No descambar do final da primeira
década do século passado (XX) para o início da segunda, Princesa era uma das
Vilas mais prósperas dentre as vinte existentes no estado da Paraíba. Era a
segunda na produção de algodão e a sexta em densidade demográfica. Somente
indústrias para descaroçamento de algodão (bolandeiras) existiam seis. O
“Armazém Estrela”, sediado em Princesa, de propriedade do rico comerciante,
Sebastião Medeiros, vendia em grosso para metade do estado da Paraíba. Na
década de 20, Princesa foi o burgo paraibano que mais cresceu, em todos os
sentidos: na economia, na agricultura, nos serviços, na indústria e,
consequentemente, nas atividades sociais e culturais. A prosperidade da Vila,
que acabara de ser transformada em cidade – emancipada de Piancó em 21 de
novembro de 1921 -, era notícia por todos os recantos da Paraíba e até em
Estados vizinhos. Em face disso, muitos acorreram para Princesa em busca de
oportunidades ou com o intuito de promovê-las aproveitando as vastas possibilidades
para a realização de negócios. Tal era a importância de Princesa, que em
setembro de 1923, o então presidente da Paraíba, Solon Barbosa de Lucena, em
visita à cidade, instalou seu governo por sete dias em Princesa, oportunidade
em que despachou com seus auxiliares e deu ordens que muito beneficiaram o novo
município.
Em seu livro: A Heróica Resistência de Princesa” – Recife – 1954, o escritor José
Gastão Cardoso dedica algumas páginas para registrar o que ele chama de “Fase
Áurea” da então Vila de Princêza:
Evidentemente, um novo ritmo de vida, forçado pelo progresso demográfico,
veio tonificar os músculos do velho organismo político do município, com a
renovação dos seus quadros econômicos e sociais. A velha aspiração política dos
filhos da terra concretiza-se com a elevação da vila à categoria de cidade. É o
comêço de uma fase de grande prosperidade para Princesa. Quando na presidência
da República, o Dr. Epitácio Pessoa, ela foi grandemente beneficiada com os
serviços de obras contra as secas, graças ao prestígio do seu chefe, deputado
José Pereira, a quem aquêle homem público devia a vitória da sua campanha
política de 1915.
Em sua fase áurea, Princesa se
transformou num canteiro de obras. Graças à grande influência que tinha, o
deputado José Pereira Lima, com o presidente Epitácio Pessoa, a título de
combater as secas, o jovem município foi contemplado com vários benefícios, em
termos proporcionais, até mais do que os demais da Paraíba. Já no início dos
anos 20 foram construídas as barragens do Cedro, Riacho do Meio e Macapá (Açude
Novo), este, inaugurado em 7 de setembro de 1922. Além da construção desses
reservatórios, foi reforçada a parede do açude Ibiapina (Açude Velho). No mesmo
período foram realizadas obras de construção de cento e cinquenta quilômetros
de estradas de rodagem ligando a sede do município aos seus principais
Distritos e Povoados, tais como: São José, Patos (Irerê), Alagoa Nova
(Manaíra), Lagoa da Cruz, Barra (Juru), Tavares e o distrito de Água Branca,
este, ainda pertencente ao município de Piancó. Além dessas estradas
domésticas, foram construídas também outras ligando a cidade aos municípios
vizinhos de Teixeira e Piancó na Paraíba, além da estrada ligando Princesa a
Flores, Triunfo e Afogados da Ingazeira, no estado de Pernambuco.
Era tão efervescente o movimento na
cidade, quando a abundância de recursos e de oportunidades de trabalho fizeram
aumentar – do dia para a noite - sua população em mais de 10%, que faltavam
acomodações para os que chegavam de fora. Com isso, acelerou-se a construção de
imóveis residenciais, a abertura de novas ruas e avenidas e o estabelecimento
de novos pontos comerciais, de casas de diversões, sociedades recreativas,
cinema, teatro, grupo escolar (“Gama e Melo”) e a instalação de energia
elétrica a motor. A cidade se transformou, em pouco espaço de tempo, num centro
comercial de relevância com armazéns vendendo em grosso para as praças de Nova
Olinda, Misericórdia (Itaporanga), Piancó, Conceição, Santana e também para algumas
cidades pernambucanas. Em Princesa, instalaram-se firmas estrangeiras como a
Ford, a Standard Oil, agências de automóveis, o banco Ultramarino, uma
representação do Banco do Brasil, dentre outras. Até um escritório do
Ministério da Agricultura foi instalado na cidade com o desiderato de combater
uma praga de lagartas que assolava as plantações de algodão. Em meados da década
de 20, trafegavam pelas ruas de Princesa mais de 20 veículos automotores
particulares, tanto de carga quanto de passeio.
