Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
A matriarca e o
pé-rapado
Corria o ano de 1975 e, em Princesa, já começavam os
movimentos em busca das indicações dos candidatos que concorreriam, nas
eleições do ano seguinte, para substituir o prefeito Chico Sobreira. Do lado do
grupo dos “Pereira” os ânimos estavam arrefecidos desde as eleições de 1968
quando dois de seus principais quadros (Miguel Rodrigues e Joaquim Mariano)
haviam sido derrotados nas urnas pelo filho de “seu” Mano, o advogado Antônio
Nominando Diniz. Nesse grupo, que estava na oposição, sequer pré-candidatos se
apresentavam para o concurso eleitoral que se avizinhava. Aguardavam os
movimentos da situação – tal qual cachorros de açougue – para capitalizarem as
sobras, as migalhas que restassem.
Já no grupo político comandado pelos “Diniz”, a coisa era completamente
outra. Ali, a briga era feroz por uma vaga, tanto na cabeça quanto na rabeira
da chapa majoritária que deveria concorrer à prefeitura em 1976. Hegemônicos
naquele momento, os Diniz, davam as cartas e todo mundo queria ser o indicado.
Na verdade – como sempre acontecia em Princesa - a eleição era como que
monocrática: o ungido pelo chefe do grupo que estivesse no auge do poder era já
um quase eleito. Dificilmente dava, a chamada: “Bola de Zé de Ana”. Enquanto o
grupo comandado por doutor Antônio e por sua irmã Maria Aurora voavam em céu de
brigadeiro, o grupo chefiado por Aloysio Pereira e Gonzaga Bento patinava em
busca de um nome que pudesse concorrer, mesmo que fosse somente para constar e
para não deixar correr frouxo.
Do lado dos nominandistas,
eram muitos os pretendentes e, alguns deles, já haviam sido preteridos no
pleito de 1972 quando, o escolhido, foi Chico Sobreira para prefeito e João Brandão
para vice, ambos, com as bênçãos dos dois grupos políticos do município, formando
uma chapa com candidaturas de pacificação. Naquele ano [1972], os preteridos aceitaram
a situação porque não tinham para onde ir. Agora, porém, a coisa era diferente.
Todo mundo queria ser o indicado do grupo Diniz, e ninguém queria ser candidato
sob o amparo do grupo Pereira. Nesse jogo de empurra, nas especulações tecidas
na calçada da “Casa Grande” – como era chamada a residência dos Diniz -, vários
nomes vieram à tona como aptos à disputar a prefeitura: Osvaldo Marques Lima,
bancário, conhecido por “Vavá Lima”; o agropecuarista, Florentino Duarte Lima;
o engenheiro João Maia e, o então vice-prefeito, João Brandão, mais conhecido
por “João Pacote”, dentre outros nomes de menor relevância. O problema é que,
esses pretensos candidatos esqueceram de que, a decisão, vinha da cozinha e não
da sala de estar daquela casa. Ademais, não combinaram com quem verdadeiramente
mandava na roleta política do grupo Diniz: Dona Maria Aurora Diniz a quem, os
íntimos, chamavam de “Tita”. Naquele tempo, era dela a última palavra.
Em março de 1976, logo depois do Carnaval - ano em que
ocorreria a eleição para prefeito, em 15 de novembro -, os ânimos se acirraram.
Na tentativa de provocarem uma decisão urgente, quanto ao nome que seria
escolhido, os próceres do partido nominandista
começaram a pressionar o então deputado estadual, doutor Antônio Nominando
Diniz, para que escolhesse entre aqueles que faziam parte da cúpula partidária
(naquele tempo não havia a prática da pesquisa eleitoral). Doutor Antônio, veio
da capital João Pessoa e se fez todo ouvidos àqueles que estavam ansiosos por
uma definição. Mesmo dentro de sua costumeira parcimônia e humildade, o filho
do velho Mano, desconsiderou que sua irmã, Tita, deveria ser consultada e
começou a costurar uma chapa que, acreditava, viesse a contento de todos.
