Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
O incrível Padre
Aristides
Aristides Ferreira da Cruz é uma das figuras mais emblemáticas
da história recente da Paraíba. Polêmico, foi protagonista de um dos episódios
mais violentos e cruéis ocorridos em nosso Estado, no século passado, o que
culminou com sua morte. Em suas atividades político-religiosas, com seu
temperamento tumultuado e forte, enfrentou os poderosos da política do
município de Piancó e da alta cúpula da Igreja Católica paraibana. Galgou o
posto de chefe político daquela Vila sertaneja e foi suspenso de ordens pela
autoridade eclesiástica do Estado. Malgrado sua importância na história do
nosso Estado, Padre Aristides vem, ao longo do tempo, sendo relegado ao
esquecimento. São muitos os que não conhecem essa fascinante trajetória, o que
está inserido num dos momentos mais turbulentos da História da Paraíba.
O padre Aristides Ferreira da Cruz, nasceu em 18 de junho de
1872 na fazenda Lagoa, pertencente à então Vila de Pombal/PB. Era filho de
Jorge Ferreira da Cruz e de dona Joana Ferreira Chaves. Ainda criança,
transferiu-se do lugar onde nasceu e foi morar na Zona Rural da Vila de Catolé
do Rocha. Ali, estudou as primeiras letras com o professor particular, Antônio
Gomes de Arruda Barreto. Findos os estudos fundamentais, foi mandado pelo pai
para estudar no Seminário do Crato/CE. Aberto um Seminário na capital da
Parahyba, para lá se transferiu onde terminou seus estudos de humanidades,
filosofia e teologia e foi ordenado padre em 1º de novembro de 1901, na capital
paraibana. Feito sacerdote, foi designado para ser vigário da freguesia de
Caraúbas, no Rio Grande do Norte. Pouco tempo depois, se tornou auxiliar do
bispo diocesano de Parahyba (atual João Pessoa), Dom Adauto Aurélio de Miranda
Henriques.
Aristides, que no início dos estudos se apresentara um aluno
medíocre, péssimo no aprendizado da língua vernácula e pior ainda no do
necessário latim; mais tarde, porém, mostrou-se com alguma aptidão para
filosofia, lógica, latim e, surpreendentemente, para línguas estrangeiras.
Rápido no aprender do idioma francês, mesmo antes de ser ordenado padre,
assumiu, no Seminário aonde ainda estudava, a cadeira de mestre naquela
disciplina. Professor de francês, o quase padre, teve como seus alunos: José
Pereira Lima (futuro chefe político de Princesa); José Américo de Almeida;
Irineu Jóffily; Heretiano Zenaide; Severino Montenegro; Inocêncio Justino da
Nóbrega, dentre outros que se destacaram mais tarde na política paraibana.
No início do ano de 1902, por ocasião de uma visita pastoral
do bispo dom Adauto à velha Vila de Santo Antônio de Piancó - quando se fez
acompanhar de seu auxiliar, padre Aristides -, atendendo apelos do vigário
daquele lugar, padre Abdon Melibeu Lima, que pedia transferência dali por
motivos de saúde precária, o prelado paraibano aceitou o pedido de exoneração
do padre Abdon e, imediatamente, nomeou Aristides para substituí-lo como
vigário daquela paróquia. Sem pensar duas vezes, o jovem sacerdote aceitou, a
nova incumbência. Nomeado vigário de Piancó, logo se fez ávido em assumir a
paróquia, o que aconteceria no dia 25 de agosto daquele ano de 1902. A posse do
novo pároco foi realizada com grande festa e, logo, o novo gestor paroquial
pôs-se a cuidar de sua nova responsabilidade eclesial. Terminou a obra de
construção da Igreja Matriz, reformou e construiu novas capelas nos Povoados e
Distritos da velha Vila de Piancó, dotou a Igreja Matriz de novas alfaias,
criou novas associações religiosas e reorganizou tudo na paróquia que acabara
de assumir.
