Hão de dizer que estou errado, que sou conservador e até
retrógrado, mas ninguém discorda do fato de que a formação das crianças de
hoje, em muito difere (para pior) das crianças dos tempos recentemente
passados. Tenho quase 65 anos de idade e fui criança na década de 1960, aqui em
Princesa, mais exatamente, na Rua Nova. Sem computador, sem celular, sem
internet e até sem telefone, vivíamos num mundo falto de comunicação, mas farto
de alegrias inocentes, descobertas diárias e ilusões que povoavam nossas verdes
cabeças.
Não existia esse negócio de – feito bezerro novo em relação à
vaca -, apartar as crianças aos 2 anos, ainda quase bebês, para frequentarem as
creches da vida, privando-as tão cedo do convívio familiar. Naquele tempo,
íamos para a escola pela primeira vez, somente aos 6 anos de idade, para o
Jardim da Infância. É certo que hoje os tempos são outros quando não somente os
pais, mas também as mães precisam trabalhar fora de casa, e os cuidados com os
filhos menores têm de ser terceirizados. Isso é fato consumado e insanável,
porque exigência dos novos costumes.
Se é hoje melhor ou pior, a análise de cada um que faça seu
julgamento. Eu, particularmente, estou convencido de que os valores morais
estão sim, prejudicados. O que mais me preocupa é a “adultização” das nossas
crianças quando, escravas de um aparelho celular, desde a tenra idade, são
emprenhadas por informações enlatadas (no mais das vezes Fake News) que, por
demais individuais, impossíveis de se fazer uma triagem, o que enche os “chips”
dos meninos e das meninas de coisas inócuas, chegando até a colocá-los expostos
a violências, pornofonias, etc.
É certo que informações pesadas e não condizentes com o
alcance do discernimento infantil, são prejudiciais ao desenvolvimento dos
menores. Diferente de antigamente, quando as crianças tinham o direito ao mundo
dos sonhos, das ilusões, dos medos gostosos e estimulantes, do benefício da
inocência respeitada e respeitosa. Tudo vinha a seu tempo. As coisas eram
específicas e separadas. Criança era criança, brincavam do pega, do preso, de
roda, do anel, contavam-se estórias de Trancoso... as crianças tinham o mundo
delas.
A proteção aos pequeninos era causa pétrea. Era tanto que
para isso, até os adultos se tornavam inocentes ao ponto de acreditar em
fábulas como a do “Papafigo”. Na década de 1960, surgiu uma história de que
existiam homens portadores de uma doença rara que tinha como principal sintoma,
o crescimento desenfreado das orelhas e que, somente a ingestão do fígado de
crianças pequenas tinha o poder de controlar esse mal. Isso aterrorizava os
pais de meninos e meninas e, ao mesmo tempo, servia como um freio para as
estripulias infantis. Era comum ouvir as mães dizerem: “entrem pra dentro que o papafigo vem aí”. Não ficava uma só criança
na rua.
É verdade que haviam algumas vantagens, como as escolas
públicas de boa qualidade, onde estudavam pobres e ricos; existia educação
doméstica que era extensiva às salas de aulas; conceitos morais eram cultuados,
como o respeito aos professores e aos mais velhos. Aos domingos, depois do
alienante catecismo, as crianças iam para o Cine Santa Maria assistir à matinê onde
eram exibidas fitas de filmes infantis. As crianças liam gibis da coleção Walt
Disney; acompanhavam o palhaço perna-de-pau do circo da viúva, cantando o
“Benedito Bacurau”. Como não existia ainda o Estatuto da Criança e do
Adolescente, havia o suplício das famigeradas “pisas” de corda e de palmatória,
mas isso fazia parte. Hoje, meninos e meninas, desde cedo, não vivem sem estar
constantemente conectados, viciados na telinha do celular, numa dependência
digital maléfica porque sem regras. As crianças de hoje não terão o que contar
no futuro, nada fizeram, nada criaram.
Hoje, não tem papafigo que dê jeito. Acabou-se o respeito aos
pais e aos professores, mesmo porque, em se tratando da educação formal, o empenho
destes não é mais o mesmo; não porque não queiram, mas porque o respeito que
hoje é imposto destina-se (de forma contrária e hipócrita), somente às
crianças, isso em detrimento da autoridade do Mestre e dos pais. Não se lê mais,
não se pesquisa mais, tudo vem enlatadinho através do google, da Wikipédia, etc. Num mato sem cachorro e num beco sem
saída, não sabemos em que isso vai dar. Sem medo do papafigo e sem as orelhas
crescerem, o que nos resta é ficar de orelhas em pé.
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