Animados que só pinto na merda, todos os pretensos candidatos
viviam no entorno do deputado em busca de sua graça. Quanto a Tita, torciam o nariz
como se fora ela uma mera representante da família que deveria reverberar a
vontade do irmão. Ledo engano! Quando as coisas começaram a tomar forma, para
se transformarem em via de fato, qual não foi a surpresa dos pretensos
candidatos, já na abertura do conciliábulo que deveria decidir quem seriam os ungidos.
Convocados para a reunião, compareceram todos à Casa Grande. Mesa posta, se
refestelaram com um lauto jantar e, depois, passaram à sala de estar para as
conversas formais. A disposição das cadeiras, na sala, era em círculo, dando a
entender que ninguém começaria em desfrute de alguma preferência. Iniciada, a
reunião, esta foi interrompida quando Maria Aurora, carregando sua própria
cadeira, procurou uma brecha para encaixá-la no meio daquela roda, daquele
“Clube do Bolinha”. Sem dar-lhe muita atenção, o velho Belo Maia afastou um
pouco sua cadeira, se encostando mais na de Benedito Lima, em abertura de
espaço para Tita.
Era grande a expectativa sobre o que decidiria o doutor
Antônio. Quando este começou a falar, após uma preleção usual em que agradeceu
as presenças e elogiou a todos os correligionários, disse: “Estamos aqui para,
unidos e em nome do que for melhor para o partido, escolher um nome para
concorrer nas eleições deste ano para suceder o atual prefeito Chico Sobreira”.
Nesse momento, o prefeito Chico, pediu a palavra para dizer que a decisão que
fosse tomada pelo deputado seria acatada e apoiada por ele. Esse sinal, dizem, foi
combinado com Maria Aurora, pois, quem seria maluco em discordar do prefeito que
seria o promotor das ações que viabilizariam a eleição de quem quer que fosse o
escolhido? Prosseguindo, doutor Antônio disse: “Temos aqui vários nomes, que
estão aptos a concorrer por serem detentores de capacidade administrativa e
lealdade ao partido”.
Até aí, Maria Aurora – a única mulher participante dessa roda
de conversas – somente ouvia. Após fazer o credenciamento dos pretensos
candidatos, o deputado passou a relacionar os nomes dos que poderiam fazer
parte dessa desejada chapa e, para não ferir suscetibilidades, citou-os em
ordem alfabética: Florentino Lima, João Maia, João Pacote e Vavá Lima. Foi aí
que aconteceu a primeira incursão de Tita na conversa. Educadamente, a irmã do
deputado, a ele se dirigiu e disse: “Antônio, eu quero fazer uma observação”.
Pois não, Tita, pode falar, respondeu doutor Antônio. E Tita continuou: “Nessa
lista de nomes que você relaciona agora, falta um que eu considero da maior
importância”. “Qual?” Perguntou o irmão. “Batinho!” Respondeu, enfática, a
matriarca e repetiu: “Batinho!” Fez-se, na sala, um silêncio sepulcral
quebrado, alguns segundos depois, pelo deputado: “Ora, Tita, mas esse nome está
fora de cogitação. É certo que Batinho é um aliado fiel, mas...” “Mas, o quê,
Antônio, mas, o quê...?” Inquiriu Tita, já demonstrando sinais de irritação.
Conciliador que era, doutor Antônio, tentou ponderar: “Tita, quanto a esse
assunto nós poderemos conversar depois. Os nomes que se apresentam agora são
aqueles que foram escolhidos pela preferência dos líderes do partido, o que não
podemos desconsiderar, você concorda?” “Não! Não concordo. Líderes do partido
somos eu e você! Você manda na política estadual e eu, na municipal. Quem está
aqui, no dia-a-dia, resolvendo tudo sou eu e, a ligação entre nós dois é sempre
feita por Batinho, um verdadeiro ‘burro de carga’ desse partido!”
