ODE

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

O CABARÉ DE PRINCESA






Em passado recente, quase todas as cidades do interior tinham seu Cabaré. Princesa não fugindo à regra, tinha o seu também, que era um dos maiores e mais movimentados do sertão paraibano. No Cabaré de Princesa, situado à Rua da Lapa, no Bairro do Cruzeiro e comandado por Estrela, faziam ponto várias raparigas, grande parte delas vindas da cidade de Teixeira/PB. A maioria das quengas era formada por jovens garotas pobres que se haviam “perdido” com rapazes ricos e, postas para fora de suas casas pelos pais envergonhados, não tinham alternativa senão habitar o meretrício. Da mesma forma que vinham de Teixeira prá cá - num verdadeiro intercâmbio -, as daqui iam para lá ou para outros lugares. Aqui chegando, ganhavam logo um apelido. Na década de 1970, as principais “mulheres da vida” (como eram chamadas pelas “mulheres de bem”), que ali habitavam ou faziam ponto eram, dentre outras: Rita Quarto-de-Bode; Aninha Papo-Verde; Toinha Baú; Pipoca; Lourdes Branca; Bola de Japonês; Pixuíta; Socorro Preta de Chibata; Ferro Velho; Socorro de Chico Pena; Maria do Tiro; Rita de Andrade; Lindalva de Pimpa; Fátima Jiboia; Orlaneide; Ana Bago-Mole; Ana Badulaque; e Crista de Peru. Interessante observar, que muitas das mulheres que moraram no bordel princesense se transformaram, mais tarde, em senhoras de bem. Algumas - não citarei seus nomes aqui para não ferir susceptibilidades - foram retiradas dali por homens da sociedade que as fizeram de suas esposas, constituindo famílias decentes e se integrando à sociedade.

Estrela, a delegada do Cabaré

     Estrela, não era a dona do Cabaré, porém, exercia o papel de administradora. Apaziguava ânimos violentos, fiscalizava quanto à presença de menores naquele recinto de libertinagem e, muitas vezes, reclamava com as prostitutas que se envolviam com jovens menores de 18 anos, chegando até a comunicar aos pais destes sobre o fato de que seus filhos estavam frequentando aquele ambiente antes de terem idade suficiente para tanto. Além desse papel delegatório, a “decana” da chamada “Zona”, promovia também em seu bar, o fazimento de deliciosas buchadas que eram pratos cheios para os grandes da sociedade princesense que se refestelavam, aos domingos, com a culinária da “chefa” do Cabaré. Muitos senhores ditos de bem, a exemplo do barbeiro Benedito Mendes; Antônio Mandaú; Aderbal Holanda; Genésio Lima; professor Zé Sobrinho (“Pai Zé”); Batinho; Manito; Samuel Medeiros; Chico Sobreira; Inocêncio Nóbrega; Severino Barbosa; Mirabeau Lacerda; Sebastião Medeiros; dentre outros, comiam as buchadas e ainda levavam pratos para suas esposas em casa. Estrela vivia como se fosse casada com Pedro Caboclo que era, além de dono do bar, músico muito competente. Aliás, era Pedro quem tocava a corneta que comandava o desfile do dia “7 de Setembro” do Ginásio “Nossa Senhora do Bom Conselho”, executando belos dobrados que, lembrados, nos conduzem a um tempo que nos provoca saudades. O conceito de Estrela junto à sociedade princesense era tão grande, que as raparigas, que participavam de uma única procissão da Igreja Católica, que era o cortejo do “Senhor Morto” na Sexta-Feira Santa, só o podiam fazer se estivessem na companhia da comandante do Cabaré.

Lazer e violência

    No seu auge, nas décadas de 60 e 70, o Meretrício da Rua da Lapa era ponto de vários boêmios. Frequentavam o Cabaré, de forma contumaz, os jovens: Andrade de Manoel Marrocos; Chico Rodrigues; Djalma Rosas; Hélio de Sebastião Medeiros; Pimpa; Parangolé; Manito; Paulo Mariano, dentre outros em substituição aos mais antigos como: Tozinho Leandro, Aparício Duarte, Sebastião Medeiros, “seu” Iês, Batista Arruda, etc. Em muitas ocasiões aconteciam serenatas cantadas na voz de Pedro e de Paulo Bocão e, nessas quadras, aconteciam sérias confusões que, no mais das vezes, culminavam com assassinatos, a exemplo dos que ceifaram as vidas de Luís Pitanga, Pedro Bocão, Chico de Cassimiro, Roberto de Mané Gato, dentre outros.

O Cabaré e a serpente

Contam-se muitas histórias sobre o Cabaré de Princesa. Uma das mais interessantes refere-se ao relato de que, no açude Macapá, também conhecido como Açude Novo, existia uma serpente (cobra) que se transformou de uma criança recém-nascida no Meretrício e que, abandonada pela mãe, foi jogada, ainda viva, naquele manancial. Como castigo, a criança transformara-se em uma serpente. A estória tomou corpo, ao ponto de muitos acreditarem piamente na veracidade dessa maldição. O senhor Antônio Nunes, marceneiro de Princesa, que gostava de pescar naquele açude, relatava que foi picado pela serpente e dizia isso com tanta convicção que terminou acreditando em sua estória. Sei que faleceu muitos anos depois da ocorrência da “picada” e viveu o resto de seus dias mancando de uma perna, segundo o próprio, em consequência daquele acidente humano-ofídico.

O Cabaré e a política
  
   O Prostíbulo de Princesa fez história durante o tempo. Além de ser local frequentado pelos homens de bem de Princesa - nem sempre com o intuito da fornicação, mas, para conversarem sobre política tomando um bom uísque ou jogando cartas -, era, na verdade um ponto de encontro que acontecia todos os domingos. Ali também se registrou algo que acredito só tenha ocorrido em Princesa: um comício numa campanha eleitoral para a escolha do prefeito. Foi em 1968 quando da campanha eleitoral de doutor Antônio Nominando Diniz, que concorria à Prefeitura, disputando com Joaquim Mariano e Miguel Rodrigues que se realizou, em pleno Cabaré, uma concentração cívico-eleitoral. Nessa ocasião, primeiro, discursou a futura primeira-dama, dona Socorro, esposa de Miron Maia, candidato a vice-prefeito na chapa de Antônio Nominando. Na sequência, foram vários os oradores e, para encerrar, falou o candidato a prefeito, doutor Antônio que, em sua peroração, discursou referindo-se às prostitutas, em inteligente homenagem:

“Chamam-nas de mulheres de vida fácil. Porém, quão difícil é entender onde está a facilidade de uma vida, quando se é obrigado a corromper o santuário do corpo para adquirir o sustento para a sobrevivência. São, portanto, mulheres de vida difícil, dificílima, que sofrem o preconceito das elites para, de forma imoral, proporcionar a moralidade. São mulheres que dormem tarde, como guardas noturnos, velando pela segurança das famílias de bem.”.

Como vimos, o Cabaré de Princesa fez história quando se imiscuiu em várias das atividades sociais, religiosas e políticas do município. Lamentavelmente, não existem mais cabarés como antigamente. Os de hoje, perderam o charme, o elã, uma vez funcionarem sem empanadas. São arenas à céu aberto.


(Escrito por Domingos Sávio Maximiano Roberto, em 10 de dezembro de 2019).


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