No campo cultural, essa prosperidade
não deixou a desejar. Existia, na cidade, uma Biblioteca contida de vários
volumes, especialmente, os clássicos da literatura brasileira e estrangeira. Instalada
na casa do coronel José Pereira, a Biblioteca era acessível aos amantes da
leitura e, naquele período de efervescência cultural, era coordenada pelo
intelectual, Érico Gomes de Almeida. Este, em 1925, sob a orientação do coronel
e o incentivo do então presidente do Estado da Paraíba, João Suassuna, escreveu
a primeira biografia do Rei do Cangaço, com o título “Lampeão – Sua História”. Foi esta a primeira biografia escrita
sobre Virgulino Ferreira, o Lampião, e foi redigida em Princesa. Em 17 de
outubro de 1925, sob inspiração da Semana de Arte Moderna ocorrida em São Paulo
(1922), foi fundada, pelo professor e poeta, Waldemar Emygdio de Miranda, uma
Sociedade de Letras, denominada “Grupo
Literário Joaquim Inojosa”, fazendo de Princesa, a única cidade do interior
do Nordeste a dar apoio e repercutir aquele importante Manifesto Modernista de
1922. Antes da instalação do Grupo Escolar “Gama e Melo”, existia na cidade uma
Escola Particular, sob a orientação do professor Adriano Feitosa Cavalcanti,
que era uma das mais conceituadas do Sertão paraibano. A Banda Filarmônica
“José Pereira Lima” executava seus dobrados saídos de instrumentos franceses,
sob a leitura de partituras italianas.
Foi nessa fase áurea, que foram
erguidos vários prédios imponentes que, ainda hoje, enfeitam a cidade de
Princesa. Por ordem do industrial pernambucano, João Pessoa de Queiroz, seu
sobrinho Epitacinho, construiu o que é hoje o “Palacete dos Pereira”. Em
homenagem ao presidente Epitácio Pessoa, o coronel Zé Pereira mandou esculpir,
em bronze, uma estátua de corpo inteiro, do ilustre paraibano, o que ainda hoje
está exposta num pedestal na Praça que leva o nome do homenageado. Para
acomodar sua indústria algodoeira, o coronel mandou erigir um majestoso prédio
(1925) no final da que é hoje a Avenida Presidente João Pessoa e que serve
agora de sede da Prefeitura Municipal. Atendendo pleito do coronel Zé Pereira,
o presidente (governador) Solon de Lucena autorizou a construção do prédio onde
funciona, até, hoje, o Grupo Escolar “Gama e Melo” (1926). Além dessas
construções, muitas outras foram erguidas, principalmente, para proporcionar
moradas confortáveis aos novos ricos que despontavam, fruto dessa onda de
prosperidade. Um dos imóveis mais simbólicos desse período de progresso e
desenvolvimento, é o Silo, construído em alvenaria (1924), destinado ao
armazenamento de grãos de milho, com capacidade para guardar 6 mil quilos do
cereal. O Silo existe ainda hoje, exposto, como patrimônio histórico da cidade.
Não somente o comércio se
desenvolvia. No Distrito de Patos (Irerê), funcionava o Parque Industrial de
Princesa. Isso mesmo. Ali, sob o comando dos irmãos, coronel Marçal Florentino
e major Florentino (Floro) Rodrigues Diniz, existiam uma usina de
descaroçamento de algodão; três engenhos de açúcar demerara e rapadura e,
pasmem! Uma indústria produtora de vinhos finos. Não pelos lucros que pudesse
proporcionar, mas, pela sofisticação e pelo inusitado, era essa vinícola, algo
de excelência onde se produzia o “Vinho
Velho de Fructas”, que era exportado para o Recife e, até para o Rio de
Janeiro. Quanto ao comércio, o pequeno Distrito de Patos, através de lojas ali
estabelecidas, negociava-se também com a venda de secos e molhados, estivas,
chapéus, tecidos finos, calçados e vestes manufaturadas. Até uma professora
particular existia, sob contrato, para ensinar às crianças do lugar. Como se
vê, a prosperidade não se restringia apenas à sede do novo município de
Princesa, mas se estendia a quase todos os recantos da municipalidade.
Toda essa prosperidade, no entanto,
em que pese sua pujança, já no início do ano de 1930, com a eclosão da Guerra
de Princesa, teve morte súbita. A única coisa que prospera em tempo de guerra é
a indústria bélica. Economia de subsistência, comércio, cultura e demais
atividades corriqueiras, não combinam com guerra. Deflagrado o conflito, muitos
dos empreendedores e intelectuais, se mudaram para as vizinhas cidades pernambucanas
de Triunfo e Flores; outros, para paragens mais distantes e nunca mais
voltaram.