O tempo fechou. Todos calados e voltados, os olhares, para doutor
Antônio como que esperando uma reação enérgica à prédica de sua irmã.
Claramente titubeando, o deputado, tentou mais uma vez descartar a fala da
matriarca. Em vão, pois, ao questionar o fato de Batinho não fazer parte da
lista, Tita investiu de forma definitiva ao dizer: “Na verdade, Antônio,
Batinho não precisa constar de lista alguma porque ele já foi escolhido como
meu candidato a prefeito! Se vocês quiserem, escolham o vice porque o prefeito,
será Batinho e pronto!” Atônitos com o rumo que tomou a reunião, todos
resmungavam à espera de uma reação do doutor Antônio. Foi aí que levantou-se o
ex-prefeito Benedito Lima e disse: “E aí, Antônio, o que é que você resolve?
Quem será mesmo o candidato? Afinal, quem manda é você ou é Maria Aurora?”
Doutor Antônio, aturdido, ponderou: “Vamos adiar esta reunião, vou conversar
com Tita em particular e, em breve, marcaremos outro encontro para decidir o
que faremos”.
Decepcionados, os próceres do partido retiraram-se da Casa
Grande sem sequer tomar o café que estava programado para o final da reunião.
Dos presentes, apenas o ex-prefeito Antônio Maia, o vereador Gominho e João Mandú,
permaneceram na residência dos Diniz. Depois dessa noite, começaram as
especulações sobre os rompimentos políticos que se sucederiam, caso a vontade
de Maria Aurora prevalecesse. No dia seguinte, após o café da manhã, Antônio
chamou a irmã para uma conversa particular. Já iniciou tentando demovê-la do
intento de emplacar Batinho como candidato a prefeito, no que deu de encontro a
uma resistência inamovível da matriarca. Maria Aurora não aceitava outro nome
que não o de seu “afilhado”. Vendo-se vencido, o irmão sugeriu que o preferido
da mana fosse ungido vice na chapa encabeçada por um dos que participaram da
reunião da noite anterior. Foi aí que Tita deu seu ultimato quando, dando um
forte murro na mesa, disse: “O candidato a prefeito de Princesa é Batinho e ponto
final!”
Impotente diante de tanta determinação e, impossibilitado em
demover a irmã de tão grande convicção, Antônio, como Pilatos, lavou as mãos,
arrumou as malas e partiu de volta para a capital do Estado, deixando o circo
em chamas. Mesmo vitoriosa nessa primeira batalha, Maria Aurora sabia que dali
em diante, muita coisa iria acontecer e preparou-se para tanto. Ela sabia que
as chamadas lideranças não aceitariam que Batinho, um rapaz pobre e de origem
humilde se sobrepusesse a eles, detentores de sobrenomes ilustres e, alguns,
também possuidores de muitos bens materiais o que, segundo os próprios, seriam
de indispensável serventia para o enfrentamento de uma campanha eleitoral. Sebastião
Feliciano dos Santos, mais conhecido por Batinho, era um “faz-tudo” para a
família Diniz. Além de vereador já no segundo mandato consecutivo, era porteiro
do Ginásio “Nossa Senhora do Bom Conselho”, enfermeiro leigo com função no
Hospital “São Vicente de Paulo” e fazia também o elo de ligação entre Princesa
e a capital do Estado transportando doentes, encaminhando documentos, enfim,
resolvendo tudo o que fosse do interesse da família à qual servia
Em que pese a reunião haver acontecido na Casa Grande, sem a
presença de populares, no outro dia bem cedo, tudo já era de domínio público.
