ODE

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

O Cabaré de Princesa

“Barracão”, era assim que era chamado o Cabaré de Princesa. Funcionava num velho e grande barraco de madeira que existia na esquina direita da atual Rua da Lapa, daí essa denominação adotada por muitos quando se referiam à Zona do Baixo Meretrício de Princesa. Antes dali, o prostíbulo funcionava na rua onde está hoje a Cadeia Pública. Com a transferência do Bordel para o Bairro do Cruzeiro, para a rua que era denominada de “Conrado Rosas”, no derradeiro mês do ano de 1947, atendendo determinação do recém-empossado prefeito Nominando Muniz Diniz (“seu” Mano), aquele logradouro passou a ser denominado como “Rua da Lapa” em homenagem à Zona do Baixo Meretrício da então capital federal, Rio de Janeiro, que tinha seus mais famosos cabarés funcionando no Bairro da Lapa. A mudança do nome daquele logradouro deu-se atendendo propositura do vereador Antônio Carlos Costa, conforme transcrevemos abaixo, excerto de Ata da Câmara Municipal de Princesa:

“(...) Atualmente está sendo transferido o meretrício para a Rua ‘Conrado Rosas’ e não fica muito bem que o nome de Conrado Rosas, antigo benfeitor de Princêza, esteja situado em rua dessa natureza. Submetida a discussão e votação, foi a indicação aprovada por unanimidade (...).

Naquele Cabaré, comandado por Estrela, faziam ponto várias raparigas, em sua maioria vindas da cidade de Teixeira/PB e, da mesma forma que vinham de lá, as de Princesa, em intercâmbio, iam para lá. Eram garotas pobres que se “perdiam” com rapazes ricos quando, postas para fora de casa pelos pais, envergonhadas e desvalidas, restava-lhes a única alternativa que era a de habitar o meretrício. Na década de 1970, as principais mulheres que ali faziam ponto eram, dentre outras: Rita Quarto-de-Bode; Aninha Papo-Verde; Toinha Baú; Pipoca; Lourdes Branca; Bola de Japonês; Pixuíta; Socorro Preta de Chibata; Ferro Velho; Socorro de Chico Pena; Maria do Tiro; Rita de Andrade; Lindalva de Pimpa; Fátima Jiboia; Orlaneide; Ana Bago-Mole; Ana Badulaque e Crista de Peru. Algumas das raparigas que desempenharam funções no lupanar de Estrela se transformaram, mais tarde, em senhoras de bem. Algumas - não citarei seus nomes aqui para não ferir suscetibilidades - foram retiradas dali por homens da sociedade que as fizeram de suas esposas, constituindo famílias e se integrando à sociedade. Mulheres, talvez mais decentes do que as ditas de bem.

Estrela, não era a dona do Cabaré, porém, exercia o papel de administradora. Apaziguava ânimos violentos, fiscalizava quanto à presença de menores naquele recinto de libertinagem sempre admoestando as prostitutas que se envolviam com rapazes menores de 18 anos, chegando até a comunicar aos pais destes sobre o fato de que seus filhos estavam frequentando aquele ambiente antes de terem idade suficiente para tanto. Além desse papel delegatório, a cafetina promovia também, em seu bar, o fazimento de deliciosas buchadas que eram pratos cheios para os grandes da sociedade princesense que se refestelavam, aos domingos, com a culinária da “chefa” do Cabaré. Muitos senhores ditos de bem, a exemplo de Genésio Lima, professor Zé Sobrinho (“Pai Zé”), Batinho, Manito, Samuel Medeiros, Chico Sobreira, Inocêncio Nóbrega, Severino Barbosa, Belo Medeiros, Mirabeau Lacerda, dentre outros, comiam as buchadas de Estrela e ainda levavam pratos para suas esposas em casa.

A proxeneta-chefe vivia como se fosse casada com Pedro Caboclo que era, além de dono do bar, músico muito competente. Aliás, era Pedro quem tocava a corneta que comandava o desfile do “7 de Setembro” do Ginásio “Nossa Senhora do Bom Conselho”, executando belos dobrados que, lembrados, nos conduzem a um tempo que nos provoca saudades. O conceito de Estrela junto à sociedade princesense era tão grande, que as raparigas, que participavam de uma única procissão da Igreja Católica que era o cortejo do “Senhor Morto”, na Sexta-Feira Santa, só o podiam fazer se estivessem na companhia da comandante do Cabaré.

O Meretrício da Rua da Lapa, no seu auge, era ponto de vários boêmios que nas décadas de 60 e 70, frequentavam aquele bordel de forma contumaz. Ainda jovens, eram eles: Andrade de Manoel Marrocos, Djalma Rosas, Hélio de Sebastião Medeiros, Pimpa, Parangolé, Manito, Paulo Mariano, dentre outros em substituição aos mais antigos como: Tozinho Leandro, Aparício Duarte, Sebastião Medeiros, “seu” Iês, Batista Arruda e outros tantos. Em muitas ocasiões aconteciam serenatas cantadas na voz de Pedro e de Paulo Bocão e, nessas quadras, aconteciam sérias confusões que, no mais das vezes, culminavam com assassinatos, a exemplo dos que ceifaram as vidas de Luís Pitanga, Plínio Gato, Pedro Bocão, Chico de Cassimiro, Roberto de Mané Gato, dentre outros.