Findo o conflito, em julho de 1930,
tudo mudou. A orientação político-administrativa passou a ser ditada pela
cúpula revolucionária, comandada por José Américo de Almeida e pelo interventor
estadual, Antenor Navarro e aqui aplicada pelo novo prefeito nomeado, Nominando
Muniz Diniz. A ordem era desmontar Princesa. Um fato, registrado no livro do
ex-deputado Aloysio Pereira: “Eu e meu
pai o coronel José Pereira” – Ideia – Paraíba – 2013, p.p. 249, denota a
exacerbada perseguição política de que foi vítima Princesa. No relato, o
escriba conta que o então promotor de Justiça de Princesa, doutor Antônio Nunes
Farias, em visita ao interventor, Antenor Navarro, com o intuito de fazer
arrefecerem os ânimos das perseguições na cidade ocupada, teve como resposta do
interventor: “A próxima vez que o senhor
vier à minha presença, traga-me as línguas dessa gente”. Era esse o clima
reinante. Após a guerra, que terminou quando do assassinato do presidente João
Pessoa, o coronel José Pereira saiu da cidade em fuga para local desconhecido.
Aos que ficaram, o que restou foram prisões e humilhações. A atividade
econômica restringiu-se aos que se coadunavam com a nova ordem. A Biblioteca foi
incendiada, a casa do coronel, transformada em prisão. Teatro, Cinema, Banda de
Música, tudo fechado e desativado.
Segundo o tribuno princesense,
Alcides Vieira Carneiro, afilhado do coronel José Pereira, mas, importante
prócer aliancista – portanto adversário do padrinho -, em entrevista ao jornal
carioca: “A Batalha”, em dezembro de
1930, em inconteste declaração que denota a derrocada e a consequente
decadência de sua amada terra, afirmou:
Minha Princêza, coitada! Teve que despir as galas vistosas, para
cingir uma tanga. Arrastada àquella lucta por um capricho insensato dos
inimigos da Parahyba e de João Pessoa, encontra-se hoje numa situação
atrozmente desoladora. As povoações, todas prosperas, e que davam vida ao
município foram quasi totalmente destruídas, existindo apenas a cidade, que
aliás é a mais bela do sertão parahybano. Estão arruinados amigos e inimigos de
José Pereira, cujo destino é até hoje ignorado. E agora, que tudo está
transformado resta á população daquella terra infortunada o direito de cooperar
no regime de paz, de honestidade e de ordem que ora se inicia para que o
municipio outr’ora tão rico, possa futuramente ressurgir dos escombros.
Foram 30 anos de estagnação e
desprezo concedido pelo poder dos vitoriosos da Revolução de 1930. Numa prova
cabal da decadência ocorrida após a guerra, colhemos do “Anuário da Paraíba –
1934”, à página 287, a seguinte anotação:
(...) que [Princesa] em 1934 possúe um grupo escolar
denominado Gama e Melo e mais seis escolas rudimentares, situadas nos povoados
Alagôa Nova, São José, Patos, Tavares, Barra e Água Branca. (...) não existem
grandes nem pequenas indústrias. (...) apenas existem 10 maquinismos de
beneficiar algodão.
Já na revista “A Economista” de Angelo
Cibella, edição de julho de 1938, consta a seguinte anotação:
Princêza ressente-se de vias de comunicação e de transporte.
Apezar de estar ligada a Teixeira, Piancó, no território da Paraíba, por
estradas de rodagem que em certo tempo, foram boas, essa mesma ligação,
praticamente, desapareceu, em virtude da deterioração e desconservação. (...)
quasi sempre evita-se ir a Princêza de Teixeira, Piancó, em vista da quase
impraticabilidade da travessia. O seu comercio, assim, é feito com Pernambuco,
o que é um mal para a Paraíba. Com Pernambuco, Princêza se liga por estradas de
rodagem que, partindo da cidade, orientam-se para Flores, Triunfo e Afogados da
Ingazeira. (...) Princêza, como todas as cidades do interior da Paraíba, com
raríssimas exceções, não dispõe de grandes e diversos estabelecimentos
bancarios, para a difusão do credito.
Como vemos acima, quase tudo, de bom
e de importante, que existia antes de 1930, durante toda a década seguinte já
não existia mais. Faz-se clara a decadência pelo desmonte do que em Princesa existia
(indústrias, estradas, etc.) e, o que era mais grave, a propaganda negativa
sobre a cidade repercutia como se fora o burgo princesense, uma “terra de
trabuqueiros e desordens, de cangaceirismo e salteadores, de ladrões e de
bandidos”. Foram necessárias três décadas para que a cidade voltasse ao
contexto do Estado como uma Unidade contemplada pelo Poder Público.
Somente na década de 60, Princesa
voltou a ser beneficiada com um novo surto de prosperidade. Na verdade, mesmo
diante da glória de não haver sido derrotada, nas palavras que fecham o
Manifesto do coronel Zé Pereira quando do rompimento com o presidente João
Pessoa: “Princesa poderá ser massacrada,
mas não se há de render”; podemos dizer que a cidade foi massacrada sem ser
arrasada e que, isentos de dúvidas, Princesa não perdeu a Guerra, mas foi quem
mais perdeu com aquele conflito.
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