Somos a geração da
transição
Nós, os princesenses sessentões de hoje, somos a geração da
transição de um passado recente para essa nova era da modernidade digital. Os
jovens de hoje não conheceram o que nós conhecemos do passado ocorrido a pouco,
nem os velhos da nossa época tiveram o privilégio de conhecer o desenvolvimento
tecnológico que hoje vivenciamos com espanto, o que tudo comanda.
Somos do tempo em que quase tudo era proibido ou imoral. Na
nossa época de jovens, as mulheres de meia idade tinham como indumentárias,
saias ou vestidos com a barra até os joelhos e, as velhas – em sua maioria
viúvas -, se cobriam em vestidos longos e pretos sem descobrir sequer os
mocotós. As freiras carmelitas só mostravam o redondo do rosto e as mãos. Até o
início da década de 1960, as chamadas “moças de família” não usavam saias
curtas nem blusas sem mangas e, obrigatoriamente vestiam as pernas com longas
meias. Os rapazes e os homens vestiam o convencional: calças compridas, camisas
de mangas e, quase sempre um chapéu à cabeça. Nada de afetação.
Com a chegada dos primeiros anos da década de 1970, as coisas
começaram a mudar. Com o advento da televisão que trouxe os Beatles, Roberto
Carlos, o Chacrinha, o Sílvio Santos, o futebol, etc., a juventude começou a
mudar também seus costumes: as meninas cortaram os cabelos, abandonaram os
penteados a laquê, retiraram os laços de fitas e os diademas e passaram a usar
minissaias e calças compridas; os rapazes passaram a vestir calças
boca-de-sino, camisas volta-ao-mundo e calçar sapatos cavalo-de-aço; largaram
de vez a brilhantina e deixaram os cabelos crescer. Para os idosos, em termos de vestimentas, quase nada mudou.
Os da nossa geração, alcançamos ainda a prática do café
torrado em casa; do milho moído à máquina mimoso nº 3 e do arroz descascado no
pilão. Era chique quem tinha “fogão de Carvão”. Fogão à lenha era usado também
na cidade, porém mais disseminado nas casas dos moradores da Zona Rural que,
naquele tempo, representavam 70% da população do município e só vinham para a
rua aos sábados, para a feira-livre, e nas quatro festas do ano. Os principais
componentes de uma casa eram: o pote, a quartinha e o filtro, todos de barro,
em similaridade com as panelas; a marmita, o bule e a chaleira, dentre outros.
O banheiro para lavar-se e a latrina para as necessidades fisiológicas ficavam
fora da casa e, para essas “necessidades”, quando feitas à noite, utilizava-se
o urinol (penico). Sem energia elétrica, usava-se o candeeiro à querosene (que
chamávamos de gás). Para passar as roupas, o ferro de engomar, com brasas. Para
o fazimento das roupas, a máquina de pé para costurar. Eram esses os móveis,
utensílios e costumes usados, incompreensíveis para os jovens de hoje. Mas nós
fomos testemunhas também da chegada da televisão; da geladeira; do
liquidificador; do fogão a gás, da panela de pressão, do ferro elétrico; da
garrafa automática; da energia de Paulo Afonso; da água encanada; do telefone; da
popularização do rádio e de outras modernidades que vieram, primeiro para os
mais abonados financeiramente, mas que encantavam a todos.
Automóveis eram um luxo. Tirante dos caminhões de “seu” Biu
(pai de Batinho), de “seu” Eliseu Patriota e de Sebastião Medeiros, dentre
outros poucos, existiam os ônibus de Parajara Duarte e o de “seu” Apolônio
Campos que fazia a linha Patos Espinharas/Princesa. Carros de passeio eram
pouquíssimos: o fusca de “seu” Mano, o aero willys de Toinho de Frade, o fusca
de Chico Sobreira, o jipe de 4 portas de doutor Severiano, o fusca de doutor
Zezito Sérgio e os dois jipes dos frades carmelitas, para citar alguns.
Brasília, que foi construída nesse tempo, com arquitetura
modernista, acabara de ser inaugurada, o que influenciou também no estilo das
novas construções da cidade, quando até um Bairro recebeu o nome de “Nova
Brasília”. Os costumes e as transformações sociais causaram impacto muito forte
na sociedade daquela época principalmente quanto às orientações religiosas. Era
ainda, a Igreja Católica, hegemônica no ditar de quase tudo. Lembro-me de um
sermão de frei Alberto Carneiro Leão em que esse frade proibia que mulheres
adentrassem à igreja vestindo calças compridas e recusava-se, o padre, em
distribuir a comunhão para mulheres que estivessem sem um véu (echarpe) a lhes
cobrir a cabeça. Mesmo assim, em obediência às determinações do Concílio
Vaticano II, os padres e a freiras tiraram seus hábitos e passaram a circular à
paisana; a missa passou a ser celebrada não mais em latim, mas sim, em
português; foi abolida a confissão auricular e frei Damião parou de vir fazer
missões em Princesa. Os tempos já eram outros, os sermões mudaram, ninguém mais
ia para o inferno e, os pecados, deixaram de ser mortais para se tronarem
veniais e passíveis do perdão para que se pudesse pecar de novo.
Mesmo diante da resistência dos pais que, em sua maioria,
seguiam a orientação da Igreja no tocante aos divertimentos, transformações
significativas também aconteceram. Abriu-se a primeira boate com luz negra (Le
Bartô); o beijo na boca já não “engravidava” mais; os chamados “assustados” (bailes
domésticos ao som de radiolas de pilhas) se disseminaram e, democratizando o
namoro, até uma cebola era dependurada no meio da sala, permitindo que as
meninas “tirassem” os meninos para dançar. O cigarro ocupava as bocas dos rapazes
e, o chiclete, as das meninas. No cinema, frei Alberto não mandava mais Tozinho
cortar as fitas que mostravam cenas de amor. O glamour era espelhado no casal número 1 da cidade: doutor Zezito
Sérgio e Lucina Maia. Ele médico e, ela, oriunda de famílias das mais
tradicionais da cidade (Maia e Diniz). Na casa deles - uma construção moderna e
luxuosa para a época - foi onde ouvimos o primeiro ronco de um aparelho de ar
condicionado. Viajavam de férias para Bariloche, na Argentina e eram assinantes
da revista Manchete. Nascida a primeira filha desse glamoroso casal, foi
anunciado que se chamaria Stéphanie, o mesmo nome da filha de Rainier e Grace
Kelly, os príncipes de Mônaco.
Fomos assim uma geração-elo, uma vez que testemunhamos tudo,
desde o jumento carregado de latas d’água que eram vendidas de porta-em-porta; a
vida sem energia elétrica; escrevendo numa máquina de datilografia, até a era
digital de hoje quando o computador e o aparelho celular são indispensáveis, o que
nos permite viver de forma virtual, em comunicação simultânea e constante. Como
disse Raul Seixas, somos o antes, o durante e o depois; o velho, o novo e o
recente. Por conta disso, muito temos o que ensinar sobre o passado e muito
mais a aprender com os jovens de hoje nesse tempo em que tudo acontece
rapidamente e ao mesmo tempo. Que venha a tecnologia do 5G, mas que o nosso
passado não seja relegado ao esquecimento. Vale a pena ver de novo.
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