ODE

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

90 ANOS DA GUERRA DE PRINCESA – CRONOLOGIA DE UM CONFLITO

 


O ÔNUS DA DERROTA QUE NÃO HOUVE

Com a vitória da Revolução de 1930 e a consequente fuga do coronel José Pereira, Princesa ficou entregue à sanha da vingança dos novos donos do poder na Paraíba. Com a automática destituição do governador, Álvaro de Carvalho, assumiu a presidência do Estado o revolucionário Antenor Navarro. Da Paraíba - um dos três Estados patrocinadores do Movimento Revolucionário -, o então Secretário de Segurança Pública, José Américo de Almeida, assumiu o comando de toda a região Norte do País. A partir de meados de outubro daquele ano, Zé Américo foi o responsável pela nomeação dos interventores de todos os Estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Ou seja, o Homem de Areia, mandava em toda a parte Setentrional do país. Na Paraíba, a ordem era perseguir perrepistas, e Princesa, na condição de haver sido reduto rebelde e inexpugnável, foi contemplada com tratamento especialíssimo.

 Já no início de outubro, Zé Américo, chamado de vice-rei do Norte, convidou o princesense, Alcides Vieira Carneiro, para assumir o comando político e administrativo de Princesa. Em que pese ser membro da Aliança Liberal e revolucionário de primeira hora, Alcides, que era também amigo e afilhado do coronel José Pereira, declinou do convite alegando impedimentos morais e constrangedores. Não aceitando a incumbência, Carneiro indicou o nome de um seu primo, o proprietário rural e agricultor, Manoel Duarte, mais conhecido como “Nezinho Duarte”. Este também amigo de Zé Pereira recusou a indicação e sugeriu o nome do Sr. Nominando Muniz Diniz, proprietário de terras, agricultor e comerciante na cidade. Nominando, até então jamais tivera qualquer atuação na política do município. Amigo e correligionário do Coronel, mesmo tendo-se afastado de Princesa (mudou-se para a cidade pernambucana de Triunfo) durante a luta, sempre esteve ao lado de Zé Pereira. Solidário com o chefe político, por ocasião da visita do presidente João Pessoa a Princesa em fevereiro de 1930, Nominando, que já sabia dos prenúncios de rompimento, recusou-se a vender combustível à comitiva presidencial dizendo, nas palavras do filho do coronel, Aloysio Pereira Lima: “Não vendo gasolina a um déspota”, numa referência ao presidente paraibano.

Junto com Nominando Diniz, foi nomeado também o Sr. José Florentino Lima, como vice-prefeito do município de Princesa. Duas estranhezas se registram quanto a essas nomeações. A primeira se refere à aceitação de Nominando em assumir um cargo para comandar a política e a administração da cidade com a incumbência de punir seus (agora antigos) correligionários que haviam se rebelado contra o desditoso presidente João Pessoa. A segunda é o estranho telegrama enviado a José Américo de Almeida, por alguns próceres perrepistas de Princesa, congratulando-se com o vice-rei do Norte pela “feliz escolha” de Nominando Diniz para o cargo de prefeito. O telegrama, extraído do livro do escritor princesense, Paulo Mariano, “Princesa, Antes e Depois de 30” – p.p. 69 e 70, diz o seguinte:

“Exmº Dr. José Américo, 15 de outubro de 1930 (...). Abaixo assinados e familiares princesenses enviam Vossência sinceras congratulações feliz escolha (grifo nosso) Nominando Muniz Diniz, José Florentino Lima, prefeito e vice-prefeito deste município hoje empossados. Viva a Revolução! Salve o Brasil Novo pt. Resps. Sauds (...)”

Mais estranho ainda é constatar que, dentre os vários signatários desse telegrama – que além de rejubilarem-se com a escolha de Nominando, deram “vivas” à Revolução, à Nova Ordem, a mesma que haviam combatido até então -, estavam alguns correligionários do coronel José Pereira, a exemplo de: Sebastião Medeiros, Severino Barbosa de Oliveira, Manoel Maximiano dos Santos (Major Nequinho), Antônio Belarmino Barbosa (Mestre Belinho), José Sobreira, Edmundo Medeiros, Joaquim Maximiano dos Santos, Manoel Orestino, Manoel Lopes Diniz (Ronco Grosso), João Carneiro Campelo (João Baixio), dentre outros que, já em 1934, desertaram do apoio a Nominando e voltaram a somar nas fileiras pereiristas.

