ODE

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Nos tempos do “Papafigo”

Hão de dizer que estou errado, que sou conservador e até retrógrado, mas ninguém discorda do fato de que a formação das crianças de hoje, em muito difere (para pior) das crianças dos tempos recentemente passados. Tenho quase 65 anos de idade e fui criança na década de 1960, aqui em Princesa, mais exatamente, na Rua Nova. Sem computador, sem celular, sem internet e até sem telefone, vivíamos num mundo falto de comunicação, mas farto de alegrias inocentes, descobertas diárias e ilusões que povoavam nossas verdes cabeças.

Não existia esse negócio de – feito bezerro novo em relação à vaca -, apartar as crianças aos 2 anos, ainda quase bebês, para frequentarem as creches da vida, privando-as tão cedo do convívio familiar. Naquele tempo, íamos para a escola pela primeira vez, somente aos 6 anos de idade, para o Jardim da Infância. É certo que hoje os tempos são outros quando não somente os pais, mas também as mães precisam trabalhar fora de casa, e os cuidados com os filhos menores têm de ser terceirizados. Isso é fato consumado e insanável, porque exigência dos novos costumes.

Se é hoje melhor ou pior, a análise de cada um que faça seu julgamento. Eu, particularmente, estou convencido de que os valores morais estão sim, prejudicados. O que mais me preocupa é a “adultização” das nossas crianças quando, escravas de um aparelho celular, desde a tenra idade, são emprenhadas por informações enlatadas (no mais das vezes Fake News) que, por demais individuais, impossíveis de se fazer uma triagem, o que enche os “chips” dos meninos e das meninas de coisas inócuas, chegando até a colocá-los expostos a violências, pornofonias, etc.

É certo que informações pesadas e não condizentes com o alcance do discernimento infantil, são prejudiciais ao desenvolvimento dos menores. Diferente de antigamente, quando as crianças tinham o direito ao mundo dos sonhos, das ilusões, dos medos gostosos e estimulantes, do benefício da inocência respeitada e respeitosa. Tudo vinha a seu tempo. As coisas eram específicas e separadas. Criança era criança, brincavam do pega, do preso, de roda, do anel, contavam-se estórias de Trancoso... as crianças tinham o mundo delas.

A proteção aos pequeninos era causa pétrea. Era tanto que para isso, até os adultos se tornavam inocentes ao ponto de acreditar em fábulas como a do “Papafigo”. Na década de 1960, surgiu uma história de que existiam homens portadores de uma doença rara que tinha como principal sintoma, o crescimento desenfreado das orelhas e que, somente a ingestão do fígado de crianças pequenas tinha o poder de controlar esse mal. Isso aterrorizava os pais de meninos e meninas e, ao mesmo tempo, servia como um freio para as estripulias infantis. Era comum ouvir as mães dizerem: “entrem pra dentro que o papafigo vem aí”. Não ficava uma só criança na rua.

É verdade que haviam algumas vantagens, como as escolas públicas de boa qualidade, onde estudavam pobres e ricos; existia educação doméstica que era extensiva às salas de aulas; conceitos morais eram cultuados, como o respeito aos professores e aos mais velhos. Aos domingos, depois do alienante catecismo, as crianças iam para o Cine Santa Maria assistir à matinê onde eram exibidas fitas de filmes infantis. As crianças liam gibis da coleção Walt Disney; acompanhavam o palhaço perna-de-pau do circo da viúva, cantando o “Benedito Bacurau”. Como não existia ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, havia o suplício das famigeradas “pisas” de corda e de palmatória, mas isso fazia parte. Hoje, meninos e meninas, desde cedo, não vivem sem estar constantemente conectados, viciados na telinha do celular, numa dependência digital maléfica porque sem regras. As crianças de hoje não terão o que contar no futuro, nada fizeram, nada criaram.

Hoje, não tem papafigo que dê jeito. Acabou-se o respeito aos pais e aos professores, mesmo porque, em se tratando da educação formal, o empenho destes não é mais o mesmo; não porque não queiram, mas porque o respeito que hoje é imposto destina-se (de forma contrária e hipócrita), somente às crianças, isso em detrimento da autoridade do Mestre e dos pais. Não se lê mais, não se pesquisa mais, tudo vem enlatadinho através do google, da Wikipédia, etc. Num mato sem cachorro e num beco sem saída, não sabemos em que isso vai dar. Sem medo do papafigo e sem as orelhas crescerem, o que nos resta é ficar de orelhas em pé.




 

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