Feito vigário do lugar, o padre Aristides logo conquistou a
simpatia do povo humilde daquela remota Vila sertaneja, e caiu também nas
graças do chefe político de Piancó, o médico e deputado federal, doutor Felizardo
Toscano Leite Ferreira - este, chefe de um clã que governava aquele termo, com
influência absoluta, há mais de duzentos anos. Os “Leite”, tinham
preponderância política não somente restrita a Piancó e adjacências, mas também
no âmbito do Estado e na então capital federal, o Rio de Janeiro. Nas palavras
do padre Manoel Otaviano: “Não havia um
voto contra ele em Piancó. Nos grandes prélios eleitorais, os chefes do Partido
já sabiam que, em Piancó, a votação seria unânime”. Tudo na Vila passava
pelas mãos e pelas ordens do doutor Felizardo. Ninguém discutia suas
determinações. Mesmo vivendo no Rio de Janeiro, onde exercia o cargo de
deputado federal, seus representantes locais reverberavam sua vontade de forma
inquestionável.
Esse poder, aliado a um mandonismo absolutista, foi aos
poucos, causando incômodo ao novo vigário. Mesmo assim, Aristides continuava
aliado do coronel Felizardo Leite. No entanto, homem de têmpera, não se
submeteu completamente. Sempre crítico sobre algumas decisões do chefe
político, começou a discordar de algumas orientações, o que se apresentou
bastante para o começo da liça. Pondo à vista comportamento mais ou menos
independente das orientações vindas do Rio de Janeiro, o padre passou a fazer,
em suas prédicas dominicais, algumas observações desafiadoras ao poder vigente
na Vila de Piancó. Esse tipo de ação não agradou aos áulicos de Felizardo, que
passaram a comunicar-lhe, através de cartas, sobre o comportamento rebelde do
padre. Comentários desabonadores começaram a ser divulgados, dando conta de que
o chefe político não estava satisfeito com as atitudes do sacerdote, o que foi
o bastante para que Aristides, contrariado por esses comentários, passasse a
expor suas opiniões publicamente e com maior vigor.
Sem temer o tamanho do inimigo que iria enfrentar, o padre
engrossou o pescoço e não quis mais ser liderado. Seria ele próprio o líder! A
partir de então, arregaçou as mangas e passou a atacar, abertamente, o doutor
Felizardo Leite. Segundo o autor do livro:
”A Coluna Prestes na Paraíba”, Manuel Otaviano, p.p. 63/64, sobre o padre
Aristides:
Corajoso, decidido, lançou-se ao
campo da luta e desenvolveu sua propaganda contra a família Leite, nos
povoados, nos Distritos, nas fazendas, nos jornais, na tribuna popular, em
qualquer parte, como quem estava disposto a sacrificar a própria vida. Todas as
armas, desde a verdade até a calúnia, eram boas para jogar contra os seus
grandes inimigos. Gritava na praça pública que era preciso acabar, em Piancó,
com a escravização política, com o regime do quero, posso e mando.
Em pouco tempo, o padre Aristides congregou elementos
simpáticos à sua causa e, logo, obteve o apoio de próceres da política
estadual, desafetos dos “Leite”, a exemplo dos senhores Epitácio Pessoa e
Venâncio Neiva, o primeiro, a quem haveria de servir quando contribuiria
fortemente para sua vitória eleitoral para o Senado em 1915. Corria o ano de
1913 e o coronel Felizardo Leite resolveu fazer uma visita a Piancó. Em sua
vinda do Rio de Janeiro, fez parada na capital paraibana e, em encontro marcado
com o bispo Dom Adauto, aproveitou para apresentar ao prelado um dossiê com
várias acusações contra o vigário de Piancó, algumas de ordem moral.
Dizia-se, aos cochichos, que o padre Aristides mantinha em
casa uma sobrinha sua, com a qual mantinha concubinato. Além disso, era voz
corrente que o padre tinha uma amante no Distrito de Água Branca. Era uma moça
de nome Maria José, a quem chamavam de “Quita”, que o sacerdote havia convidado
para cantar no coro da Igreja e, diziam as más línguas, que com ela, o cura
mantinha um relacionamento sexual. Tudo isso constava do dossiê entregue ao
bispo pelo coronel piancoense. Diante dessas fortes acusações sobre sua vida
privada e, dada à influência de Felizardo Leite, a autoridade diocesana acatou
a denúncia e exonerou, sumariamente, o padre Aristides, da chefia da paróquia
da Vila de Piancó. Para seu lugar, nomeou o padre Elizeu Duarte Diniz, que era
de Triunfo/PE e muito amigo do coronel Zé Pereira de Princesa. Elizeu passou
poucos dias à frente daquela freguesia, sendo logo substituído pelo padre
Manuel Otaviano que ficou no comando da paróquia até a derrocada do padre
Aristides. Irado com a punição recebida, Aristides revoltou-se contra o bispo
da Parahyba, dizendo: “Vou ensinar dom
Adauto a ser bispo”.
