DONA FIDERALINA AUGUSTO
LIMA
Fideralina Augusto Lima, a matriarca do clã dos “Augusto
Lima” que comandou por muito tempo e incontestavelmente as terras lavrenses e
suas adjacências, era tida como uma “coronela” do interior do Nordeste. O
exercício da autoridade familiar praticado por dona Fideralina era completo e
total. A matriarca punha e dispunha na região polarizada pela Vila de São
Vicente das Lavras. Nascida naquele termo em 24 de agosto de 1832 era filha de
Isabel Rita de São José e do Major João Carlos Augusto. Filha mais velha dentre
onze irmãos, casou-se com o Major Ildefonso Correia Lima, porém, enviuvou muito
cedo, aos 44 anos e criou sozinha seus filhos, dentre eles Joana Augusto Leite,
que era a mãe do doutor Ildefonso.
Ildefonso Augusto de Lacerda Leite, neto predileto de dona
Fideralina, foi o primeiro médico a aportar em Princesa, para aqui se
estabelecer com o fito de combater a epidemia da Febre Amarela, que grassava
nestas plagas entre o final do século XIX e início do XX. Aqui chegado, o
médico, apaixonou-se por uma princesense [Dulce Florentino Campos], casou-se
com ela e, por conta de ciúmes e de incompatibilidades sociais, ideológicas e
religiosas com membros destacados da sociedade princesense, foi tragicamente
assassinado, em 06 de janeiro de 1902. Por conta desse crime, a “coronela” das
Lavras de Mangabeira, ameaçou invadir Princesa para vingar o neto. Mas, isso é
outra história da qual trataremos depois. (Ver
Perfil biográfico do doutor Ildefonso Augusto de Lacerda Leite, já publicado
por este Blog em 2019).
A fortaleza que representava aquela mulher chegou a inspirar
a famosa personalidade cearense, primeira mulher a ser admitida como “imortal”
na Academia Brasileira de Letras, a escritora Rachel de Queiroz quando escreveu
a peça literária “O Memorial de Maria
Moura”. Disse Queiroz, em 1946, sobre dona Fideralina:
Das margens do São Francisco aos
seringais do Amazonas a palavra de Dona Fideralina era lei. Sendo de corpo uma
fraca mulher como nós todas, tinha, entretanto, uma alma de varão, e como varão
era não apenas reconhecida, mas temida.
Também no dizer da
escritora cearense sobre dona Fideralina:
“(...) Como toda pessoa que cai no
folclore, acontece que a figura de Dona Fideralina foi algumas vezes deformada,
envenenada, pois, a boca do povo sempre altera o que repete, para o bem e para
o mal. E assim, porque Dona Fideralina não tinha medo de ninguém, porque sendo
apenas uma mulher, sabia fazer-se respeitada como um coronel de bigodes; porque,
num tempo em que o cangaço era a lei única e nem o exército podia direito com
um bando de jagunços (exemplo: Canudos, Juazeiro, Princesa), Dona Fideralina
também se cercava de cabras para a defesa dos seus e da sua casa (...)”. E continua o que afirmou em artigo
veiculado pela revista O Cruzeiro em
edição de 07/08/1946 que foi Dona Fideralina “(...) a mais famosa dona do
Nordeste e a senhora de maior cartaz do seu tempo, uma espécie de rainha sem
coroa (...).”.
Dona Fideralina
era também envolvida na política, não somente na da sua Vila de São Vicente das
Lavras, mas também na do estado do Ceará. Além de ser ela quem indicava os
intendentes (prefeitos) de seu município, tinha também, filhos (e mais tarde
netos e bisnetos), representando a família “Augusto” tanto na Assembleia
Legislativa do Ceará como no Congresso Nacional. Um de seus filhos, Ildefonso
Correia Lima, tornou-se médico pela faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e,
depois, deputado federal. Os outros filhos militavam na política local. Houve
até um caso emblemático de contenda político-familiar quando dois de seus
filhos: os coronéis Gustavo Augusto Correia Lima e Honório Correia Lima se
desentenderam em disputa pelo poder municipal. Como mediadora, agiu a matriarca
deliberando em favor do primeiro quando destituiu Honório do cargo de
intendente o que lhe causou grande contrariedade e constrangimento, porém,
falou mais alto o interesse político do que o familiar. Esse fato aconteceu no ano de 1907 quando
dona Fideralina determinou a destituição do filho pela força do bacamarte.
Tinha a matriarca,
relações de amizade com o padre Cícero Romão Batista. Chegou a enviar tropa de
homens armados para auxiliar o médico baiano Floro Bartolomeu da Costa,
lugar-tenente do padre Cícero, que comandava os rebeldes do Juazeiro contra o
poder estadual na chamada “Sedição de Juazeiro”. Essa revolta de caráter
popular, ocorrida em 1914, deu-se pelo fato de que o presidente da República,
Hermes da Fonseca, em represália ao governo do Ceará que fazia oposição ao
Poder Central, decretou a intervenção no Estado, nomeando seu interventor, o
aliado Marcos Franco Rabêlo, destronando do poder o coronel Nogueira Accyoli e
destituindo o padre Cícero Romão Batista do comando da Intendência do Juazeiro.
