ODE

domingo, 26 de novembro de 2023

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

Teoria da loucura

Filosofar não é um privilégio dos sábios detentores de alta instrução. O pensamento vagueia também nas mentes menos ilustradas, daqueles que, como dizia o famoso filósofo suíço, Jean Jacques Rousseau (1712-1778): “A pessoa que pouco sabe, pensa que tudo o que sabe é importante e, por isso, quer contá-lo a todos”. Assim acontecia com um louco, residente em Princesa que, em seu afã professoral, vivia a “ensinar” nada a todos. De instrução rudimentar, mas que se achava um cientista do pensamento, um verdadeiro expedito a resolver as coisas, de forma diligente, usando palavras com as quais estabelecia nexos causais, os mais estapafúrdios possíveis. Em sua quase total falta de juízo, vivia a verbalizar palavras inventadas, e o fazia de forma arrogante como se esses neologismos fossem algo deixado de ser catalogado – por esquecimento ou ignorância - pelos filólogos nos vários dicionários da língua portuguesa.

Não bastasse sua criatividade mórbida, ele, o louco, criou a “Teoria dos Movimentos Materiais” e fez popularizar essa aberração pela sigla: TMM. Baseava-se, o alienado, em suas elucubrações produzidas por uma mente perturbada, mas extremamente criativa. A teoria dele se baseava nos movimentos dos corpos e das coisas quando os classificava em situações que nominou-as como: “fixa-móvel; “fixa-parada”; “fixa-fixa” e, “móvel-móvel”. Uma verdadeira loucura que ele afirmava ser a “Eureca” de sua vida. Para delinear os parâmetros dessa esquisita teoria, o louco descrevia em detalhes, com exemplificações que o punham, em seu devaneio, num verdadeiro deleite ao explicar o significado de cada um desses teoremas.

Para ele – um aloprado que tinha uma oficina mecânica onde fazia consertos vários - o “fixo-móvel” se referia a algo que está parado e, ao mesmo tempo, em movimento. E ilustrava isso, dizendo: “Os passageiros de um avião, eles estão fixos em seus assentos e, ao mesmo tempo, em movimento por conta do deslocamento da aeronave!” E dava mais um exemplo: “O mesmo acontece com um santo quando, fixado em um andor, é carregado por quatro pessoas em movimento”. Quanto ao conceito do “fixo-parado”, o maluco exemplificava qualquer coisa que tenha a possibilidade de se mover e, no entanto, se encontra parada. E exemplificava: “Um automóvel, exposto num museu, portanto, ali fixado e sem estar em movimento!” Ainda quanto ao “fixo-móvel” e ao “fixo-parado”, sucedeu um caso por demais interessante e que merece registro. O engenheiro Eduardo Abrantes mandou um carrinho de mão para que o “filósofo-mecânico” consertasse seu eixo. De chofre, o louco perguntou ao empregado do engenheiro: “Você quer que fique “fixo-móvel” ou “fixo-parado”? o encarregado não soube responder e pediu explicações, ao que o maluco informou: “Fixo-móvel é quando o eixo está fixo e, a roda, em movimento. Fixo-parado, ocorre quando a roda está fixada no eixo e somente ela [a roda], está em movimento”. Isso deu um nó no juízo do empregado, que respondeu: “Faça como o senhor bem entender contanto que a carroça funcione”.

Para a situação de “fixo-fixo”, o doido se referia a uma estátua de um vulto histórico quando, em seu pedestal, fixo, se assentava a estátua, também fixa, presa, estagnada e que permanecia, eternamente, imóvel!” Esclarecendo sobre a teoria do “móvel-móvel”, o louco dissertava explicando essa situação com a demonstração de uma pessoa a pedalar uma bicicleta quando, segundo ele, tanto o veículo quanto o condutor estão em movimento: um pedalando, o outro rodando! Nada o demovia da certeza de que estava fazendo Escola com suas teorias estapafúrdias. Ele ignorava todo e qualquer comentário desabonador quanto às suas convicções “científicas” que lhes fosse dirigido, salvo aqueles para pedir-lhes explicações sobre o que ele afirmava com certeza absoluta. Discorria também sobre outros temas conceituais quando inseria, em seus monólogos, ensinamentos sobre o que era certo e o que era errado afirmando que nem tudo era completamente certo, tampouco absolutamente errado, enfim, sua meta era confundir a todos os que se dispunham a escutá-lo. Fazia troça com os ouvidos alheios quando dizia que, às vezes, o certo não é certo e, o errado, não é errado. Para ele, existia além do “certo-certo” e do “errado-errado”, o “certo-errado” e, o “errado certo”.

O “certo-certo”, na concepção do demente, era tudo aquilo, que dito, não poderia ser contestado por não restar dúvidas quanto à sua veracidade. O “errado-errado”, o que de total forma saltasse aos olhos quanto à sua inverossimilhança. Já o “certo errado”, para o louco, se constituía algo que afirmamos ser correto e, no entanto, pudesse estar contido de mentira. E exemplificava: “O ‘certo-errado’ ocorre quando um político afirma que quer ser eleito para fazer o bem à população’”. Abonava a verdade quanto à vontade de ser eleito, mas discordava quanto à intenção em promover o bem comum. Nesse particular, ele se locupletava na ânsia em desmerecer os poderosos. Quanto ao “errado-certo”, o filósofo alienado, tripudiava citando um “dito” atribuído a Maquiavel quando: “os fins justificam os meios”. Ou seja, agir de forma incorreta em busca de resultados benéficos.

Cônscio de que era um mestre do pensamento e, vaidoso de sua criatividade – que estava mais para maluquice -, o doido circulava pelas ruas da cidade, todo enfatiotado, entonado num surrado paletó de casimira e sufocado por uma gravata borboleta, sempre de cara fechada, sem dar muito cartaz aos que o cumprimentavam e, parecendo alguém preocupado apenas em ensinar, só parava para conversar em roda de pessoas que se dispusessem a ouvi-lo com atenção e sem interrompê-lo. Arrogante no seu “saber”, acreditava em seu taco e, tudo o que dizia era contido de muita convicção arrogante.

Toda a sua cultura era de “ouvir dizer”, nunca havia lido uma linha sequer do que quer que fosse. Talvez, nem soletrar soubesse, no entanto, a “verdade” que carregava em si era absoluta, inquestionável e refratária a quaisquer contestações. Ele tinha certeza de que sabia tudo e, na simploriedade de suas convicções, tinha a todos como ignorantes, babacas, que de nada sabiam e que precisavam aprender com ele. Errado ou certo; certo ou errado; aficionado nesses conceitos malucos, ele achava que, com isso, fazia Escola. Com o tempo, se tornou uma figura folclórica da cidade e, fazendo jus às suas pregações e às palavras que usava fora do contexto e que não tinham referência nos dicionários, recebeu o apelido de “Nation” que para muitos, significava: nada. Ou, por outra, um móvel-errado!

 


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