Saído da capital da Parahyba, o deputado Felizardo Leite,
dirigiu-se à sua terra, Piancó. Ali chegando, convocou o padre Aristides para
uma conversa. Chegando à casa do coronel, o sacerdote pensou que teriam uma
conversa amigável. Qual não foi sua surpresa quando o doutor Felizardo o
admoestou severamente quanto às posições que havia adotado na sua ausência,
chamando o feito à ordem, e comunicando que a partir dali, não mais toleraria
sua insubmissão ou qualquer dissidência. Surpreso com a atitude do chefe
político, o padre Aristides não arrefeceu e desafiou o coronel dizendo que, a
partir dali, em que pese serem compadres, Felizardo Leite o teria, agora, como
inimigo e que tudo faria para destruir o mandonismo da família Leite na Vila de
Piancó. O tempo fechou. O padre pegou seu chapéu e retirou-se da casa do
deputado e, exercitando seu latim, no terreiro da casa, virou-se e soltou o
seguinte veredicto: “Alea jacta est!”
(A sorte está lançada!) e partiu em seu desiderato de combater, sem tréguas,
seu ex-correligionário.
Com esse rompimento formal, o doutor Felizardo Leite voltou
ao Palácio do Bispo e exigiu do prelado uma punição mais grave contra o pároco
rebelde, no que foi prontamente atendido por dom Adauto. Em carta-aberta, para
ser lida na Igreja Matriz e em todas as capelas da freguesia de Piancó, o bispo
de Parahyba determinou a suspensão de ordens do padre Aristides Ferreira da
Cruz. Com isso, estaria ele [o padre] proibido de celebrar missas, ministrar casamentos
e batizados, ouvir confissões ou realizar quaisquer ofícios religiosos.
Malgrado essa determinação episcopal, em descumprimento dessa ordem, Aristides
continuou recebendo confissões e celebrando missas e sacramentos a seu bel
prazer. E mais, mandou buscar “Quita”, a jovem água-branquense, para morar
consigo e com ele viver maritalmente em sua casa, na Vila de Piancó. Para
completar a desobediência e o escândalo, desse relacionamento, nasceram quatro
filhos: Jorge; Sebastião; Aristides Filho e Joanita
Essa decisão causou uma verdadeira zaragata, o que o padre
justificou dizendo: “Agora não é mais
calúnia, agora é verdade a maldade que me imputaram e que agora me obrigam a
fazer”. Reuniu alguns amigos e correligionários em sua casa e proferiu esse
curto discurso: “O bispo errou e me fez
errar. Já que estou sendo punido por uma coisa que não fiz, vou arranjar um
motivo real para a punição”. Era assim Aristides, impetuoso, desafiador e
destemido. Em Praça Pública, o padre Aristides deu satisfação dos seus atos
àqueles que o acompanhavam. Do livro do padre Manuel Otaviano, p.p. 88:
Não se admirem dessa loucura. Dessa
queda de costas que me fez rolar até a lama. Vocês me conhecem e sabem que não
sou homem para apanhar calado. Nem se mirem em meu exemplo. Sou o primeiro a
reconhecer o meu erro. A Igreja não tem culpa dele. É ela uma instituição
suprema que paira acima dos erros de seus delegados. Ninguém perca a sua fé
porque errei. Também não lhes dou o direito de falar ou dizer mal de meu
superior. Só eu posso falar, porque só eu fui o ferido. Não confundam religião
com política, nessa desgraçada campanha que poderá nos desgraçar também. Fui,
por muitos anos, vigário desta terra e vocês todos conhecem o quanto de
sacrifício despendi em bem da religião que me fez sacerdote. Tanto suor
derramado!!!... Deus sabe das minhas intenções, quando pisei Piancó, como seu
vigário. Sejam bons e peçam a Deus que eu não seja sempre mau. Mas Ele não me
tire a vida, antes que eu tape a boca do último Leite, em Piancó”.
