Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
Amor Selvagem
Lucas, trabalhava de sol-a-sol como empregado na fazenda do rico proprietário, João Soares, a quem chamavam de “Major Sinhorzinho”. Era um mulato de seus 30 anos de idade, de forte compleição, estatura média, caladão e muito trabalhador. Logo que chegou na fazenda do major, vindo das terras do Pajeú - diziam, a boca pequena, que fugira do estado de Pernambuco por haver assassinado um homem numa briga por causa do defloramento de uma moça -, mulherengo que era, Lucas se engraçou por uma negrinha, chamada Alba, que era filha da cozinheira da Casa Grande de João Soares. A moça, novinha, tinha acabado de completar 16 anos, mas, fogosa que era, também deu trela ao rapaz e começaram a namorar. Preocupada com a procedência incerta do rapaz, Tertuliana, a mãe da moça – também chamada de “Tertú” - logo admoestou a filha: “Alba, tu tá se enxerindo pra esse nego, mas tu num sabe nem quem é esse cabra, de onde veio, se é casado ou sortêro, sei não...”. “Ôxe, mãe, nós só tamo conversando”, disse a menina.
Os dias passavam e, o relacionamento de Lucas com Alba, só se
intensificava. Nas horas vagas, o rapaz só queria estar junto da moça e, nos
dias de folga, sumiam mata-a-dentro e só chegavam de tardezinha. Sinhorzinho
era casado com dona Luzia, uma senhora austera e muito religiosa que não ligava
muito para o comportamento dos empregados, porém, esse relacionamento estava
tão explícito, portanto, inconveniente para os padrões da casa, que a patroa
chamou a cozinheira e disse: “Tertú, tu cuida de tua neguinha que esse cabra tá
dando em riba dela. Tu sabes que homem é bicho venenoso...” “Eu não tenho o que
fazer, dona Luzia, essa menina não me atende e, agora, enrabichou-se por esse
bicho e não tem quem aparte os dois”, respondeu a empregada. “Pois é, quando a
merda virar boné, não venha me dizer que faltou aviso”, completou a patroa.
Alba era magrinha e de baixa estatura, mas tinha um corpo bem
feito e, seu sorriso, estampado por uma boca cheia de dentes alvíssimos e
perfeitos, dava o tom de sua sensualidade. Os seios da menina pareciam duas
lanças afiadas e, a bunda, realçava a sincronia de seu andar faceiro. A
neguinha era irresistível, principalmente porque, ao invés de meiga, como seria
a regra, Alba era ousada, destemida e audaciosa, provocante mesmo. O
ajuntamento da fome com a vontade de comer, fez de Lucas seu escravo. O negro
estava completamente enfeitiçado pela filha da cozinheira. Não bastasse o
sumiço na mata, passaram a dormir juntos, e não era ele que ia pro quarto dela,
mas ela que pulava dentro da rede dele quase todas as noites.
A fazenda do major Sinhorzinho ficava em terras ribeirinhas
do Rio do Peixe, no alto Sertão da Paraíba, entre os municípios de Pombal e
Sousa. Ali, além de criar gado, o fazendeiro cultivava feijão e milho, porém, a
principal atividade econômica se encerrava numa vasta plantação de coqueiros,
cujo produto, o homem exportava para os estados de Pernambuco e Alagoas. Além
dessa fazenda, João Soares tinha outra grande propriedade na Serra da Baixa
Verde, no município de Triunfo/PE, onde cultivava café, e cana de açúcar que
produzia rapaduras de excelente qualidade.
O amor de Alba e Lucas não era um idílio cheio de ternura e
delicadeza, mas sim, uma relação quase animalesca em que o sexo era o
ingrediente principal. Os beijos,
chegavam às raias da violência, como que se mordessem. Antes de penetrá-la, o
rapaz lambia seus seios túrgidos e fazia de sua cara uma montaria para ela. Em
sua extremada volúpia, a moça fazia questão de que, o coito, fosse demorado.
Antes da penetração, Alba, com seus dedos finos, acariciava o membro do rapaz,
o punha na boca e, depois, exigia que Lucas roçasse, demoradamente, sua vulva,
com seu membro intumescido. Ambos preferiam o prazer intenso ao gozo
derradeiro. Sob o corpo do homem, Alba cravava-lhe as unhas nas costas até
sangrar e, os dois, na hora do orgasmo, urravam de prazer, um verdadeiro
escândalo! Lucas nunca havia conhecido uma mulher assim, nem as prostitutas do
cabaré de Salgueiro, onde morou por algum tempo.
