ODE

domingo, 25 de julho de 2021

O TANQUE DE GUERRA DO PREFEITO

                                   

 

     A foto de Juliano Matuto, prefeito de São José, pilotando uma retroescavadeira, me comoveu. Bem sei dos truques midiáticos de alguns prefeitos e governadores que vão a estúdios sofisticados e constroem suas imagens cheias de hormônios e testosterona. Como crianças manuseando um joystick, eles manobram máquinas enormes, acionam turbinas detonapedreiras colossais, mas tudo não passa de pirotecnia para impressionar seu eleitorado.

          Mas no condado de São José não tem disso nãoo prefeito acorda cedo, economiza de cara um operador para a máquina, aspira o cheiro de óleo diesel ruma ao canteiro de obrasEm São José a vida é real e de punhos fechados, todo mundo trabalha, seja do partido do prefeito, seja da oposição. E o prefeito é de todo mundo, queira ou não queira os opositores, assim reza a cartilha da boa e republicana cidadania.

          Ele tem a investidura e a conseguiu através do voto e fim de papo. Agora ele é o prefeito, tem o poder da caneta e dos milhares de cavalos de força da máquina que pilota. E pode fazer o que bem desejar, dentro dos limites da lei, inclusive abaixar seu próprio salário e aumentar a carga horária de trabalho, como fez recentemente. Parabéns, senhor prefeito. 

      A última vez que estive em São José, pude ver e sentir sua beleza paisagísticaa fleuma dos habitantes, a tranquilidade das ruas, um carro vai devagar, devagar a vida anda, mas não é uma vida bestacomo diz o poeta Drummond. Desde os limites com Princesa, seu município-mãe, até o desfiladeiro do Sozinho, acima dos Patos de Irerê, e de lá até o quilombo do Livramento, o sobe e desce do relevoeis toda a geografia do meu sonho, do meu sonho recorrente, e quando acordo dou um nó no travesseiro para ele não ir embora.  

         riacho parece um risco, garatuja de menino no caderno aluvionário das vazantes. Ele serpenteia sobre as planícies de capim gordura salpicadas de nelorescuja beleza cresce a cada dia em nossas vistas, tanto quanto nossos níveis de colesterol. Gosto de churrasco, mas apandemia me manteve afastado de minha casa da serra, bem na divisa — a sala pertence a São Josée a cozinha é pernambucana, município de Triunfo — mas pouco importa ogeoposicionamento se a alma é universal. 

        A ponte sobre o riacho do mesmo nome, os telhados do casario o céu meio fosco nas horas semimortas de fim de tarde, são os detalhes de um quadro de Van Gogh ou de Antônio Maximiano Roberto, tendo ao fundo o paredão poente que tapa o céulombo de um gigantesco paquiderme antediluvianoE pensar que aquela serra não está ali para assustar crianças, tampouco para conter as encostas de Manaíra. É o cenário que há milhões de anos a natureza conserva para hoje servir de pano de fundo para a selfie inesquecível, fotografia do pôr-do-sol mais perfeita do mundo.  

                

ZÉ E O ESQUELETO

     

 Zé de Cabrinha, da bodega, disse que Jesus passou em São José e cavou as areias do riacho para beber água e achou um esqueleto. Mentira de Zé de Cabrinha e de Jesus, informou Pacífico de Zé de Fausto, em pleno dia, sentado no banco dapraça e na companhia de um burrinho de cachaçae um copo. O meu amigo de infância achou um jeito econômico de driblar a inflação suportar a angústia de tanta corrupção no Ministério da Saúde. Diz ele que seu irmão Rudival, agente comunitário de saúde, praticante e juramentado,não está gostando de nada disso.

        Depois disso, fui complementar a feira semanal no mercadinho de Jeová, e dou meutestemunho de que fiz um bom negócio, achei os produtos que eu desejava e de promoção ganhei a visão soberba da casa de Quinzim Bezerra, na outra esquina, de arquitetura pré-colonial e totalmente preservada, que a prefeitura transformou em Museu, hoje aberto à visitação pública.

                    

                 RENA BEZERRA

         

A casa do museu me arrasta para outro exemplar de soberba e curiosa arquitetura, a morada senhorial do poeta Rena Bezerra, da mesma época e igualmente conservadaToda em tijolo aparente, autêntica casa de fazendeiro, sede da propriedade e fortaleza (vide as seteiras através das quais se colocava o cano do fuzil ou do bacamarte por ocasião de algum ataque externo). Pouso e refúgio de pioneiro, gente da estirpe daqueles da Casa da Torre da Bahia e que grassaram os sertões subindo pelo rio São Francisco, depois através do leito do Pajeú, até darem com os costados por essas bandas. 

         Outro dia parei diante da bela casa e o passado me deu um soco no estômago. Dona Rita, nonagenária, sentada em sua cadeira de matriarca, magra e elegante como sempre, relembrou os tempos de estudante da escola normal e da amizade que tinha com minha mãe, também professoraDe Rena, seu filho, escutei uns poemas de sua própria lavra, cordel rico e palatável, na cadência do coração e em pura língua de Camões e João Paraibano.

         O terreiro ficou pequeno para o nosso sarau vespertino.  entraram no rolo Augusto dos Anjos, Manoel Bandeira, Ronaldo Cunha Lima,Zé Limeira, Ariano, a Besta Esfolienta e a Pavoa Devoradora. O chão empenouchoveu canivete, corisco e meteoro, mas ninguém arredou daliOuvi a narrativa de sua rehab, em Campina Grande, notícias das irmãs Erotildes e Eronildes, e a saudade eterna do pai Edilson, hoje em outra dimensão. Com seu cajado patriarcal, ele apascenta ovelhas telepáticas e tange gados siderais, enquanto o seu trator eterno gradeia e araterras nos campos do Senhor.

 

                                                                       Texto de Aldo Lopes de Araújo

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