Na madrugada de 28 de fevereiro de 1930, uma sexta-feira,
partiu da capital do Estado então cidade de Parahyba, um pelotão da Polícia
Militar, composto por cerca de 20 homens, sob o comando do delegado de polícia
de Campina Grande, tenente Ascendino Feitosa, obedecendo a ordens expressas do
presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, para invadir os municípios
sertanejos de Teixeira e Princesa. Isso ocorreu a exatos 90 anos. Após o
rompimento político do coronel José Pereira Lima com o presidente paraibano, em
24 de fevereiro daquele ano – o que descrevemos em artigo publicado por este
Blog semana passada -, ambos os lados começaram a se preparar. O presidente
para retaliar a rebeldia do coronel e este, para se defender da sanha vingadora
do chefe do Estado. Zé Pereira, simpatizado pelas autoridades que comandavam os
poderes federais na capital do Estado, a exemplo do Telégrafo Nacional,
articulado e detentor de informações privilegiadas, obteve notícias dando conta
de que João Pessoa preparava um grupo de homens da polícia paraibana para
invadir Princesa, sob o pretexto de garantir as eleições que se realizariam no
dia 1º de março. Em face desse conhecimento, o coronel de Princesa começou a
articular-se em promoção da defesa de seu município buscando arregimentar
homens para a formação de um pequeno exército com capacidade de garantir a
segurança de seus munícipes, amigos e correligionários. Para tanto, contou com
o efetivo apoio de seu compadre, o industrial pernambucano, João Pessoa de
Queiroz que era primo do presidente paraibano e que, desligado deste, já se
fazia inimigo por motivo das perseguições de João Pessoa, desde sua posse no
Governo do Estado em 1928, contra os industriais e comerciantes do vizinho
estado de Pernambuco quando estabeleceu a
proibição da comercialização do que era produzido pelos municípios do interior
da Paraíba diretamente com os empresários pernambucanos, além de majorar todos
os impostos dos negócios feitos sem passar pela capital do Estado. Rapidamente,
já no dia 26 de fevereiro detinha, o coronel, um contingente de aproximadamente
300 homens em armas.
O primeiro tiro
Há 90 anos da chamada Guerra de Princesa, sobrevive uma
pergunta traduzida em polêmica, sobre quem nesse conflito disparou o primeiro
tiro. Até hoje, ninguém escreveu sobre aquela contenda dando prioridade aos
detalhes da revolta princesense. Sempre que se aborda o assunto o foco se atém
à formação da chapa eleitoral, assinada exclusivamente por João Pessoa, que
excluiu o nome do ex-presidente João Suassuna; ao assassinato do presidente
paraibano por João Dantas na confeitaria Glória no Recife e à eclosão da
Revolução de 30. Hoje, completados 90 anos, resolvi abordar o assunto com
algumas reflexões. Qual a intenção verdadeira de João Pessoa em invadir as
cidades de Teixeira e Princesa? Para garantir as eleições não poderia ser,
pois, sabedor que naqueles feudos eleitorais, sob o comando das famílias Dantas
e Suassuna e atendendo à inquestionável liderança do coronel e então deputado
estadual, José Pereira Lima, os votos seriam quase que unanimemente depositados
em favor das candidaturas de Júlio Prestes e Vital Soares para presidente e
vice-presidente da República respectivamente e em prol dos candidatos ao Senado
Federal e à Câmara Federal inscritos no Partido Republicano Paulista, chamados
de “perrepistas”. Na verdade, o que João Pessoa queria mesmo era impedir as
eleições, tumultuando o ambiente para inviabilizá-las e, consequentemente
ocupar os dois municípios em retaliação à “desobediência” do coronel em relação
às suas perseguições políticas, quando destituiu várias autoridades municipais,
a exemplo do prefeito e do vice-prefeito e, mesmo assim, Zé Pereira as manteve
nos cargos. Ademais, desejava, o presidente paraibano, de uma cajadada só,
matar vários “coelhos”, pois, cumprindo o seu intento, puniria também os
“Pessoa de Queiroz” seus primos e desafetos. Nesse caso, fica claro que quem
disparou o primeiro tiro foi o presidente da Paraíba.
O ataque
Chegado a Teixeira, o pelotão chefiado por Ascendino Feitosa
- que era inimigo da família Dantas -, desapeou dos caminhões que os conduziam
a dois quilômetros da entrada da cidade e já entraram no pequeno burgo, às pés,
e atirando para todo lado. O comandante Feitosa mandou vir à sua presença o Sr.