Na verdade, esse telegrama soou como algo oportunista. Imaginavam alguns, que os donos da Nova Ordem intencionavam pacificar o Estado, perdoar os rebeldes de Princesa e reconstruir a unidade da Paraíba. Ledo engano. Logo que assumiu o governo municipal, Nominando Diniz, mais conhecido como “seu” Mano, recebeu ordens superiores, tanto de José Américo de Almeida como do novo interventor do estado da Paraíba, Antenor Navarro, para perseguir, humilhar e prender os chefes da Revolta de Princesa. Sob o pretexto de estar prestando relevantes serviços à revolução vitoriosa, Nominando, cumpriu à risca as determinações dos chefes. Revoltado com a vexatória situação porque passava o povo de Princesa, o então Promotor Público da Comarca, Dr. Antônio de Farias, em solicitação para atenuar as perseguições políticas e as prisões arbitrárias, procurou em Palácio, o interventor Antenor Navarro, pedindo clemência para os desmandos a que vinham sendo submetidos alguns cidadãos princesenses, ao que o interventor - insensível e com incontida sede de vingança -, respondeu sumária e incisivamente: “É preciso arrancar a língua do povo de Princesa¹”.

No cumprimento das determinações superiores, o novo prefeito de Princesa mandou prender os seguintes cidadãos princesenses: coronel Marçal Florentino Diniz, major Feliciano Rodrigues Florêncio, dona Antônia Florêncio Carlos de Andrade (dona Toinha), Inocêncio Justino da Nóbrega, Antônio Pereira Lima, Manoel Rodrigues Sinhô (um dos signatários do Decreto que criou o Território Livre de Princesa), Luiz Pereira de Sousa (Luiz do Triângulo), Joaquim Alexandre da Silva (Joaquim Mariano), Luiz Medalha, Horácio Virgulino, Joaquim Gomes Filho e outros que, se não presos, foram obrigados a prestar depoimentos. Não bastassem as prisões, foi invadida a casa do coronel José Pereira, ocasião em que, segundo relata o ex-deputado, Aloysio Pereira Lima, em seu livro “Eu e meu pai o coronel José Pereira – 1930 – O Território Livre de Princesa” p.p. 226:

 “(...) quebraram louças, cristais e móveis. Roubaram apetrechos úteis, rouparias e vestes, além do estoque de alimentos enlatados, barricas de bacalhau e caixas de bebidas. (...) A casa foi transformada em presídio para alguns amigos do Coronel José Pereira e advertiram estar se iniciando um período de castigo aos seus correligionários, sem que estes tivessem qualquer explicação ou direito de defesa. Celebravam-se desse modo, em Princesa, os primeiros quinze dias da vigência e dos efeitos da revolução vitoriosa”.

Sobre as perseguições políticas perpetradas em Princesa após a vitória de Revolução, escreveu José Gastão Cardoso, em seu livro: “A Heróica Resistência de Princesa”, p.p. 12:

“A residência de José Pereira foi violada, o cofre onde estavam os seus documentos particulares foi quebrado a machado e arrombado, e a sua biblioteca incendiada; os currais foram invadidos e as rêses que tinham o “ferro” da família Pereira foram abatidas a tiros; os denunciados eram caçados a bala, como se fossem feras; aqueles que caíam prisioneiros eram submetidos aos mais humilhantes sofrimentos; cidadãos respeitáveis, de 60 a 80 anos de idade, eram atirados dentro de prisões que de tão cheias não permitiam, sequer, a respiração livre; senhoras de melhor sociedade, submetidas aos maiores vexames, como aconteceu a D. Antônia Florêncio de Andrade, que foi amarrada em cima de um caminhão, com suas filhinhas menores, escoltada por 15 soldados de polícia e conduzida pelas ruas da cidade, ao som de uma corneta e debaixo dos impropérios da soldadesca desenfreada. Tudo isso se passava com a conivência dos dirigentes locais, que estiveram presentes a todas essas cenas de vandalismo, contentes e persuadidos de que estavam prestando relevantes serviços à revolução vitoriosa”.

Alguns desses atos de perseguição e violência se revestem de significados emblemáticos. O arrombamento do cofre, por exemplo, não teve o intuito de roubar dinheiro ou joias. A intenção principal do arrombamento foi o resgate de cartas, enviadas ao coronel José Pereira, de Piancó, durante os meses do conflito armado, pelo funcionário da Mesa de Rendas, Joaquim Sérgio – cunhado de Nominando Diniz -, dando conta das posições das tropas da polícia comandada por José Américo de Almeida naquela localidade. Com a mudança de posição – quando deixaram de compactuar com o Coronel [Nominando e seu cunhado], e passaram a servir aos novos donos do poder -, os noveis “revolucionários” princesenses tinham de resgatar esses documentos comprometedores que poderiam se descobertos pelos revolucionários, desmerecer neles as suas confianças. Tinham de estarem provando, sempre, as suas lealdades à nova ordem revolucionária. O dever de casa foi bem feito e duradouro. As perseguições em Princesa, somente cessaram quando do advento da anistia concedida pelo presidente Getúlio Vargas, em 1936.

DSMR, EM 10 DE OUTUBRO DE 2020.

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