que era, segundo dizia o comandante, para se acostumar com tiro...”.
Segundo ainda o escritor João Lelis, somente na Sexta-feira
Santa, dia 18 de abril, houve uma trégua. Ambos os lados hastearam a bandeira
branca, se descobriram e chegaram atéa palestrar entre si: “(...) É quando se reconhecempai e filho na luta, em fileiras
adversárias. Filho soldado,pai na rebelião.O velho aconselha ao môço que cumpra
com o dever. Sim, êle cumpriria, e o pai o abençoasse. Um toque de corneta no
P. C. Dentro de instantes,pai e filho tiroteiavam-se, fatalmente, ferozmente”.
O sítio
As posições ficaram estáveis com o cerco mantido e a polícia,
aos poucos, sentindo as dificuldades em se manter sitiada. Nas casas geminadas,
foram abertos buracos nas paredes, para viabilizar a comunicação interna dos
soldados sem que se expusessem à artilharia inimiga. Nas ruas, sob as ordens do
capitão Costa, a soldadesca trabalhou duro na abertura de valas de proteção,
acrescidas de sacos cheios de terra. Tudo isso apenas deforma estratégica,
pois, a polícia continuava isolada e os homens de Zé Pereira não conseguiam
penetrar no povoado ocupado. Para os Libertadores de Princesa, a situação era
mais confortável,uma vez que, eram abastecidos de farta comida. No cardápio era
servido até bacalhau e queijos. Além disso, havia sempre substituições de
homens cansados da luta, por outros que vinham de Princesa para rendê-los. Os
pagamentos dos sitiantes eram feitos em dia e em valores bem superiores aos dos
destacados da Força Pública do vizinho estado da Paraíba (como se referia o Jornal de Princeza à Unidade da
Federação governada pelo presidente João Pessoa Cavalcante de Albuquerque).Não bastassem esses confortos, as
tropas de Zé Pereira eram sempre agraciadas com festas regadas a cerveja e
animadas por danças ao som de sanfonas, triângulos e zabumbas .Enquanto os
Libertadores de Princesa desfrutavam desses mimos, os do lado da polícia,
passados dois meses da tomadado povoado, viviam situação que logo começou a se
complicar. Sitiados, os homens da Força Pública, viram escassearem comida e
água. Passaram a comer milho torrado, e a água que bebiam de uma cacimba, foi
envenenada pelos princesenses. Até um pequeno avião enviado da capital
paraibana, com víveres e munições, por engano ou falta de pontaria, despejou a
preciosa carga num acampamento dos rebeldes de Princesa. Já no final do mês de junho,
após o desastre da chamada “Coluna da Vitória”, que foi desbaratada pelos
Libertadores de Princesa na altura do povoado de Água Branca, a situação da
Força Pública se agravou ainda mais. As deserções do lado da polícia paraibana
eram quase em massa. Na verdade, em meados do mês de julho, a situação já se
encontrava insustentável e não se pensava mais em atacar Princesa, mas sim, em achar
um meio de se livrarem daquele terrível cerco. A solução salvadora foi o
trágico assassinato do presidente João Pessoa, em Recife, na tarde do dia 26 de
julho. A ocupação do principal Distrito do Território rebelde,o
mais importante sucesso da polícia paraibana na Guerra de Princesa, foi uma
vitória de pirro.
DSMR, EM 03 DE JULHO DE 2020.
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