No tempo da Igreja Velha de Princesa, quando eu era coroinha, as festas religiosas eram mais solenes e tinham mais pompa. Em maio, comemorava-se, durante todo o período de trinta e um dias, o Mês Mariano; rezavam-se novenas todas as noites e cada dia era dedicado a uma associação religiosa, órgão público, família importante ou quaisquer segmentos da sociedade que pudessem contribuir com generoso óbolo para a Santa Madre Igreja. Jamais se registrou a dedicação de uma dessas noites festivas de Nossa Senhora aos negros, às prostitutas, aos pobres, aos trabalhadores ou a quaisquer membros das classes inferiores. Os “noiteiros”, (como eram chamados os patrocinadores das novenas), eram sempre os comerciantes, fazendeiros e representantes das chamadas “Famílias de Bem”. Cada um desses noiteiros era responsável pela ornamentação dos altares. Nessas ocasiões os patrocinadores das novenas se valiam de mulheres da sociedade princesense que tinham habilidadesem ornamentação, a exemplo de Ada Barros, Joanita Cardoso, Titica Lacerda, Antônia Gastão, dentre outras. Essas ornamentadoras usavam cachipôs onde acondicionavam jarros com flores do tipo “copos-de-leite”, lírios, crisântemos, ramos de “alfinetes”, etc. No mais das noites, vestiam crianças (meninas) de anjos, que ficavam empoleiradas no altar e, aqui acolá, aconteciam alguns contratempos quando crianças espirravam por alergia ao incenso usado nas novenas, ou até vexames maiores quando algumas das meninas fantasiadas de mensageiro celestial se urinavam durante as celebrações. As novenas de maio eram organizadas e coordenadas pelas solteironas integrantes da Pia União das Filhas de Maria e, em todas as celebrações eram entoadas ladainhas em louvor à Virgem Maria.
Festividades juninas
Terminado o Mês de Maio vinham as comemorações juninas. Começava com a Trezena de Santo Antônio; eram treze dias de rezas que findavam com a missa comemorativa e a procissão que desfilava carregando a imagem do Santo num andor, o que era feito, de preferência por aqueles e aquelas que desejavam conseguir um casamento. Além das novenas na Igreja Matriz, no dia 12 de junho, algumas casas residenciais preparavam altares com o Santo Antônio entronizado, rodeado de flores e de velas sobre um pequeno altar instalado numa mesa forrada com a melhor toalha, de preferência bordada,para que as moças do lugar o visitassem fazendo seus pedidos de casamento. Diziam naquele tempo os mais velhos, que as moças que visitassem doze dessas casas, com certeza no ano seguinte já se encontrariam, no mínimo, na condição de noivas. As chamadas “moças velhas” secavam as pernas, de casa em casa, em busca do desencalhe. Depois do santo casadoiro, festejava-se São João. Para esse Santo, estranhamente, não havia novenas; as festas atinham-se somente aos festejos profanos como fogueiras, quadrilhas, quermesses e outros divertimentos que aconteciam no dia 23 de junho. No dia 28, comemorava-se a festa de São Pedro, também com quadrilhas e fogueiras. Porém, o ápice das comemorações do dia dedicado ao chaveiro do céu, acontecia na Rua do Cancão, o que era promovido por Pedro Fogueteiro. Essa festa, por muito tempo, constituiu-se numa das maiores de Princesa.
As últimas festas do Ano
Após as festividades juninas, havia um interregno muito grande quanto às celebrações religiosas, pois, somente em novembro acontecia a festa de Todos os Santos quando a igreja promovia, no dia 1º de novembro, missa em que era cantada extensa ladainha que invocava quase toda a Corte Celestial. No dia 02 do mesmo mês era feita a homenagem aos mortos, no chamado Dia de Finados. Nessa ocasião era celebrada, no Cemitério, uma missa na intenção de todos os mortos e, a partir daí, quem houvesse falecido naquele ano, passaria a ser chamado de “finado”. Depois de novembro, com o advento do último mês do ano, começavam os preparativos para a festa da Padroeira, Nossa Senhora do Bom Conselho. Acontecia um novenário que se iniciava (o que ainda hoje persiste) no dia 23, com o hasteamento da bandeira com o retrato da Virgem e continuava, por toda a semana seguinte, com noites dedicadas aos criadores, motoristas, comerciantes, vaqueiros e carreiros, famílias importantes, dentre outrossegmentos da mesma estirpe. No dia 31 acontecia a coroação da Santa e, no dia 1º de janeiro a Missa Solene acompanhada da principal procissão que acontecia na cidade percorrendo as principais ruas do burgo princesense, conduzindo a imagem da Virgem padroeira.
Outras atividades religiosas
Além desses festivos ofícios religiosos, era prática comum quando morriam pessoas ilustres, a execução do “sinal” tocado nos três sinos existentes no campanário da Igreja Matriz. Para os defuntos do sexo masculino, usava-se o toque emitido pelos sinos mais graves; para as defuntas, o sinal era tocado através dos sinos mais finos. Para as crianças (anjos) era executado um repique. Esse privilégio era exclusividade dos detentores de posses, pois, o “sinal” era pago por hora tocada. Esse serviço fúnebre era realizado pelos sacristãos (Antônio Soares, pai de Canhoto da Paraíba; “Chanim”; Edgar de Alzira; Dão Mandú, dentre outros). As missas e novenas solenes eram cantadas e acompanhadas pelo tom da Serafina, tocada por dona Irene Sérgio Diniz, acompanhada pelas cantoras, Odívia Maximiano, Carmelita Santos, Antônia Gastão, Doralice Marrocos e outras. Na igreja, as famílias ricas tinhamcertas regalias. As cadeiras com encostos e genuflexórioseram exclusivas para os que tinham posses e faziam parte da chamada sociedade e personalizadas, quando tinham seus nomes gravados na parte superior daqueles assentos. Os pobres tomavam lugar nos bancos (isso lembrava os circos, quando os ricos ocupavam as cadeiras e, os pobres, sentavam-se em poleiros) e os negros, só podiam participar dos ofícios religiosos na Igreja do Rosário, que era apropriada para aquela classe inferior. Para a celebração da eucaristia, os padres usavam indumentárias (paramentos) temáticas. No chamado “advento”, o paramento era na cor verde; na Semana Santa, roxo; na Aleluia, vermelho e, na missa de finados, preto. Era assim a igreja que conheci quando criança. Tudo isso sofreu radical mudança após a realização do “Concílio Vaticano II” que, sob a batuta do papa João XXIII, flexibilizou e abriu a igreja para os leigos. A Santa Madre Igreja é assim, quando ela vê que a coisa está desandando, ela acerta o passo com as coisas.
(ESCRITO POR DOMINGOS SÁVIO MAXIMIANO ROBERTO, EM 27 DE MARÇO DE 2020).
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