ODE

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

CRÔNICAS SOBRE A VELHA PRINCESA DE ANTANHO


Alcides Carneiro e nós

Era junho de 1968. Acabáramos de chegar, de Princesa, no Rio de Janeiro. A convite de uma irmã que ali morava há mais de 30 anos, dona Osana botou os três filhos (Antônio, Maria do Bom Conselho e eu) debaixo da asa e partiu para o sul em busca de vida melhor. Promessas de emprego para ela [Osana] e de estudo de qualidade para mim e meu irmão. Partíramos de ônibus – embarcados em Triunfo/PE – e após quase uma semana de viagem, vacinados na Bahia, chegamos ao Rio de Janeiro. Arranchados na casa dos tios Luísa e Sebastião, logo vimos que a coisa não seria fácil. Até hoje não entendo o que motivou esse traslado familiar desnecessário e fora de propósito. Nem nós queríamos ir, nem eles nos queriam lá. Simplesmente inexplicável.

Daqui partimos com a promessa de que minha mãe conseguiria, facilmente, um emprego de enfermeira e que nós seríamos (eu e meu irmão) acolhidos como internos do Colégio Dom Pedro II, o melhor do Brasil. É preciso contar essa história. Resolvida a atender ao convite da irmã para mudar-se de Princesa para o Rio, minha mãe lembrou de que, Alcides Carneiro, amicíssimo do meu falecido pai - que tinha, em nossa sala de estar, um retrato entronizado na parede principal, ao lado do do major Nequinho -, era homem muito influente na República. Ministro do STM - Superior Tribunal Militar desde 1966, provia empregos e colocações, no Rio, para muitos dos princesenses que o procuravam. Alcides era padrinho de batismo do meu irmão Antônio, portanto, compadre da minha mãe.

Antes de viajar para o Rio, dona Osana escreveu ao influente compadre, comunicando a decisão de mudar-se para a antiga Capital Federal - onde morava o ministro - solicitando sua ajuda na educação do afilhado. Em poucos dias chegou a resposta da carta informando que, lá chegando, a comadre o procurasse. Assim o fez minha mãe. No início de julho daquele ano de 1968, conduzida por um sobrinho, chamado Francisco, que lá residia, fomos ao encontro do ilustre princesense. Tinha eu quase 11 anos de idade; Antônio, 13 e a minha irmã, 7. Chegados ao apartamento do doutor Alcides Carneiro, situado na Avenida Nossa senhora de Copacabana, fomos recebidos de forma muito solene, porém gentil.

A morada do ministro, em que pese ser um apartamento, era de uma suntuosidade sem par. Ao chegarmos, fomos recebidos por um mordomo que nos fez acomodar-se em poltronas muito confortáveis e tocou uma pequena campainha anunciando a chegada do dono da casa à sala. De pé, fomos cumprimentados por aquele homem bem vestido, de estatura média, olhos grandes e pouquíssimos cabelos. Com voz baixinha e suave, Alcides Carneiro tratou minha mãe de comadre, abençoou o afilhado e foi logo dizendo que intencionava colocar, não somente Antônio, mas também eu como alunos internos do Colégio Dom Pedro II. Segundo o ministro, pela grande amizade que tinha com meu pai, devia isso ao compadre Nequinho.

Depois dessa primeira visita, Alcides deu seu telefone particular ao primo Francisco para que este pudesse receber sua comunicação. Passados quase dois meses, minha mãe telefonou para o compadre para saber como andavam as providências necessárias para o internato. O Ministro reafirmou a promessa e disse que estava resolvendo as coisas. Alcides morava no Rio de Janeiro, mas trabalhava no STM em Brasília e só estava no Rio nos finais de semana. Agendamos uma segunda visita ao apartamento para que minha mãe fosse informada sobre a documentação necessária para o ingresso na importante escola. Mais uma vez fomos bem recebidos, porém, desta feita, acendeu-se uma luz amarela quando a esposa de Alcides, dona Ivone Dantas – uma loira toda enfatiotada -, sentada à sala de estar conosco, antes de o ministro adentrar ao recinto, fez o seguinte comentário: “Esse povo do Norte pensa que Alcides tem o poder de tudo resolver”. Minha mãe e meu primo ficaram com a mosca atrás da orelha. Dadas as coordenadas, pelo ministro, voltamos para casa e ficamos no aguardo da decisão final.

Enquanto isso, corria em Princesa, a campanha eleitoral para a eleição de prefeito em 1968. Concorriam, pelo grupo Diniz, Antônio Nominando, contra Joaquim Mariano e Miguel Rodrigues, ambos apoiados pelo grupo Pereira. Essa campanha acirrada reverberou no Rio de Janeiro. Sabedora de que minha mãe estava em tratativas com Alcides Carneiro para viabilizar a educação dos filhos, uma ferrenha “pereirista”, residente em Princesa e muito ligada a Alcides, informou a este, através de carta, que dona Osana, ao sair de Princesa, “jogara no mato” o retrato de Alcides Carneiro que havia na parede de sua sala de estar. Acrescentou também, que a minha mãe era uma “boca-preta” apaixonada pelo partido dos Diniz. Naquele tempo, os ânimos políticos ainda eram muito acirrados e isso surtiu efeito fatal para nossas pretensões junto ao ministro.

A partir daí os telefonemas da minha mãe não eram mais atendidos por Alcides Carneiro. Na última visita ao apartamento em Copacabana não fomos mais recebidos. Fechou-se o mundo e, dona Osana, sem saber de nada, sem entender porque tão drástica mudança de comportamento, desistiu de insistir em procurar o compadre e resolveu retornar para Princesa, com uma mão na frente e outra atrás, completamente decepcionada com o grande amigo e correligionário do major Nequinho. De volta à terra, para deleite de que caluniou (o retrato de Alcides que vivia dependurado na parede da nossa sala, foi dado de presente, por minha mãe, ao seu compadre, Marçal do Silva e nunca “jogado no mato” como alegou uma serpente), sofremos o pão que o diabo amassou. Porém, com o tempo, tudo se resolveu e essa passagem não há de macular a magnífica biografia de um dos princesenses mais ilustres.




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