A partir daí travou-se a maior luta entre o padre, o deputado
Felizardo Leite e o bispo dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques. Após a
vitória do partido comandado por Epitácio Pessoa, em 1915, a orientação
partidária na Parahyba mudou de mãos e, com a eleição do doutor Camilo de
Hollanda para a presidência do Estado, em 1916, o poder político em Piancó
passou a ser comandado pelo padre Aristides. Com isso, a briga recrudesceu mais
forte, agora, em perseguição ferrenha aos partidários do médico Felizardo
Leite. Novamente nas palavras de Manuel Otaviano, idem p.p. 77/78:
Padre Aristides desfechou,
impiedosamente, a clava das perseguições contra os seus adversários.
Respirava-se, no rincão sertanejo, uma atmosfera de terror. Impressionado com a
ideia de que os Leites (sic) tomariam
vinganças pessoais, tomava medidas absurdas, mandando cercar casas e
propriedades dos adversários, chamando-os, quase todos os dias, à delegacia,
exigindo declarações de fatos que nunca se deram. Um verdadeiro pandemônio. As
autoridades, por intermédio dele nomeadas, nos Distritos, eram, geralmente,
indivíduos de má catadura com ordens terminantes de não tolerarem uma só
palavra contra ele e seus amigos. Bastava uma história mal contada, uma pequena
censura à suas ordens, o pobre diabo teria que curtir cadeia pelo tempo que ele
quisesse. (...) A polícia, o fisco, a justiça, tudo em suas mãos.
Em 1916, o padre Aristides foi eleito deputado estadual. Na
tribuna da Assembleia Legislativa encontrou mais um foro para atacar seus
adversários. Ali, proferia discursos violentos e desabonadores sobre a conduta
dos “Leite”. Atacava-os política e pessoalmente. De verve fácil, o padre não
media palavras incluindo em suas falas termos chulos e palavras chãs. Seus
embates não se restringiam apenas aos adversários diretos, mas, também, aos que
os defendiam. Usando linguagem popular, alcançava o povo e recebia aplausos das
galerias daquela Casa Legislativa. Em que pese ser correligionário do também
deputado, o coronel José Pereira, de Princesa, este não lhe devotava muito apreço.
Em 1918, quando o deputado de Princesa apresentou uma
propositura autorizando o desmembramento do Distrito de Água Branca, que
pertencia a Piancó, para passar a fazer parte da Vila de Princêza, com
argumentos plausíveis, o padre Aristides virou uma fera em defesa da
continuidade daquela posse que remontava a 1831. Segundo o padre Manuel
Otaviano, foi “uma luta renhida, cujos
debates chegaram a morder a honra pessoal dos litigantes”. Após vários
discursos em que, ambos os contendores, apresentaram suas razões, a maioria dos
deputados, recomendados pelo chefe supremo, Epitácio Pessoa – a despeito de sua
forte amizade com o coronel Zé Pereira, a quem devotava “assombroso” prestígio
- apoiaram o padre e votaram contrários à propositura do deputado princesense.
Perfilaram-se ao lado do padre e, Água Branca, continuou pertencendo a Piancó, somente
vindo a fazer parte do município de Princesa em 30 de março de 1938.
Padre Aristides, que foi vigário de Piancó de 1902 a 1913,
despois de rompido com o chefe político, Felizardo Leite, exerceu quase três
mandatos de deputado estadual (1916/1920/1924), tendo sido interrompido, o
último, por sua trágica morte. Sua lide política à frente do já transformado em
município, Piancó, foi bruscamente interrompida quando da fatalidade de seu
assassinato. Malgrado manter violenta contenda com seus adversários locais, a
morte do sacerdote suspenso de ordens não teve, diretamente, nada a ver com sua
liça política. Tudo ocorreu em 9 de fevereiro de 1926, por ocasião da passagem
da Coluna Prestes – Movimento Revolucionário, comandado por tenentes desertados
do Exército Brasileiro, sob o comando de Luís Carlos Prestes, João Alberto e
Cordeiro de Farias, que marcharam por todo o país em pregação contrária ao
governo de Arthur Bernardes, em busca de uma mudança política no Brasil -, pela
cidade de Piancó.
