Comícios em Princesa
Comitium, termo em latim que designava o local
onde se concentrava toda a atividade política e religiosa da Roma Antiga, o
termo, em português: comício, significa “local de reunião”. Isso remonta ao
século IV a.C. Na era moderna, essa atividade tornou-se popular quando se
transformou em reuniões político-partidário-eleitorais, festivas, em que os
candidatos aos cargos eletivos majoritários e proporcionais apresentam suas
propostas, através de discursos, que são acompanhados por correligionários,
cabos eleitorais e eleitores. No mais das vezes, esses discursos são inflamados
e insultuosos aos adversários, que respondem no mesmo tom, o que anima o
eleitorado. Na verdade, uma festa cívica que não rende votos, pois, destinada
aos que já acompanham os candidatos de suas preferências.
Em Princesa, não poderia ser diferente. Polarizada pelo
comando político exercido pelas duas tradicionais famílias (Pereira e Diniz) há
quase 100 anos, os comícios, na cidade, sempre foram muito concorridos,
animados e contidos de passagens que vale a pena registrar. Fatos engraçados,
violentos, hilários e inusitados compõem a história dos comícios em Princesa, o
que nos leva a contar algumas histórias que deverão ficar para a posteridade
como testemunho do que ocorreu em nosso passado mais recente. A maioria dessas
histórias são excertos do livro, de minha autoria: “Princesa, História e Voto” que, aqui consolidadas, podem trazer
algumas lembranças, informações e divertimento ao leitor.
Naquele tempo, dia de comício era um dia de festa. Acorriam
todos para a cidade quando caminhões, contratados pelos candidatos, traziam os
moradores da Zona Rural; foguetões pipocavam no céu; moças da elite social, bem
vestidas, entoavam hinos das campanhas, recitavam jograis de cima dos
palanques; ramalhetes de flores eram oferecidos às autoridades (deputados e
senadores) que vinham da capital, enfim, o evento movimentava toda a cidade.
Era um verdadeiro: “Opa, opa!” Depois do comício, o “Epa, epa”, quando os
eleitores – em sua maioria embriagados, tinham de ser devolvidos aos seus
Sítios; palanques desenfeitados e desarmados e o aguardo do comício seguinte
promovido pelos adversários quando as ofensas eram retribuídas e promessas vãs
eram repetidas.
Obedecendo uma cronologia, começamos com um comício realizado
em 1958, na “Rua Grande”, em prol da candidatura de Aloysio Pereira a deputado
estadual. Naquela campanha eleitoral, durante a ocorrência desse comício, no
local, repleto de eleitores atentos a ouvirem os discursos dos vários oradores,
instalou-se de repente, uma confusão que, mesmo não tendo nada a ver com a
disputa eleitoral, tampouco com o ato cívico que acontecia naquele momento, causou
grande tumulto. Numa discussão entre populares, ocorrida na “rabeira” da
multidão, um dos contendores sacou de um revólver e começou a atirar a esmo.
Todos correram apavorados. Tudo isso aconteceu mesmo na hora em que o candidato,
Aloysio Pereira, estava discursando.
Ao pé do caminhão que servia de palanque, postava-se, de cara
pra cima, ouvindo atentamente a fala do líder, Zé da Viúva, um fiel eleitor que
nunca perdia um comício. Quando o tumulto se configurou, doutor Aloysio notou,
que em meio ao tiroteio, foi Zé, o primeiro a correr. No outro dia, ao
reencontrá-lo na rua, o deputado o inquiriu: “Mas Zé, tanto que eu confiava em você, estando ali para me dar
segurança, e você foi o primeiro que correu...”. O eleitor, meio
envergonhado, porém, sem ter uma justificativa plausível para sua deserção,
respondeu: “Pois é dotô, o poblema é que
os caba atira em vossas Incelenças e a bala sempre pega nos fulano de tá”.
Doutra feita, na campanha eleitoral de 1968, para a escolha
do prefeito de Princesa, concorreram três candidatos: Antônio Nominando Diniz;
Joaquim Mariano e Miguel Rodrigues. Antônio Nominando, candidato pela ARENA, contra
os filiados ao MDB 1 e 2, resolveu fazer algo inusitado na política princesense,
quando realizou um comício na “Rua da Lapa” onde funcionava o Cabaré. Nessa
ocasião, acompanhado de seu candidato a vice-prefeito, o senhor Miron Maia e de
sua esposa Socorro, subiram ao palanque e, doutor Antônio, designou Socorro de
Miron para abrir as falas daquela festa cívica. Era essa, a primeira vez que
uma mulher fazia discurso em palanque eleitoral, em Princesa. Depois da fala da
futura segunda-dama, Antônio Nominando proferiu o seguinte discurso fazendo
apologia às quengas daquele Lupanar:
“Chamam-nas de mulheres de vida fácil. Porém, quão difícil é entender
onde está a facilidade de uma vida, quando se é obrigado a corromper o
santuário do corpo para adquirir o sustento para a sobrevivência. São,
portanto, mulheres de vida difícil, dificílima, que sofrem o preconceito das
elites para, de forma imoral, proporcionar a moralidade. São mulheres que
dormem tarde, como guardas noturnos, velando pela segurança das famílias de
bem.”