Com essa atitude, o presidente da República viu todo o sertão do Ceará -
liderado pelo padre Cícero e auxiliado por todos os coronéis da região,
inclusive dona Fideralina -, levantar-se em armas contra o decreto de
intervenção. A revolta teve caráter popular. Seu epicentro era a cidade de
Juazeiro e seus combatentes, jagunços e romeiros. A guerra foi violenta
resultando em muitas mortes. Dando-se por vencido, o presidente da República
cedeu, reconduzindo Accyoli ao cargo de presidente da província e o padre
Cícero ao comando do Juazeiro. A participação de dona Fideralina nesse conflito
foi determinante, pois, seus homens, além de bem treinados para o uso do
bacamarte eram por demais disciplinados e em grande quantidade. Seu “exército”
estava sempre de prontidão para agir de conformidade com suas determinações.
Doutra feita, quando o padre Cícero foi destituído de suas ordens sacerdotais e
obrigado a deixar o Juazeiro, a velha matriarca providenciou que o mesmo fosse
abrigado, por algum tempo, na casa de um seu sobrinho, o padre João Carlos
Augusto, na cidade pernambucana de Salgueiro.
A matriarca,
quando se tratava de política, se imiscuía em tudo. Segundo o historiador Dimas
Macedo:
“Colocando-se contra ou a favor dos
que rezavam ou não rezavam na sua cartilha, mandando e desmandando nas coisas
da política sempre que achava que assim devia proceder”.
O próprio padre
Cícero chegou a afirmar que:
“(...) não se podia escrever a
história do Cariri sem se deter na pessoa dessa digna matrona”.
Ainda da lavra de
Dimas Macedo sobre a matriarca:
“E o vulgo popular compreendeu, e a
literatura de cordel registrou que Dona Fideralina Augusto, diferente dos
grandes coronéis do Cariri, queria mandar nas coisas da política para além de
sua região: ‘O Belém manda no Crato/ Padre Cícero em Juazeiro/ Em Missão Velha
Antônio Róseo/ Barbalha é Neco Ribeiro/ Das Lavras Fideralina/ Quer mandar no
mundo inteiro’. Esse improviso de cunho popular, atribuído ao poeta José Pinto
de Sá Barreto, de Barbalha, não é superior, contudo, a esta sextilha de Fausto
Correia de Araújo Lima, de Lavras da Mangabeira: ‘Nós temos quatro governos/
que assim se discrimina:/ do País e do Estado/ que nos rege e nos domina/ o
governo do Município/ e a velha Fideralina. ’”.
A matrona, como a
nominou o padre Cícero, era anticlerical, porém, religiosa. Não gostava de
padres, mas, professava a fé católica. Mandou construir uma capela em sua
fazenda “Tatu” e promovia, durante o ano, várias festas religiosas, inclusive
uma, a principal, consagrada a Nossa Senhora da Conceição que era a padroeira
do lugar. Não admitia de forma alguma que os padres se metessem em suas
decisões. Acreditava a velha, que os sacerdotes deveriam se ater somente aos
serviços religiosos com a obrigação de prestar-lhes obediência cega e sem
questionamentos. Além de não gostar de padres, não tolerava a autonomia da
classe. Dizia sempre que: “Lugar de Padre
é na Sacristia”. Durante certo período, viveu maus momentos quando
contrariada em seus interesses pelo monsenhor Miceno Linhares que era político
de expressão no Ceará e, nomeado vigário de Lavras, quis contestá-la em seu
feudo. Vingativa, Fideralina mandou investigar a vida do monsenhor e descobriu
que o mesmo havia cometido um deslize: tinha um filho na vila de Tauá no estado
de Sergipe. Descoberto o pecado do reverendo, mandou a matriarca, divulgar a
todos os paroquianos sobre a paternidade do “celibatário” através de um
panfleto e do cochicho fofoqueiro. O resultado foi a transferência do padre
para outra freguesia.
Quanto à
manutenção da unidade familiar e da proteção de seus bens, dona Fideralina, de
forma estratégica, promovia uniões matrimoniais de seus filhos com parentes
próximos ou com filhos, filhas, sobrinhos, primos ou irmãos dos coronéis da
região. Queria a velha, manter-se no comando de tudo e manter sua família
sempre no topo da pirâmide social. Era como que uma dinastia inspirada na
Inglaterra da rainha Vitória. Intencionava com isso, ter influência em toda a
região do sul do Ceará e dos Estados adjacentes a exemplo da Paraíba e de
Pernambuco.
Como vimos, era
Fideralina figura de destaque econômico e político que transcendia as
fronteiras cearenses.
DSMR, EM 30 DE SETEMBRO DE 2020.
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