Era o dia 8 de fevereiro de 1926. Ao receber a notícia de que
os Revoltosos se aproximavam de Piancó e que, egressos do Ceará e Rio Grande do
Norte, onde encontraram forte resistência, estavam acabrunhados, cansados e
desmuniciados, portanto vulneráveis a uma reação, o padre Aristides organizou
alguns homens em armas para defender seu rincão. Segundo o historiador
paraibano, José Octávio de Arruda Mello, tanto o deputado Felizardo Leite
quanto o presidente da Paraíba, João Suassuna, conspiraram para que o padre
Aristides organizasse essa resistência à Coluna Prestes, isso, com o interesse
de livrarem-se do pertinaz adversário e incômodo correligionário. Em que pese
ser, Felizardo, adversário político do padre, ambos, o deputado e o sacerdote,
eram correligionários do presidente do estado da Paraíba.
No dia seguinte, uma terça-feira (9) ao adentrar às portas da
cidade, um pequeno grupo de um dos destacamentos da Coluna Prestes, chefiado por
Cordeiro de Farias, foi recebido a bala pelos resistentes sertanejos. Houve
baixas de ambas as partes. Desavisado e sem avisar ao padre Aristides - que
resistia, junto com cerca de vinte e cinco homens, em sua residência -, o chefe
da Mesa de Rendas, Manoel Cândido, durante o tiroteio, apavorado em sua casa,
saiu portando uma “bandeira branca”, o que fez os revoltosos acreditarem ser
aquilo um pedido de paz pelos resistentes e partiram, de peito aberto, em direção
à casa do padre Aristides. Ao se aproximarem, os prestistas, foram recebidos à
bala quando tombaram mortos alguns oficiais e vários soldados. Recompostos, os
revoltosos, revidaram ao ataque surpresa e sustentaram o tiroteio até se
exaurir a capacidade de resistência dos homens do padre Aristides. Sem munição
e cercado pelos da Coluna Prestes, não restou, ao ex-vigário de Piancó, senão
entregar-se à desventura que o esperava.
Os homens de Prestes, indignados com a atitude enganadora do
falso pedido de paz, adentraram à casa do padre como feras indomáveis. Arrastaram
Aristides e seus companheiros para um barreiro existente atrás da casa do
sacerdote, que já acumulava águas das primeiras chuvas daquele ano e, ali, os
trucidaram a todos. Antes de morrer, Aristides fez um último pedido aos seus
algozes: “Eu sou um padre da Igreja
Católica e sei que vou morrer, mas, peço-lhes me deem um instante para fazer
uma oração e pedir perdão dos meus pecados! Em resposta a esse apelo
dramático, um dos revoltosos ordenou: “Que
tempo que nada! Degola esse assassino!” Desamparado até de Deus, o padre
Aristides teve suas carótidas
seccionadas e recebeu uma punhalada na clavícula esquerda, o que foi mais do
que o bastante para tirar sua vida.
Há quem diga que, além dessa cruel execução, castraram o
padre e enfiaram seus testículos em sua boca. Esse quadro dantesco foi deixado
para os moradores da cidade - os que não haviam fugido -, providenciarem o
sepultamento dos mortos, na manhã do dia seguinte. Degolado, o padre Aristides
foi enterrado em cova rasa e somente muitos anos depois recebeu o
reconhecimento de mártir em defesa da legalidade, merecendo um túmulo decente e
o louvor da posteridade. Junto com o sacerdote, foram executados mais de vinte
companheiros seus. Em Piancó, existe uma estátua do padre, defronte ao
bicentenário templo católico (1814) onde aquele desditoso sacerdote exerceu seu
ministério sacerdotal. É esta a sucinta história de um homem, maior no seu
tempo e que, no exercício de coragem extrema, não se intimidou ou sucumbiu às
adversidades inerentes à opção de vida que tomou. Morreu de pé sem arredar-se
das coisas em que acreditava. O incrível padre Aristides.
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