1930 – OS ÓRFÃOS DA
REVOLUÇÃO
DOMINGOS MEIRELLES
A caudalosa obra de Domingos Meirelles: 1930 – OS ÓRFÃOS DA REVOLUÇÃO,
764 páginas – Editora Record – São Paulo – 2006, versa sobre os acontecimentos
de 1930. No entender dos editores, “(...)
O livro não se propõe a analisar os desdobramentos históricos do levante, mas a
questionar o discurso que legitimou a versão dos vencedores”, e que “A efeméride de outubro não foi uma
insurreição popular, mas um golpe de Estado liderado por uma fração da
oligarquia dominante em litígio com o chefe da nação”. Encerrando 50
capítulos, o livro de Domingos Meirelles, dedica uma dessas partes, o capítulo
39, exclusivamente à participação de Princesa naquele importante evento
nacional. A partir da página 498 até a 509, sob o título: ”A Revolta de
Princesa”, o autor discorre, de forma sucinta, mas bastante explicativa sobre
os fatos que antecederam e se sucederam à Revolução de 30, contextualizando
Princesa.
Já no prefácio, encontramos uma interessante coincidência.
Como é sabido, a indicação de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, pelo tio
Epitácio Pessoa, para a presidência do estado da Paraíba, em 1928, foi, para
muitos, uma tragédia anunciada. Na página 19 do trabalho de Meirelles, nas letras
de Alcione Araújo, prefaciador do livro, encontramos:
“Nascido na cidade fluminense de
Macaé, com carreira política em São Paulo, Washington Luís foi o candidato da
política do café-com-leite, pacto que
selou o revezamento no poder de representantes das oligarquias de Minas Gerais
e São Paulo que mantinham inamovível status
quo. Seu programa de governo, anunciado por Otávio Mangabeira, foi: “Vosso
programa sois vós! ” – Paráfrase de L’État
c’est moi. Eleito, quando preparava viagem à capital Federal e sugeriram-lhe
mudar os hábitos paulistanos no calor carioca, reagiu: “Então, o clima é que
terá que mudar...” – mais que Luís XIV, via-se como uma verdadeira epifania.
Eram os primeiros momentos de uma deposição prenunciada”.
Pelo que vemos, dois dos protagonistas da história contada
nesse trabalho - antagonistas nas ações que o ilustram -, estavam, ambos,
fadados à queda; um pela morte (João Pessoa) e, o outro, (Washington Luís),
pela deposição. Na página 499, o autor, além de expor um quadro geral da situação
do Estado, informa que a Guerra de Princesa, fruto de motivos vários, já
começou no início da administração de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque:
“As sementes da revolta começaram a
brotar logo que Pessoa assumiu a presidência da Paraíba, em 22 de outubro de
1928. A situação econômica do Estado era caótica, os salários do funcionalismo
estavam havia seis meses atrasados, e fornecedores reclamavam pagamento de
serviços prestados no valor de 1.800 contos de réis. As obras públicas estavam
paradas, a dívida flutuante chegava a cerca de 5 mil contos. O Estado estava
quebrado. Não havia dinheiro para movimentar a máquina administrativa e honrar
compromissos assumidos pelo antecessor”.
Diante desse quadro, João Pessoa passou a publicizar a
caótica situação financeiro-administrativa do Estado, o que exacerbou os ânimos
dos aliados de seu antecessor, João Suassuna. O coronel José Pereira Lima,
amigo e compadre de Suassuna, além de já não simpatizar com o novo presidente,
ficou ressabiado com as novas atitudes do governante. Para completar, a
implementação da nova política tributária penalizou sobremaneira a hegemonia
sertaneja no comércio do Estado. “Indiferente aos chefes sertanejos e à
expressão de suas famílias”, o novo presidente promoveu o rompimento das
ligações comerciais entre a praça pernambucana (Recife) e os fornecedores e
consumidores locais. Isso demonstra que não foi somente a exclusão de João
Suassuna e mais alguns amigos, da chapa que concorreria às vagas ao Congresso
Nacional, nas eleições de 1º de março de 1930, que provocou o rompimento
político do coronel de Princesa com o presidente João Pessoa. Na página 500, o
autor exemplifica algumas mudanças na tributação, o que tornava proibitivo o comércio
a partir do interior do Estado:
“Alguns exemplos: o querosene que
entrasse na Paraíba pelo porto de Cabedelo sofria taxação de 3% sobre o imposto
antigo; se viesse pelo interior, a majoração chegava a 40%. No caso da estopa,
a tributação era ainda mais perversa: 80% sobre o preço de venda ao consumidor.
