Um mês após a morte de Lampião, o "Rei do Cangaço", ocorrida em 28 de julho de 1938, na grota de Angico, às margens do São Francisco, no estado de Sergipe, intelectuais da envergadura de José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Valdemar Cavalcanti, Pontes de Miranda, Nise da Silveira, dentre outros, se reuniram no casarão de José Aloísio Villela, em Maceió/AL, para assistirem a uma Cantoria protagonizada pelo poeta e repentista pernambucano de Bom Conselho de Papacaça, mas radicado, desde criança, em Viçosa/AL, Manoel Floriano Ferreira, mais conhecido como "Manoel Neném" ou "Fuloriano".
Na ocasião, estavam presentes também vários repórteres dos jornais do Nordeste e também do Sudeste, ávidos por notícias sobre os desdobramentos do trágico fim do cangaceiro mais famoso do Brasil. De repente, Villela, o dono da casa, grita do fundo da sala, o mote: "Apagaram o Lampião!". "O bardo de Viçosa não decepciona. Os repentes vão saindo com a espontaneidade que lhe era própria, o copista pelejando para prender tudo no papel:"
De muitos anos atrás
Que o nosso sertão sofria De uma fera bravia
Com os seus leões: voraz!
Tirou do sertão a paz,
Plantou a conflagração,
Estragou todo o sertão
Essa fera horrenda e bruta, Com vinte anos de luta,
Apagaram o Lampião...
O Lampião se acendeu, Todo o sertão pegou fogo, Outro mais terrível jogo
Nunca houve igual ao seu.
Dizem que agora morreu
Pro bem da população, Findou-se aquele dragão,
Pela força alagoana,
Graças à mão soberana,
Apagaram o Lampião.
Chegou muito telegrama,
Contando esse ocorrido, Que Lampião, com os bandidos,
Perderam a vida e a fama.
Acabou-se a cruel chama, Findou-se a conspiração,
Haja festa no sertão, Dê vivas toda pessoa, Que a polícia de Alagoas
Apagou o Lampião.
Lá no estado de Sergipe, Ele sempre se escondia,
Mas, quando Deus quer, um dia, Não há mal que não dissipe.
Quem souber me participe
Como apagaram o vulcão, Se foi Deus, com sua mão, Que mandou a trovoada, Com uma chuva de rajada,
Apagar o Lampião.
Eu agora estou ciente
Que isso por Deus foi mandado:
Anjos, em vez de soldados,
Um santo, em vez de um tenente,
Agarraram ele de frente
Sem ter dele compaixão, Com raio, corisco e trovão,
Fuzilaria e rajada,
Nessa horrenda trovoada,
Apagaram o Lampião.
Nunca mais há de acender
O tal Lampião falado, Na capital do Estado, Sua cabeça se vê,
Pro Governo conhecer,
Sua terrível feição
E dizer: este é o dragão, Forte, cruel e valente,
Porém, mandei minha gente
E apagaram o Lampião!
*Extraído do livro do historiador Frederico Pernambucano de Mello: Apagaram o
Lampião - Vida e Morte do Rei do Cangaço - Global Editora - São Paulo - 2018.
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