Contam-se muitas histórias do Cabaré de Princesa. Uma das mais interessantes refere-se ao relato de que, no açude Macapá, também conhecido como Açude Novo, existe uma serpente (cobra) que se gerou de uma criança recém-nascida naquele meretrício e que, abandonada pela mãe foi jogada, ainda viva, naquele manancial. Como castigo, a criança transformara-se em uma serpente. A estória tomou corpo chegando, muitos, a acreditarem piamente na veracidade dessa maldição. O senhor Antônio Nunes, marceneiro de Princesa já falecido, que gostava de pescar naquele açude relatava que foi picado por essa cobra e dizia com tanta convicção que muitos acreditavam em sua estória. Outro fato hilário que ilustra as histórias do lupanar princesense aconteceu e chamou a atenção de toda a retrógrada e piegas sociedade, que foi o falecimento do sapateiro Álvaro, quando em pleno ato de fornicação sofreu um infarto do miocárdio na hora do gozo do amor proibido e partiu desta para o gozo de repouso eterno.

O Prostíbulo de Princesa fez história durante o tempo. Além de ser local frequentado pelos homens de bem de Princesa - nem sempre com o intuito da fornicação, mas também para conversarem sobre política tomando um bom uísque ou jogando cartas - era, na verdade, um ponto de encontro que acontecia todos os domingos. Ali também se registrou algo que acredito só tenha ocorrido em Princesa: um comício numa campanha eleitoral para a escolha do prefeito. Foi em 1968 quando da campanha eleitoral de doutor Antônio Nominando Diniz, que concorria à Prefeitura, disputando com Joaquim Mariano e Miguel Rodrigues que se realizou, em pleno Cabaré, um comício. Primeiro, discursou a futura segunda-dama, dona Socorro, esposa de Miron Maia candidato a vice-prefeito na chapa de Antônio Nominando. Na sequência, foram vários os oradores e, para encerrar, falou o candidato a prefeito, doutor Antônio que, em sua peroração, discursou referindo-se às prostitutas, em inteligente homenagem:

“Chamam-nas de mulheres de vida fácil. Porém, quão difícil é entender onde está a facilidade de uma vida, quando se é obrigado a corromper o santuário do corpo para adquirir o sustento para a sobrevivência. São, portanto, mulheres de vida difícil, dificílima, que sofrem o preconceito das elites para, de forma imoral, proporcionar a moralidade. São mulheres que dormem tarde, como guardas noturnos, velando pela segurança das famílias de bem.”.

Cito como exemplo sobre a deferência conferida a Estrela, um hino composto pelas filhas de “seu” Severino Fernandes Almeida por ocasião da entrega do Título de Cidadão Princesense a este concedido, in memoriam, na Câmara Municipal de Princesa, ainda em 1984, que justiça se fez quando da entrega dessa láurea à dona Natália, sua viúva, em 10 de julho de 1999. Na solenidade em homenagem a “Seu Severino da Moda”, na presença da quase totalidade de seus filhos, que acompanharam a mãe para receber o grau conferido ao falecido pai, foi apresentada a composição feita pelas filhas Marluce e Nenêza, em homenagem a nossa terra (e deles), parodiando a marcha-baião “Meu Araripe” cantada por Luiz Gonzaga, a qual intitularam: “Minha Princesa” que, numa de suas estrofes, homenageia a “chefa” do Cabaré de Princesa. Dizia a canção:

MINHA PRINCESA, MEU RELICÁRIO;

EU VIM AQUI REVER MEU PÉ DE SERRA;

BEIJAR A MINHA TERRA;

ADMIRAR SEU CAMPANÁRIO.

 

BEM-VINDOS OS FILHOS DE SEVERINO DA MODA;

QUE NA CIDADE VEM AMIGOS ABRAÇAR;

E A NOSSA FESTA NÃO VAI SER DE CANDEIA

JÁ TEM LUZ QUE ALUMEIA;

TOSIN NÃO VAI DAR SINÁ.

 

VAMOS LOUVAR FIGURAS DESSE LUGAR

BISPO MUNIZ, NOMINANDO E ZÉ PEREIRA;

E A ESTRELA QUE NÃO SAI DA LEMBRANÇA;

QUE MANDOU BUSCAR NA FRANÇA;

MENINAS PRÁ VADIAR.

 

CADÊ CANHOTO CADÊ ZÉ GÓES MEU PADIM;

O TÕE DE CLÁUDIO, MÃE FILÓ E ROSIMAR;

CADÊ PAI ZÉ E O POVO DAS AROEIRAS;

PRÁ CANTAR COM ALEGRIA;

 E ANIMAR A BRINCADEIRA.


VAMOS LOUVAR GRANDE PEDRO FOGUETEIRO;

LUÍS DAS FLORES, BATE BIRRO E DIÓ;

A BENEDITA, FREI MANÉ E FREI ANSCÁRIO;

DONA ALICE QUE NOS FEZ;

 CONHECER O ABECEDÁRIO.

MINHA PRINCESA... (BIS) 

Inspirado por esse hino – o que considero uma ode a Princesa –, que homenageia princesenses de antanho (alguns ainda vivos) e faz-nos relembrar os costumes dos tempos da nossa infância e juventude, aproveito para prestar, nessa crônica, uma homenagem aos filhos de “seu” Severino Almeida e de dona Natália que apesar de estarem fora de Princesa há tanto tempo, tiveram a consideração de aqui vir para receberem, todos juntos, a justa homenagem feita a seu pai. Como vimos, o Cabaré de Princesa fez história quando influenciou ou foi palco de várias atividades sociais, religiosas e políticas do município. Lamentavelmente não existem mais cabarés como antigamente. Os de hoje, perderam o charme, o elã, uma vez funcionarem sem cortinas ou empanadas: são arenas a céu aberto!



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