REVOLUÇÃO DE 30 – DISCUSSÃO FINAL
COORDENAÇÃO DO SENADOR MARCONDES
GADELHA
Este livro, contido de
455 páginas e vasta iconografia, foi o resultado de um Simpósio realizado em
Brasília de 29 a 31 de outubro de 1980, pela Comissão Especial da Comemoração
do Cinquentenário da Revolução de 1930. Foi editado pela Gráfica do Senado –
Brasília – 1984. Esse importante Simpósio, ocorrido no Plenário da Câmara dos
Deputados, com a presença e a participação de parlamentares das duas Casas
Legislativas (Senado e Câmara Federal), foi coordenado pelo então senador
paraibano, Marcondes Benevides Gadelha, em suas palavras: “(...) reuniu agentes históricos que participaram dos embates de 30 em
campos opostos e que, agora encontram-se congraçados pelo longo prazo de
experiência destes cinco decênios e co-partícipes deste debate original”.
Nesta resenha realçaremos, principalmente, a constatação por muitos dos que participaram dos acontecimentos de 1930 (que expuseram, seus depoimentos durante o evento em tela) e historiadores renomados, a exemplo do professor José Honório Rodrigues, da importância que teve a Guerra de Princesa no contexto daquela Revolução. O próprio senador Marcondes Gadelha, ainda na apresentação da obra, pontua:
Nas páginas 104 e 105, em depoimento do senhor Paulo Pinheiro Chagas, mineiro que além de contemporâneo das lutas de 1930, foi deputado estadual, deputado federal Secretário de Estado, Ministro de Estado e escritor com vários livros publicados, discursou no plenário daquele Simpósio, quando atribuiu, claramente, haver sido a insurreição de Princesa fator determinante que viabilizou a eclosão do movimento revolucionário de 1930:
Não obstante, se a conspiração, com
seus vaivéns, dúvidas e hesitações, se arrastava num terreno inçado de
tropeços, por outro lado, ela recebia novos alentos com os desmandos do Governo
Federal. Contra a Paraíba, então, se desencadeou uma tremenda vindita. Sua
autonomia foi sacrificada, fez-se o esbulho de sua representação na Câmara e no
Senado, prestigiando-se José Pereira e seus jagunços. Essa onda de violência
trazia, como resultado, em fins de julho, o assassinato de João Pessoa. O
impacto que esse crime causou, na emoção nacional, reacendeu a flama
revolucionária. (...) seu assassinato foi produto da política de vendetta levada a efeito pelo Governo
Federal que, no seu desvario, apoiou e alimentou a insurreição do cangaço
contra as autoridades paraibanas. Já agora, a revolução era um fato inelutável,
irreversível.
Um pouco antes, na
página 86, o professor pernambucano Vamireh Chacon, doutor em Direito
Internacional, com pós-graduação nos EUA e na Alemanha Federal, dá conta da
repercussão internacional sobre o conflito de Princesa, acentuando a opinião do
então embaixador dos EUA no Brasil, Edwin Vernon Morgan, que chamava a atenção
para a importância do Levante de Princesa:
Em 3 de junho de 1930, Morgan chamava
a atenção para a rebelião de Princesa na Paraíba e consequente resistência de
João Pessoa. Também apontava a depuração dos parlamentares eleitos pela
comissão de reconhecimento dominada pelo partido governamental. Duas das causas
da rebelião batendo às portas, enquanto Washington Luís ainda se considerava
onisciente e, portanto, onipotente.
Outro fato da maior relevância,
encontramos no depoimento do doutor Jacob Guilherme Frantz na página 120 do
livro. Frantz, gaúcho radicado na Paraíba, ex-deputado estadual e ex-deputado
federal, Secretário de Interior e Justiça, idem de Agricultura da Paraíba e
ex-prefeito dos municípios de Antenor Navarro, São José de Piranhas e Pombal,
foi ativo participante da Campanha de Princesa. A respeito da Guerra de
Princesa, prestou, dentre outros, este importante depoimento que denota a
importância que tinha, o Levante de Princesa, quanto à viabilidade do sucesso
da eclosão do movimento revolucionário, quando coloca a ocupação da cidadela
rebelde como fator preponderante para o sucesso do levante nacional:
(...) se não me engano, o Ademar Vidal, que está aí, é uma excelente testemunha do que eu estou dizendo. Fizemos ver ao presidente Álvaro de Carvalho [substituto de João Pessoa] que não era possível levar 30 homens só (para ocupar Princesa após o assassinato do presidente João Pessoa), porque lá eles não se aguentariam, de jeito nenhum: 180 homens do Exército, bem armados, dentro de Princesa e o pessoal de Zé Pereira. Ele [Álvaro de Carvalho] concordou que levássemos 50. Mas, ao sairmos do Palácio do Governo, já eles tinham um recado. José Américo, que era o chefe de segurança pública, mandava que passássemos no seu gabinete para conversar. E lá ele nos disse: “Olha vocês não vão levar 50 nem 30 homens, vocês vão levar o que vocês puderem levar, 300 homens ou mais, porque o estouro da revolução nacional está dependendo da chegada de vocês em Princesa, para evitar que a força federal que está lá, amparando e protegendo José Pereira, se junte a José Pereira, que tinha talvez quase 1.000 homens com armas, e assim organizem um poderoso contingente contra a revolução nacional dentro do coração do Nordeste”. Então a nossa presença era fundamental para isso. Ordem recebida, ordem cumprida. Organizamos os 300 homens e fomos a Princesa.