Esse amor selvagem já fugia do normal. Era como se o casal
vivesse só para isso. Lucas vivia aéreo e, Alba, agitada em sua compulsão por
estar junto do homem. Preocupada com a situação, dona Luzia procurou o marido:
“João, a neguinha de Tertú enrabichou-se por esse nego que tu contrataste
agora, e eu tô vendo a hora uma tragédia acontecer. Daqui a pouco essa menina
aparece buchuda! Acho que tu tens de tomar uma providência”. “Ora, Luzia, o que
é que eu tenho a ver com isso? Deixa os dois...”, respondeu o homem.
Não satisfeita, a patroa instigou Tertú para chamar o feito à
ordem. No mesmo dia, a cozinheira resolveu peitar Lucas. Era um sábado de
manhã. A mãe adentrou aos aposentos do rapaz e foi logo dizendo: “Olhe, ‘seu’
Lucas, eu tô sabendo de seu movimento com minha fia e quero que você tome logo
uma posição. A menina é de menor, não tem pai, mas não é cão sem dono, não”.
“Oxente, dona Tertú, não seja por isso, eu vou me casar com ela”, respondeu
Lucas. “Pois trate disso logo”, admoestou a mulher.
Numa prova de que estava mesmo enrabichado pela negrinha e
que dizia a verdade, no mesmo dia, Lucas procurou o patrão: “Major, eu preciso
dar uma viajada. Vou buscar meu batistério em Santa Maria da Boa Vista pra
casar com Alba”. Sinhorzinho olhou para o rapaz e, desconfiado, disse: “Olhe,
moço, essa menina foi criada aqui em casa. Eu sei que você já desgraçou a
coitada. Cuide mesmo de ir e voltar para cumprir sua palavra”. Lucas saiu da
presença do patrão, e, no dia seguinte, logo cedo, partiu.
Não se passaram nem oito dias, o rapaz tava de volta e
procurou o patrão: “Major, tô pronto, tá aqui meu batistério e quero casar com
Alba”. Sinhorzinho, que estava sentado numa cadeira de balanço, na sala de
estar de sua casa, levantou-se e foi logo dizendo: “Tô vendo que você é um
homem de palavra!” E gritou: “Luzia! Chama Tertú aqui!” Chegadas as duas à sala
da Casa Grande, o major virou-se para Tertú e informou: “Lucas tá resolvido;
vai se casar com sua filha, vocês duas, preparem as coisas que, amanhã, eu vou
na rua com ele pra acertar com o vigário”. A partir daí tudo correu muito
rápido e, o casamento, aconteceu em pouco mais de 15 dias.
Casados, Lucas e Alba, passaram a morar numa casinha de taipa
que o patrão mandou fazer ligeiro. A mobília, era composta de uma cama com
colchão de palha, uma rede, uma mesinha quadrada, quatro tamboretes, um pote,
um baú, além do fogão de lenha e dos utensílios necessários. Era só felicidade,
estavam no Sétimo Céu! Logo, a mulher apareceu buchuda e, em pouco tempo, pariu
um menino a quem deram o nome de João, em homenagem ao patrão.
Lucas, agora feliz com a nova situação, trabalhava com mais
afinco ainda. O rapaz era tido como o principal empregado do major Senhorzinho
- seu capataz - e, por isso, foi designado para coordenar os trabalhos da
colheita de café na fazenda do patrão no município de Triunfo, na Serra da
Baixa Verde. Como seria apenas por um período de três meses, o homem não viu
necessidade de levar Alba e a deixou com um menino pendurado no peito e outro
no bucho o que, de certa forma, lhes dava segurança quanto à fidelidade da mulher
durante sua ausência.
Ao invés de três meses, Lucas demorou uma era. Passado o
período inicial, o homem, nem em casa veio, tampouco mandou notícias para a mulher
e o filho. Aperreada com a ausência do marido e com a falta de notícias, quando
já se passavam mais de seis meses sem Lucas chegar, Alba, em dias de parir,
resolveu ir a Triunfo em busca do amado. Chegando àquela cidade pernambucana, a
mulher foi informada de que, o marido, morava na vizinha cidade de Santa Cruz.
Para lá rumou. Procurando informações sobre Lucas – o capataz da fazenda do
major Sinhorzinho -, a mulher soube que, há menos de quinze dias, seu homem
havia partido dali quando roubou uma mocinha de 15 anos, que era filha do
tabelião daquela cidade. Nunca mais Alba teve notícias do seu amor.
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