ODE

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

 O comício das Almas

Ele era neto de “seu” Mano, líder político de uma das facções partidárias de Princesa. Tinha o mesmo nome do avô: Nominando Diniz e, o apelido, era o diminutivo do nome do poderoso avô: Manito. Ficou órfão de pai logo cedo quando seu progenitor, José Nominando, faleceu ainda jovem, de uma doença incurável. Criado por “seu” Mano, cercado de todos os mimos, fez-se homem e, inteligente que era, formou-se em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Paraíba. Por obra e graça do prestígio do avô foi logo nomeado Advogado de Ofício. Nessa condição, veio “destacar” na Comarca de Princesa onde esteve presente sempre - não por obrigação mas, por prazer -, a defender aqueles mais necessitados que o procuravam no exercício de seu mister.

Corria o ano de 1970. Doutor Antônio Nominando, filho do velho Mano era o prefeito de Princesa e a família política buscava um nome para concorrer nas eleições daquele ano ao cargo de deputado estadual. O velho, já cansado, não quis enfrentar essa empreitada. Foi quando “Tita” (Maria Aurora, a filha mais velha do patriarca) determinada que era, impôs o nome do sobrinho Manito para concorrer a uma cadeira na Assembleia Legislativa. Inicialmente o velho resistiu, mas diante das argumentações de Tita de que era melhor botar um de casa do que abrir a guarda para aventureiros, “seu” Mano cedeu.

De família política viu-se, Manito, submetido às urnas – primeiro por vontade própria e, agora, por imposição familiar. Não logrou êxito nas urnas, porém, obteve uma expressiva votação na região polarizada por Princesa. Esses votos, além do prestígio familiar, lhes foram dados, gratuitamente, pelo muito que sempre fez pelos mais pobres quando os defendia, sem nenhum interesse financeiro, junto à Justiça e às Delegacias de Polícia. O neto de “seu” Mano era conhecido como o advogado dos pobres! Abraçava as causas daqueles que não tinham com que pagar e o fazia com muita dedicação como se dinheiro estivesse ganhando.  

Míope e desprovido de beleza física, Manito tinha plasticidade interior: espirituoso, bem humorado, frasista a mancheias, de boa conversa, enfim, um sujeito cativante. Além dessas qualidades, fumava, bebia e não dispensava um rabo-de-saia. Criado num ambiente em que se respirava política, o neto de “seu” Mano sempre almejou candidatar-se a algum cargo eletivo. Todavia, seu comportamento expansivo e seus vícios faziam-se impeditivos a isso. A imposição da tia foi-lhe providencial.

Nos idos da década de 60 – o político tinha de se apresentar como uma vestal, um exemplo de comportamento. Era a hipocrisia quem comandava e, a tônica, era a máxima romana: “A mulher de César não tem de ser séria, tem de parecer séria”. E Manito não era uma coisa nem outra. Era autêntico: dizia o que pensava; fazia o que queria e não gostava de dar satisfações a quem quer que fosse, nem mesmo ao avô que sofria com suas estripulias, o que não diminuía em nada sua afeição pelo neto preferido.

Naquele tempo, as campanhas eleitorais em Princesa – antes do advento do rádio (1982) e da internet – eram feitas no corpo-a-corpo, de casa-em-casa. Os candidatos, para se fazerem conhecidos e merecedores da confiança e dos votos dos eleitores tinham de fazer um trabalho exaustivo de convencimento. Gastavam as solas dos sapatos. Além disso, aconteciam comícios e festas nas comunidades rurais - onde morava 70% da população do município.

Escolhido como candidato a deputado estadual Manito enfronhou-se todo e botou o pé na estrada. De uma coisa ninguém podia reclamar que era sua performance nos palanques. Falava bem porque dono de um discurso bem articulado e contundente. De cima dos caminhões que serviam de palanque Manito esculhambava com os adversários e, quando descia, ia tomar cerveja com eles. Respaldado pelo avô e pelos tios o candidato era popular em toda a região que compreendia os municípios de Manaíra, Princesa, Tavares, Juru e Água Branca. Mesmo assim, concorrendo com o candidato apoiado por Aloysio Pereira, seu figadal adversário, disputava voto a voto nessas cidades.

Em busca dos apoios necessários, Manito se fez acompanhar pelos então vereadores: Batinho e Gominho. Estes, experientes quanto ao acabalamento de votos levavam o candidato aos mais distantes lugares do município para, em almoços e jantares, confabular com os eleitores mais simples. Sob a orientação desses dois cabos eleitorais, Manito, quando não podia conceder já, prometia para depois tudo o que lhe pediam. No povoado de São José, diante da solicitação de um emprego, o candidato prometeu a um jovem rapaz - a quem apelidavam de “Tota” - um emprego de cabo da polícia aposentado. Mesmo sem o emprego sair, o rapaz ficou para sempre conhecido por “cabo Tota”. A um soldado, na cidade de Manaíra, Manito assinou sua transferência (a pedido) para Cajazeiras – a se consumar depois da eleição -  num papel de embrulho no balcão de uma padaria. De lá, o praça, nunca saiu.