Manuel Silveira Dantas, que se recusou a atender à ordem do tenente e, com
isso, Ascendino mandou seus comandados atirarem contra a casa de residência do patriarca
daquela importante família, Dr. Duarte Dantas, que era ligado por laços
familiares ao ex-presidente João Suassuna e arrancar de lá, de forma violenta,
duas irmãs suas já idosas as fazendo de reféns. Recebida a notícia de que uma
Coluna, formada por 200 homens, enviada pelo coronel José Pereira de Princesa,
já se aproximava para defender Teixeira, preparou seus soldados para a
resistência. A tropa enviada por Zé Pereira estacionou nas imediações do
povoado de Imaculada e cerca de trinta homens foram designados para retomar a
cidade invadida. Travou-se, na tarde daquele dia 28, violento tiroteio, ocasião
em que foram resgatadas as reféns e, por interveniência do vigário daquela
cidade, padre Antônio Trigueiro, estabelecido um cessar-fogo. Na verdade, nesse
primeiro enfrentamento não houve vencedores nem vencidos e, para alento dos
dois lados, nenhuma baixa. O pelotão sob as ordens do tenente Ascendino
estacionou em Imaculada sem promover quaisquer agressões e, o contingente
expedido pelo coronel ficou à espreita entre o distrito de Água Branca e aquela
comunidade. Sabedor do ataque a Teixeira, o ex-presidente Epitácio Pessoa
telegrafou ao sobrinho presidente em busca de esclarecimentos sobre o ocorrido.
João Pessoa respondeu dizendo que atacou a cidade de Teixeira para defendê-la
dos cangaceiros liderados por Zé Pereira. Informado depois por telegrama
enviado pelo ex-presidente João Suassuna, Epitácio questionou o sobrinho
através de outra mensagem telegráfica com o seguinte teor: “Rio – 16 -3 – João Pessoa – Parahyba – Suassuna alega que o official
que atacou sua família não foi Arruda, de Princeza, que após rompimento seguiu
para Conceição e não Teixeira, mas Feitosa, vindo de Campina, antes da eleição,
não sendo, portanto, verdade que a primeira aggressão haja partido dos seus
amigos, como eu affirmava por orientação Vossa”. Com isso, fica aqui
patente, corroborado pelo próprio tio do presidente agressor que, quem provocou
o primeiro ataque do conflito armado da Guerra de Princesa, quem disparou o
primeiro tiro, foi João Pessoa e não José Pereira Lima.
A primeira batalha
Nessa primeira batalha da Guerra de Princesa, estavam à
frente da Coluna enviada pelo coronel para defender a cidade de Teixeira, os
chamados “Libertadores de Princeza”: Manoel Lopes Diniz (“Ronco Grosso”);
Marcolino Florentino Diniz; Luiz do Triângulo e Cícero Bezerra. Após o
cessar-fogo, intermediado pelo vigário de Teixeira, o tenente Ascendino Feitosa
bravateando uma vitória que não houve, enviou telegrama ao Chefe de Polícia da
capital paraibana, Dr. Adhemar Vidal, informando de forma mentirosa com os
seguintes termos: “Os bandidos, depois de
cortarem hoje o fio do telégrafo de São José do Egito e de Patos, atacaram esta
cidade, travando-se forte tiroteio, em um só tempo, em todas as frentes. Os
nossos soldados foram uns heróis. O tiroteio principiou ao meio dia, tendo
terminado às quinze e meia horas, com a recuada dos bandidos (...)”. Como
vemos, Feitosa inverte a situação quando informa ao Chefe de Polícia que foram
os homens de Zé Pereira que deflagraram o ataque e mente também quando nega o
cessar-fogo negociado pelo vigário, afirmando que a polícia venceu a batalha
quando da recuada dos que vieram de Princesa. Estacionada em Teixeira e
Imaculada a polícia, não avançou daí.
A maioria dos comandados do coronel retornou a Princesa e, na volta, com o intuito
de manter a ordem, se fizeram distribuir pelos distritos de Belém, Tavares e
Alagoa Nova (Manaíra). No dia 1º de março, um sábado de Carnaval, aconteceu as
eleições e, no município de Princesa os votos foram unânimes para a chapa
eleitoral apoiada por Zé Pereira. Em Teixeira, mais exatamente no distrito de
Imaculada, a chapa apoiada pelo presidente João Pessoa teve apenas 09 votos,
enquanto os candidatos indicados pela família Dantas foram sufragados por 470
votos.
(ESCRITO POR DOMINGOS
SÁVIO MAXIMIANO ROBERTO, EM 28 DE FEVEREIRO DE 2020).
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