O MANIFESTO DO CORONEL JOSÉ PEREIRA LIMA
No dia 14 de março de 1930, exatamente 15 dias após o início do enfrentamento armado entre a Polícia da Paraíba e os chamados “Libertadores de Princesa”, comandados pelo coronel José Pereira, em face da já exaustiva propaganda oficial do Governo paraibano, através de seu órgão de imprensa, A UNIÃO, Zé Pereira, no afã de dar uma explicação de ordem política e moral à nação e com o intuito de sensibilizar as autoridades federais, resolveu fazer um pronunciamento através de um Manifesto à Nação, o que transcreveremos (na íntegra) logo abaixo. Esse manifesto escrito, veiculado pelo JORNAL DO COMMÉRCIO DO Recife, em 14 de março de 1930, elevou o então deputado e coronel José Pereira Lima ao status de caudilho, pois, em armas à frente de um pequeno município sertanejo, enfrentava naquele momento todo o aparato de uma Unidade da Federação, que jamais conseguiu invadir Princesa. Por suas ações beligerantes e este ato político de repercussão nacional, Zé Pereira foi, sem dúvidas, o último caudilho brasileiro. Vamos ao Manifesto:
“PRINCESA PODERÁ
SER MASSACRADA,
MAS NÃO HÁ
DE SE RENDER!”
“Contestando o que o Sr. Presidente João Pessoa, prevalecendo-se de suas facilidades de detentor de um Estado, tem mandado dizer para todos os ângulos do país, na ânsia de um julgamento benévolo à sua desbragada megalomania política, preciso esclarecer que o caso de Princesa não é um caso de polícia, como insinua aquele presidente. Não reflete sequer a aspiração de mando pessoal, mas a justa resolução de não me deixar massacrar, pelas hostes envenenadas da loucura revolucionária daquele para quem, até ontem, tinha eu todo valor político e hoje tudo me nega, porque, para puni-lo na felonia de despertar-lhe o sentimento da responsabilidade em face dos seus compromissos de homem público, deixei de acompanhá-lo não só por consciência de que assim melhor cumpriria o meu dever político para com a nação, mas,também, para defender a Paraíba contra os desmandos a que uma hora de insânia do próprio poder constituído a está conduzindo. É preciso que o Brasil inteiro saiba que em Princesa não foi o cangaço que se armou contra os poderes constitucionais do Estado; não é o núcleo de bandoleiros com que a paixão, o ódio ou a volúpia guerreira do Sr. João Pessoa nos apresenta ao país, mas, antes de tudo, a reação dos brios de uma numerosa população, abnegadamente colocada ao meu lado, na defesa de si própria e na do bom nome do Estado. Estabelecido o dissídio político provocado pelo Presidente Pessoa, dentro do seu partido, ao qual ele espedaçara, suprimindo-lhe, cesarianamente, de um só golpe, a sua comissão executiva, usurpando-lhe as funções para apresentar, com sua única assinatura, os candidatos ao Congresso Federal e à Presidência e Vice-presidência da República, embora que, em relação a estes últimos, o fizesse nominalmente um de seus prepostos, tive de divergir de importantes municípios, alguns, como eu, com assento no Congresso do Estado. A divergência constitui, pois, na oposição que lhe fiz ao critério personalíssimo com que extinguiu, de uma assentada, por sua vontade unipessoal, obedecendo aos seus caprichos de ocasião,liberdades preliminares, como a de escolher o partido, por seus legítimos órgãos, os candidatos aos cargos de representação do Estado. Esta atitude, comunicada ao Sr. João Pessoa, valeu-me logo a demissão do prefeito local e a retirada de Princesa de todos os representantes da administração estadual, menos a do Juiz de Direito, até então meu adversário político, mas, pessoalmente, sempre atencioso comigo, desde quando, por observação própria, teve a certeza do quanto a autoridade da magistratura togada, no meu município, livremente se exercia. Essa consideração dispensada a mim pelo ilustre magistradoaumentou quando teve ciência, por terceiro, que eu repelira o Presidente João Pessoa, diante de várias testemunhas, a proposta que este me fizera de o expulsar da comarca, ‘colocando-o sobre uma besta, de costas para a cabeça do animal’, violência que revela uma covardia, mas tão do agrado do Presidente Pessoa. Princesa não acolhe cangaceiros. Os que aqui vivem são homens laboriosos, amigos dedicados que nesta hora do perigo comum comigo se solidarizaram para a defesa das nossas vidas e dos nossos haveres. Princesa resistirá defendendo os seus direitos e a sua autonomia. Poderá ser vencida, mas oferecerá ao país o espetáculo de uma população que se defende contra o próprio massacre, de uma população que enfrentará resoluta os fuzis assassinos do governo, mas não se há de render às investidas de um tarado. Cumpre ainda proclamar a quantos homens de bom senso tenha meu país, capazes de alguma isenção para o julgamento deste caso, que nele, se há ambições, estas são do presidente da Paraíba, ambições que desmentem a sinceridade do programa em que ele emoldurou a sua fracassada candidatura, que contrastam com a pequena dignidade da função de governo. O Sr. João Pessoa pretendeu levantar as populações do Nordeste contra o Governo Central; chegou a premeditar a invasão de Pernambuco e do Rio Grande do Norte; compartilhou do plano de assassinato do Governador Juvenal Lamartine, insultou de público a presidentes e governadores dos Estados do Nordeste, incompatibilizando-se, pessoalmente, com 4 desses ilustres homens públicos, calunia e difama os seus adversários políticos, e por fim agita os seus governados, concitando-os à luta fratricida, dentro e fora do Estado. Sendo Governo, esquece a noção de suas responsabilidades; manda surrar os seus adversários às portas do próprio palácio governamental. Fecharam-se na Paraíba, nos torvos dias da campanha presidencial, como ainda agora, neste atentado contra Princesa, todos os compêndios de lei. A lei é o ridículo de sua obsessão. A sede de mando. A protervia em vez do bom senso. A felonia arvorada em lealdade. A mentira oficializada. Resistindo a tamanha ofensa à consciência republicana, é que Princesa só, desarmada, em face do aparelhamento bélico do governo, distanciada dos centros populosos da nação, protesta e não se rende, nem se deixará massacrar, senão quando esgotada a resistência que os meios materiais lhe permitirem, dentro da sua coragem, que é a coragem lendária dos homens do sertão. A história de amanhã dirá de quem é a insânia deste momento; de quem a covardia e a pusilanimidade; de quem afinal a responsabilidade de querer governar e elevar-se aos altos postos da nação oprimindo os seus concidadãos. A Paraíba neste momento está retrocedendo cinquenta anos de sua vida constitucional. Mas, para que as crônicas de amanhã não a descrevam como flagelada pela covardia e submissão oprobriosas de seus filhos, Princesa quer dar-se em holocausto à honra e à dignidade do seu passado e o seu sangue derramado imprimirá na fronte desse tiranete de fancaria a marca inapagável de sua atrocidade, da mentira de um liberalismo de última hora, proclamado para os néscios que lhe desconhecem os negros antecedentes. Perante os homens do meu país declaro que eu, como a população do meu município, que me assiste resignada a todos os sacrifícios, nada queremos,a não ser o direito de viver, de exercitar a nossa atividade social, econômica e política, como partícula da unidade nacional. Registre-se, entretanto, esta afirmação: Princesa poderá ser massacrada, mas não há de se render”
(MANIFESTO TRANSCRITO DO LIVRO: “REPÚBLICA DE PRINCESA”, DE JOAQUIM INOJOSA, pp. 131, 132 E 133).
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