Aí começaram as especulações, as distorções e as consequentes fofocas nas
esquinas da cidade. Diante desse relevante fato, como é praxe, a oposição não
se imiscuiu de tentar capitalizar essa crise em seu benefício. Saíram a campo
aqueles que tinham capacidade de articulação para instigar os preteridos,
insatisfeitos, a romperem com o grupo Diniz. Esse trabalho, por designação
expressa de Aloysio Pereira, passou a ser exercido pelo ex-vereador Antônio Carlos
Costa e pelo comerciante Doca Ferraz. Amigo de João Pacote, Antônio Carlos
passou a envenená-lo contra seu partido. Pacote, que era cria da Casa Grande,
ao sentir-se descartado e, emprenhado pelo amigo, foi o primeiro a anunciar seu
rompimento com o grupo Diniz. Benedito Lima, vendo seu filho [Florentino Lima]
ser rejeitado, não rompeu, mas afastou-se das atividades políticas. Vavá Lima,
o mais cotado de todos, transformou-se, portanto, no mais agitado e mais
ferrenho adversário de seu antigo Partido. Nas rodas de conversas comandadas
pelos que foram descartados da sucessão, o que rolava era o comentário de que,
Batinho, um “moleque de recados” da Casa Grande não poderia se sobrepor aos
interesses dos representantes da elite partidária.
Tentando ainda contornar a situação, Antônio Nominando, em
meados de abril daquele ano de 1976, retornou a Princesa para uma última
tentativa em demover a irmã dessa indicação que, no seu pensar, estava a
esfacelar a agremiação partidária. Em sua última conversa com a mana sobre o
assunto, o deputado insistiu: “Tita, Batinho não tem condições de arcar com as
despesas de uma campanha eleitoral que, agora, se afigura ferrenha. Na rua, já
estão dizendo que nós estamos apoiando um ‘pé rapado’ para prefeito de Princesa,
e isso não recomenda bem numa campanha eleitoral”. E ponderou: “Em prol do
Partido, reveja sua posição, ainda há tempo!” Inflexível, Maria Aurora deu
outro murro na mesa e disse: “Antônio, eu já lhe disse que o candidato é
Batinho”. E continuou: “Outra coisa, quanto a essa história de que ele não tem
dinheiro, lhe asseguro: eu vendo o último boi da fazenda que papai deixou, mas
elejo Batinho!”. Vendo que a questão estava fechada, que era prego batido e
ponta virada, doutor Antônio sucumbiu, definitivamente, à vontade da irmã,
entregou-lhe o comando da campanha, partiu para João Pessoa e só veio a
Princesa para a realização de dois comícios. O resto, foi Tita quem coordenou.
Passada a tempestade da escolha e, acontecidos os
rompimentos, restou ao Partido dos Diniz escolher um candidato a vice-prefeito
e organizar a campanha. Sendo um dos poucos que restou daquela fatídica
reunião, o vereador Gominho foi o escolhido como companheiro de chapa de
Batinho. No dia dessa escolha, em sua fala, numa reunião ocorrida na Câmara
Municipal para o lançamento da chapa, Gominho discursou: “O negócio não é ser,
é saber ser e nós vamos ser eleitos, porque, a vontade de ganhar, tira o medo
de perder!” Do lado dos Pereira, com os rompimentos de João Pacote, Florentino
Lima e Vavá Lima, formou-se uma chapa com João Pacote na cabeça e o então
vereador e agropecuarista, Epaminondas Bezerra Leite, mais conhecido por “Novo
Bezerra”, na vice. Dois candidatos ricos disputando pela oposição contra dois
cidadãos de pouca relevância social e, nenhum dinheiro, representando a
situação. Foi a campanha do tostão contra o milhão. No decorrer do périplo
eleitoral, muita violência verbal ocorreu, porém nada de agressões físicas.
Foi, talvez, a campanha mais disputada da história de Princesa, até então.
Acontecida a eleição, em 15 de novembro de 1976, quatro dias depois da votação,
apurados os votos, ainda em cédulas de papel, foi conhecida a vitória do “afilhado”
de Maria Aurora, Batinho, que foi eleito com uma maioria de 179 votos sobre o
seu contendor, João Pacote, um rico agropecuarista que reuniu, em torno si, os
apoios mais importantes da elite princesense de então. O tostão venceu o milhão
e, a matriarca, elegeu o “pé-rapado!”
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