Pessoa tornara praticamente inviável o comércio das principais cidades
sertanejas com outros Estados, ignorando laços econômicos que vinham desde o
Segundo Reinado”.
Esse novo sistema tributário, que foi mais tarde anulado pela
Justiça, penalizava e condenava os coronéis à ruína. Infenso aos protestos dos
correligionários, que nele depositaram seus votos em 1928, João Pessoa
respondia com rispidez: “os descontentes que se mudem para o Ceará ou
Pernambuco”. Não bastasse o ônus tributário, o presidente promoveu também, sob
a alegação de que “a lei era para todos”, o desarmamento dos chefes políticos
do interior da Paraíba. Designou soldados de polícia para vasculharem as propriedades
dos grandes chefes políticos rurais, acusados também de coiteiros do Cangaço,
“à procura de garrunchas, revólveres, espingardas e carabinas”. Essa
determinação de buscas era, na verdade, endereçada principalmente, ao coronel
José Pereira e aos seus principais aliados: Os Dantas de Teixeira e os Santa
Cruz de Monteiro.
Na esteira dessas ações que fustigavam os amigos de Epitácio
Pessoa, o presidente da Paraíba, em campanha como candidato a vice-presidente
da República, na chapa encabeçada por Getúlio Vargas, (as eleições aconteceriam
em 1º de março de 1930), visitou Princesa em 18 de fevereiro daquele ano. Bem
recebido por Zé Pereira, mesmo assim, João Pessoa não tratou de política com o
coronel, ferindo o orgulho do anfitrião quando, além de haver excluído o nome
de João Suassuna da chapa proporcional, sequer comunicou, o que se constituiu
séria grosseria com o coronel, encontramos, na página 501:
“No dia 18 de fevereiro de 1930,
Pessoa visitou o município de Princesa. Mesmo ferida no seu orgulho, a pequena
cidade o recebera ‘com bailes, banquetes e discursos’. Rico produtor de
algodão, que sofrera perdas significativas com a reforma tributária, o coronel
José Pereira foi um anfitrião impecável. Atencioso, gentil e hospitaleiro,
chegou a organizar ‘um bota-fora
animado’ quando Pessoa lhe comunicou que pretendia regressar à capital na manhã
de sábado, 22 de fevereiro, para ‘comemorar em família as bodas de prata do seu
casamento”. “Ao deixar a cidade, o presidente cometeu indelicadeza
injustificável. Evitou conversar com o chefe político de Princesa sobre os
candidatos que, nas eleições de março, deveriam integrar a bancada da Paraíba
no Congresso Nacional, transferiu a tarefa para seu ajudante-de-ordens. O
coronel sentiu-se humilhado. Além de não ser consultado, ainda recebera a lista
com os nomes escolhidos através de um auxiliar de segundo escalão”.
24 horas depois da visita presidencial, José Pereira expediu
telegrama rompendo com João Pessoa. Este, surpreso com a notícia, pediu
confirmação ao coronel. Em novo telegrama confirmando o despacho anterior,
acrescido de outros motivos que o levaram a tomar aquela definitiva decisão, o
coronel de Princesa justificou o rompimento: “humilhantes e ofensivas referências que V. Exa. Fez minha pessoa,
ocasião reunião comissão executiva”. No final da mensagem telegráfica, Zé
Pereira afirmou que estaria pronto para defender Princesa e aos seus amigos. João
Pessoa respondeu, encerrando: “Quanto à
ameaça final do seu telegrama deve compreender que ela não me atemoriza. E,
quanto ao mais, julgue como sua consciência determinar”. Era a declaração
de guerra.
Com o apoio dos maiores empresários do Recife – os Pessoa de
Queiroz, primos e desafetos do presidente paraibano -, e dos governadores dos
estados de Pernambuco (Estácio Coimbra), do Rio Grande do Norte (Juvenal
Lamartine) e do Ceará (José Carlos de Matos Peixoto), o coronel José Pereira
enfrenta a polícia da Paraíba, recebendo apoio também do Governo Federal e do
presidente eleito da República, Júlio Prestes. No dia 09 de junho de 1930, Zé
Pereira proclama, através de Decreto, o “Território Livre de Princesa”, separando
do estado da Paraíba, o município de Princesa.