Durante a fala do candidato, os ouvintes,
embevecidos, aplaudiam, enquanto as raparigas – que escutavam os discursos
afastadas das pessoas de bem da sociedade, sentadas nas calçadas, choravam
copiosamente. Doutor Antônio encerrou sua oração pontuando que a sociedade
princesense tinha uma dívida com essas mulheres e prometeu que, quando eleito
prefeito, instalaria ali um posto de profilaxia para preveni-las das doenças
inerentes à profissão. Eleito, cumpriu o prometido logo que tomou posse no
cargo.
No prélio eleitoral de 1976, em que Batinho era candidato a
prefeito e Gominho a vice-prefeito, pelo grupo Diniz; concorrendo com João
Pacote e Novo Bezerra, apoiados pelos Pereira, na qualidade de coordenador da
campanha, o advogado Manito, decidiu realizar um comício no povoado de Jericó.
Em que pese aquele lugar pertencer ao estado de Pernambuco, esse evento
político se justificava porque grande número dos moradores de lá votavam em
Princesa. O coordenador resolveu que, Gominho, na qualidade de candidato a
vice-prefeito, deveria fazer a abertura do comício. Aflito com essa novidade de
falar antes de todo mundo, Gominho virou-se para Manito e perguntou como
deveria se dirigir ao povo de Jericó. Manito, muito gaiato, ensinou ao
candidato que este deveria usar o seguinte vocativo: “Valoroso povo Jericoense!”, acrescentando que seria bom fazer
também uma referência a um pássaro.
Na sua hora, Gominho tomou o microfone e começou: “Caloroso povo jericoano! Quando vejo vocês,
meu coração se abre como as asas de uma beija-flor...”. Nesse ínterim, o
locutor do comício, que havia escutado as recomendações de Manito, repreendeu o
orador cochichando ao seu ouvido: “Tá
errado, Gominho: é ‘valoroso’ e ‘jericoense’”. Ouvindo isso, o candidato a
vice-prefeito, parou de falar, virou-se para Manito e perguntou: “E aí, Manito, cumaé?” Manito respondeu:
“Tanto faz, Mané Gomi, continua tua fala.
É tudo a mesma merda!”. Gominho continuou sua oração e, como de praxe, ao
terminar de discursar jogou-se de cima do palanque nos braços do povo. Dessa
vez deu certo.
Uma das situações mais embaraçosas, envolvendo a história dos
comícios em Princesa, aconteceu na campanha eleitoral de 1992. Nesse pleito,
disputavam as eleições para prefeito de Princesa três candidatos: Gonzaga Bento
pelo PFL; José Nominando pelo PMDB e doutor Zoma pelo PDT/PT. Nessa campanha,
aconteceram vários comícios em praças públicas da cidade. Numa dessas
concentrações cívicas, o comerciante e ex-vereador Chico França, após tomar
vários goles de cerveja, apresentou-se como um dos oradores no palanque do
candidato do PMDB, Zé Nominando. Chico não estava na lista dos que iam
discursar, mas, para não desagradar o importante correligionário, a organização
do evento anunciou a fala daquele comerciante e político. Chico França começou
a discursar, iniciando sua fala logo dizendo:
O grupo político dos ‘Pereiras’ criou
o Partido PPB que é o Partido das Putas Brasileiras.
O tempo fechou. O PPB – Partido Popular Brasileiro, em
Princesa, sob o comando de Gonzaga Bento e Aloysio Pereira, tinha na sua
direção as seguintes mulheres: Rosane Pereira; Maria de Veri; Maria Luísa
Abrantes, Julieta Pereira, dentre outras senhoras de bem. No dia seguinte,
diante da repercussão negativa de seu desastroso pronunciamento, Chico França
acordou com duas ressacas: a etílica, pela carraspana federal do dia anterior e
a moral, pelo catastrófico discurso. Preocupado com o efeito negativo que, com
certeza, causou, a sua fala da noite anterior, ele, que era um homem decente,
educado e respeitador, designou sua esposa Carmelita – a quem chamava
carinhosamente de “Carmita” -, para apagar o fogo.
Atendendo ao desiderato do marido, logo cedo, Carmelita
partiu para a casa de Gonzaga Bento. Chegando ao Palacete dos Pereira, a esposa
de Chico França encontrou o candidato do PFL sentado em uma das cadeiras de
balanço de sua sala de estar. Adentrou à casa, cumprimentou Gonzaga e abordou
logo o assunto que a levava ali:
Gonzaga, eu
vim aqui para me desculpar pelo excesso cometido por Chico ontem à noite, no
comício de Zé Nominando. Ele tinha tomado umas cervejas a mais e disse o que
não deveria. Está em casa, muito acabrunhado e me pediu para vir aqui pedir
desculpas a você e dizer que não é aquela a impressão que ele tem sobre as
mulheres de seu partido.
Nesse momento, adentrou à sala a filha de Gonzaga Bento,
Rosane Pereira, que era a presidente do Partido que Chico criticara na noite
anterior. Vendo a filha, Gonzaga Bento, numa tirada de bom humor, com ar de
riso, foi logo dizendo:
Se preocupa não, Carmelita, olha aí a
‘chefa’ do Cabaré, é ela a presidente do PPB.
Carmelita assustou-se com o comentário de Gonzaga, mas, este
continuou:
Diga a Chico que fique tranquilo e
não se preocupe, isso é coisa de política, até porque em Princesa todo mundo
sabe da honestidade das representantes do partido que ele criticou.
Carmelita criou alma nova, respirou aliviada e foi para casa
tranquila. Chico França, já na eleição seguinte, formava fileira no partido das
“putas”.
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