Esse depoimento revela o receio que tinham, os revolucionários, de uma reação das tropas do Exército estacionadas em Princesa, em conjunto com os mais de mil homens comandados pelo coronel José Pereira, o que poderia criar um poderoso foco de resistência no “coração do Nordeste”, e assim inviabilizar a eclosão do movimento revolucionário marcado para o início do mês de outubro daquele ano de 1930. Na página 150, colhemos o depoimento do ex-governador de Pernambuco, deputado federal, escritor, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras, José Alexandre Barbosa Lima Sobrinho, em que afirma haver sido, o movimento insurrecional do Território Livre de Princesa muito mais influente para a eclosão da Revolução de 30 do que o assassinato de João Pessoa. Passemos ao depoimento:
Mas morto [João Pessoa], foi o seu
cadáver que, realmente, articulou a revolução em toda parte. Aquela cena
despertava sentimentos e revolta na Paraíba, em Recife, no Rio de Janeiro em
toda parte, incendiando o País e transformando todos os adversários da
revolução em favoráveis ao movimento, inclusive o próprio Borges de Medeiros,
que não admitia que o Rio Grande do Sul ficasse indiferente ao sacrifício de um
aliado que tombara, não por motivos políticos, mas tombara no meio da luta no
momento em que estava sendo, de certa maneira, atingido pela ação do Presidente
da República, com a criação e a insurreição do território de Princesa. Eu
creio, aliás, que a própria morte de João Pessoa teve menos influência do que a
circunstância de ele estar sendo, naquele momento, vítima da ação do Governo
federal, através do levante de José Pereira, na Paraíba.
Nas páginas 187 e 188
dessa seminal obra, no bojo do depoimento do historiador paraibano, José
Octávio de Arruda Mello, este pontua corroborando ainda mais a importância do
conflito de Princesa no contexto dos motivos que provocaram o reacendimento da
chama revolucionária:
Agora, quanto à marcha dos acontecimentos,
acredito que João Pessoa foi empurrado para a Revolução. Sem dúvida, porque as
coisas chegaram a tal estado, com a luta de Princesa, arquitetada com
habilidade quase diabólica pelos Pessoa de Queiroz, que queriam a intervenção,
e com ela tirar do governo o primo que não estava satisfazendo seus interesses
comerciais e políticos. João Pessoa foi levado a essa luta que depois tomou
aqueles aspectos de heroísmo que todos sabemos. Isso é que, de uma maneira
geral, cria fermentação e caldo de cultura que irá, posteriormente, gerar, de
um lado, a invasão do escritório de João Dantas e, de outro, a morte de João
Pessoa. É por isso que não dissocio esses acontecimentos do quadro político-militar
em ebulição, porque entendo que, naquele tempo, estávamos dentro de uma Guerra
Civil, que um jornalista da Paraíba, João Lelis de Luna Freire, analisou muito
bem do ponto de vista sociológico, em livro que eu gostaria de citar aqui: A Campanha de Princesa. Ora, nós sabemos
o que é uma guerra civil e o que ela traz – sequelas de ódios e paixões. Sob
este aspecto, entendo que não se pode considerar o assassinato de João Pessoa
como fato exclusivamente pessoal.
O advogado, professor e escritor pernambucano, Joaquim Inojosa de Andrade que escreveu uma das obras de maior relevância sobre a Guerra de Princesa, intitulada: República de Princesa, em seu depoimento, constante na página 250, informou: “José Pereira chegou a propor partir de Princesa com 1.000 homens, chegar a Campina Grande já com cerca de 4 mil e derrubar João Pessoa. E a resposta de Washington Luís foi esta: ‘Se o derrubarem, eu o reponho, porque é o presidente constitucional da Paraíba’”. Com isso, fica claro que o conflito de Princesa, da parte do presidente da República tinha o condão, unicamente, de vingança contra o presidente da Paraíba, João Pessoa, pela recusa deste em apoiar a chapa oficial concorrente à presidência da República nas eleições de 1º/03/30, formada por Júlio Prestes/Vital Soares, quando optou pelas candidaturas liberais de Getúlio Vargas/João Pessoa. Para os Liberais, sob os auspícios do presidente da Paraíba e com o apoio dos estados de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, a Guerra de Princesa tinha para eles, o desiderato de fomentar o caminho para a eclosão do levante nacional.
Diante do que vimos, é fato consumado que a Guerra de Princesa jamais poderá ser dissociada das causas que contribuíram com o fomento para o consequente estouro da Revolução de 1930. Esse trabalho, coordenado pelo então senador Marcondes Gadelha é de leitura indispensável para aqueles que querem dissecar profundamente sobre as causas e os efeitos daquele momento histórico de relevante importância que foi a Revolução de 1930.
Marcondes Iran
Benevides Gadelha, médico e político, nasceu na cidade paraibana de Sousa aos
23 de junho de 1943. Exerceu 7 mandatos de deputado federal e um mandato de
senador da República (1983/1991). Escreveu dois livros: Subsídios para uma política de Ciência e Tecnologia: Revolução de 30
(1984) e Autênticos do MDB:
semeadores da democracia (1998). Atualmente, afastado da política e
aposentado como médico, vive em Brasília.
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