Um dos episódios mais emblemáticos da campanha de Manito aconteceu no sítio Pica-pau. Ali, o neto do velho Mano foi recebido na casa de Zacarias, pai de um jovem rapaz que, mais tarde seria conhecido como “João Paraibano”. Ao pedir o voto ao dono da casa, este perguntou: “Mas, tu ganha?” Manito respondeu: “A coisa tá boa, vamos ganhar sim!” Zacarias insistiu: “Mas, e se tu perder?” “Ah, se eu perder eu boto uma bodega pra vender ‘ané’ de Papa”. Mais tarde, essa lorota virou mote para uma glosa do poeta João Paraibano. Nesse périplo, o neto de Nominando percorreu as sete freguesias e mais um pouco. Além de Princesa, o candidato fazia festas e comícios em todo o âmbito do chamado “município velho”, principalmente, na Zona Rural.

Certa feita, atendendo ao convite de um amigo de seu avô, o correligionário e vereador Severino Ferreira de Sousa (Nêgo Bonfim), Manito partiu para fazer um comício no arruado das Almas, ligado ao povoado de Patos de Irerê, então pertencente a Princesa. Lá chegando, o candidato estabeleceu os contatos necessários para arregimentar eleitores para a concentração logo mais à noite. Sentindo que a coisa não estava muito animada, Manito teve uma ideia: Triunfo! Chamou seu motorista, conhecido como “Chico da Caçamba” e foi à vizinha cidade pernambucana, que dista pouco mais de um quilômetro daquele arruado. Arregimentação complicada.

Chegando a Triunfo, o candidato começou a tomar algumas talagadas de cachaça e aproveitou para fazer alguns contatos com amigos e conhecidos, com o intuito de convidá-los para o evento político que aconteceria naquela noite. Não satisfeito com os chamamentos já realizados resolveu convocar as moradoras do Bairro do “Gato Preto”. Lá chegando, ocupou uma das mesas dos muitos bares ali existentes e passou o resto da tarde em farra com as mulheres que faziam ponto naquele Cabaré e convidou a todas para o comício. Já puxando fogo, pagou a conta, desceu a ladeira e voltou para as Almas onde constatou que já estava tudo pronto para a festa cívica: o caminhão-palanque já estava no lugar e todo enfeitado com as cores do partido; as galinhas para o jantar já estavam mortas; as cervejas conservadas no pó de serra dentro de um pote de barro e, o povo dos sítios vizinhos, começando a chegar.

Todos já estavam muito alegres. De repente, a coisa ficou mais animada ainda com a chegada de uma camioneta, repleta de moças muito maquiladas e vestidas com trajes curtos e muito decotados. Serelepes, já desceram do carro saracoteando e fazendo grande algazarra. Começou o comício. Manito foi o penúltimo a falar e discursou, como sempre, enaltecendo a todos os presentes, agradecendo aos anfitriões e pedindo votos para sua eleição. Foi ovacionado, principalmente pelas convidadas especiais que gritavam sem parar: Manito!”, Manito!”, “Manito!”. Terminada a fala do candidato, falou o anfitrião vereador Nêgo Bonfim agradecendo a presença de todos e convidando os circunstantes para se refestelarem num convescote na casa de seu sogro, o senhor João Benedito.

Encerrada a manifestação política, desceram todos do palanque e foram para a casa do sogro do vereador comer galinha de capoeira com arroz de festa e tomar vinho jurubeba e cerveja morna. Tudo parecia em ordem. Junto aos primeiros convivas que tomaram assento à mesa de “seu” João Benedito, estavam – muito alegres e zoadentas -, as torcedoras de Manito. Adentrando à casa, o neto de seu “Mano” já encontrou o velho na sala, sobrancelhas arqueadas, expressão carrancuda, a perguntar-lhe mesmo antes de abrir a boca, que situação era aquela. O candidato entendeu a aflição do dono da casa e perguntou: “Tá tudo em ordem, seu João?”, ao que o velho respondeu: “Tá tudo em ordem o quê, Manito! Você enche a minha casa de rapariga e ainda vem me perguntar se tá tudo em ordem?!”.

A festa foi um aborto. Acabou-se antes de começar. Por interveniência do ex-vereador Valdemar Barbosa – líder político da região - que estava presente, e do genro do anfitrião, a casa do velho foi evacuada das quengas e a festa foi transferida para local mais apropriado: a zona do “Gato Preto”, em Triunfo. Como que esse episódio tenha sido provocado a propósito, Manito, juntamente com Batinho e Gominho, pernoitaram no lupanar de Triunfo a se divertirem, tanto com o acontecido no comício das Almas quanto com as almas das garrafas e com as gatinhas do Gato Preto.



 

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