Não bastasse o conflito armado em que se debatia em
desvantagem, João Pessoa sofre mais um baque quando a Comissão Verificadora da
Câmara dos Deputados, resolve diplomar e dar posse aos deputados da Aliança
Liberal, aliados de José Pereira, que foram derrotados nas últimas eleições, em
detrimento dos que foram eleitos. Essa manobra eleitoral fez os deputados
empossados serem chamados, pela grande imprensa nacional, de os deputados de Princesa. Encontramos nas páginas 503 e 504:
“Em maio (1930), a Comissão de
Reconhecimento da Câmara Federal degolara todos os candidatos eleitos indicados
pelo presidente da Paraíba. Apesar do protesto das bancadas de Minas e do Rio
Grande, apenas ‘os deputados de
Princesa’, como eram chamados pela imprensa, foram diplomados e empossados.
A derrota que o Congresso impusera a Pessoa deu novo alento a seus desafetos.
Num gesto de audácia, Zé Pereira viola o ordenamento constitucional e decreta a
independência provisória de Princesa, que passava a ter hino e bandeira. Com o
desmoronamento progressivo da autoridade do governador, pairava sobre o Estado
o espectro da intervenção federal”.
A guerra civil paraibana foi um fato que repercutiu na grande
imprensa nacional e até no estrangeiro. Reverberou no Congresso Nacional e era
assunto corriqueiro em todas as reuniões populares no Rio de Janeiro, então
capital Federal. Mas foi no âmbito do cenário do conflito que proliferaram as
principais notícias, no mais das vezes, contidas de inverdades. Registrado na
página 505 do livro de Meirelles:
“’Está próxima a rendição de
Princesa!’, anunciava O Jornal, que
fazia campanha contra o levante. (...) Parte da imprensa pernambucana defendia
os insurretos: ‘Não é verdade que (...) estejam saqueando e depredando. (...)
Pelo contrário, estão defendendo as propriedades dos seus correligionários
ameaçadas pelo governo’, enfatizava o Jornal
do Commercio do Recife, ao sustentar que ‘assaltos, incêndios e depredações
há muito vêm sendo praticados, mas pela polícia, em sua retirada’. (...) a
linguagem dos jornais era agressiva, insultuosa, sem nenhum compromisso com a
verdade; chegou-se a anunciar que o governo contratara o Graf Zeppelin para bombardear os redutos de Zé Pereira”.
Na página 506, Meirelles, concede letras a uma verdade
histórica: a de que a Guerra de Princesa teve sim, influência fundamental para
a eclosão da Revolução de 1930. Escreve, o autor:
“Natural da cidade de Teixeira, onde
a família possuía grandes propriedades rurais, Dantas colocara-se desde o
início do conflito ao lado do chefe político de Princesa. Com o agravamento das
escaramuças, acusado [João Dantas] de conspirar em favor de Zé Pereira, foi
aconselhado a deixar a Paraíba. Mudou-se para Pernambuco ao ver expedida contra
ele ordem de prisão sem amparo legal. Vivia na casa de um cunhado, em Olinda,
quando soube que seu escritório fora varejado sem mandado judicial”.
É saber de todos os que conhecem a história, que as perseguições
políticas do presidente João Pessoa contra o advogado João Dantas, culminaram
com o assassinato do primeiro pelo segundo, em 26 de julho de 1930, o que
acendeu o estopim do movimento revolucionário, ao qual o autor do livro, ora
resenhado, chama de golpe militar o levante ocorrido em 03 de outubro daquele
fatídico ano. No bojo de todos esses acontecimentos, figura Princesa como um
dos protagonistas de primeira linha.
Esse trabalho do escritor carioca – obra por demais
abrangente sobre o tema – é leitura necessária para maior ilustração sobre
aquele momento tão importante da história princesense, paraibana e nacional.
Domingos Meirelles – um dos mais premiados jornalistas da
imprensa brasileira – nasceu no Rio de Janeiro. Iniciou-se na profissão na
velha Última Hora, da Praça da
Bandeira, e trabalhou em seguida nas revistas Cláudia, Quatro Rodas e Realidade.
Passou pelas redações de O Jornal, O
Globo, Jornal da Tarde e O Estado de
São Paulo. Em 1985, entrou para a Rede Globo de Televisão como repórter
especial, com dezenas de trabalhos realizados em toda a América Latina. Foi
para o SBT em 1996, retornando à Rede Globo em 1999. Foi apresentador do programa
Linha Direta desde agosto de 2000. É
autor de Repórteres (obra coletiva) e do excelente livro: As
noites das grandes fogueiras: uma história da Coluna Prestes, que recebeu o
Prêmio Jabuti, em 1996 na categoria Reportagem.
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