Ele levou uma vida simplória e sem ser digna de nota até o
dia em que ascendeu ao maior posto da sua vida. Não tinha pai nem mãe, nunca
casou, tampouco teve envolvimento amoroso com quem quer que fosse. Era capão,
seco, calado, esquivo e mal humorado. Um filho do nada. Por trás de tudo isso,
havia, no entanto, uma ambição desmedida, própria dos que carregam o terrível
complexo de inferioridade. Espécie de vontade de se vingar de tudo e de todos.
Não se conformava com sua insignificância, se negando até para si mesmo. Parece
até, que de forma recôndita, tinha uma inveja que, se não exibia para os
outros, se extrapolava dentro de si num constante alimentar do ódio que tinha
por tudo e por todos. Em face dessa falta de tudo, inclusive de si, resolveu, a
todo custo, se tornar alguém que pudesse ser notado no concerto da sociedade.
“Vou estudar e serei gente na vida, me aguardem!” Disse para
si mesmo. Por cima de pau e pedra, pôs dois antolhos e partiu para cumprir seu
objetivo. Estudante temporão, sem base rudimentar, aprendeu demais o que
deveria deixar por menos. Palavroso que era, adorava usar termos e expressões
que achava bonitas. Isso, mesmo sem saber colocá-las nos lugares certos ou com
significados corretos. Serem bonitas, as palavras, era bastante para que ele as
usasse à exaustão. Sem timidez alguma e movido pela vontade férrea de vencer a
todo custo, continuou atropelando tudo e sempre achando que a verdade era
sempre ditada pelas suas conveniências. Aprendeu a ler e escrever somente o
suficiente para botar no papel ou falar sobre as coisas e ideias nas quais
acreditava.
Para ele, o homem deveria ser superior a tudo e, no seu afã
de ser grande, achava sempre que estava correto em tudo o que fazia ou dizia.
Para ele, não interessava a opinião dos outros. Suas interpretações das coisas
eram feitas atendendo aos seus interesses pessoais, principalmente aos que lhes
proporcionassem a ascensão social ou lhes acendessem as luzes da ribalta do seu
palco. Acreditando já estar versado em quase tudo, resolveu parar de estudar em
escolas e passou à prática autodidata. Aí foi que ele se transformou mesmo num
dono da verdade. Era para si o próprio professor. Suas verdades, agora, eram
somente suas e inquestionáveis. Com mais uns poucos anos de leituras escolhidas
a dedo, resolveu se auto diplomar e se considerou já um “doutor” para as coisas
da vida.
Estava pronto, agora era só atacar. Partiu para a luta e
candidatou-se a vereador na cidade onde nasceu. Nesse intento, não logrou
êxito, mas não desistiu em busca da luz. Abdicou da política, mas adentrou na
área das malvadezas. Atravessou a fronteira e empanturrou-se de mercadorias
baratas. Virou camelô. Como tal, arguindo sempre que os produtos que vendia
eram os melhores e seus preços os mais atrativos, logo conseguiu fazer-se
popular se tornando um vendedor de sucesso. Bingo! O negócio deu certo. Tanto
vendia quanto discursava e tanto discursava quanto enganava aos seus fregueses.
Foi ele quem introduziu, naquele pequeno burgo onde nasceu, a venda de artigos
de uso pessoal - principalmente coisas que interessavam às mulheres, como lingerie - dos quais os moradores dali
nunca tinham ouvido falar. Tudo falso, comprado no Paraguai.
Não pagava impostos, tampouco cumpria quaisquer regras
fiscais; nem a taxa municipal de seu tabuleiro ele pagava e, condizente com sua
vulgaridade, burlava a fiscalização. Mesmo assim, tornou-se um freelance das calçadas, das esquinas.
Vendia como nunca e, para não ser pego nas falcatruas da mercadoria sem
qualidade, usou um estratagema: Antes de elas se estragarem, mudava-se para
outra praça. O antolho serviu, mas, já nesse tempo, não o usava mais porque
pensava em diversificar suas atividades. Já amealhado de algum dinheiro,
resolveu ser pastor evangélico. Como tal, abriu uma igreja e, já nos primeiros
dois anos, tinha fundado mais de 10 templos nas redondezas da cidade onde
nasceu. Já era respeitado e, agora, mais ainda porque pregava a palavra de Deus
e, por conta disso, ninguém era capaz de reunir elementos para inferir sua
contumaz desonestidade.
Já rico e realizado no seu intento de ser alguém, levado
pelos instintos perversos que se escondiam sob a capa da justeza que procurava
apresentar, caiu numa esparrela. Contratou um jovem para auxiliá-lo nas coisas
de seu templo principal e, certa noite, imbuído da vontade de se divertir um
pouco, associado ao acólito, resolveu tomar umas garrafas de vinho. Junto a
essa companhia insólita, embriagou-se e pôs os pés pelas mãos quando resolveu
fazer uma live catequizadora. O
problema é que o álcool ingerido afetou seu cerebelo quando lhe extirpou a
disciplina da censura. Descontrolado, ao invés de incitar os fiéis a orarem, os
fez ver que o bom mesmo, era namorar, tomar cachaça e fazer coisas ilícitas.
Depois disso, viu-se às voltas com a repercussão negativa
desse ato impensado. Tudo o que construiu, viu cair por terra. O pior é que, em
sua sanha de fazer-se dono da verdade, não admitiu seu erro. Autossuficiente
que se achava e, do alto de sua arrogância, recusou-se em pedir desculpas. Pelo
contrário, exercitando seu voluntarismo associado à emética prática de um
neologismo vernacular, respondeu às críticas da imprensa dizendo: “Todo ser
humano, racional ou irracional, pratica sexo!”. E acrescentou que estava “ingerindo
uma droga ‘lítrica’”. Depois dessa pisada na bola, ele passou a conviver com a
pecha de “pastor de almas sebosas” e, sempre que aparecia em público, era
apontado como um “Sílvio Santos” que mais parecia um Odorico Paraguaçu que não
deu certo.
Por:Domingos Sávio Maximiano Roberto
Nenhum comentário:
Postar um comentário