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domingo, 1 de setembro de 2024

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

A Guerra de Canudos

Foi em 1893, quatro anos após a Proclamação da República, que aconteceu um dos conflitos mais emblemáticos da História Nacional. No Sertão da Bahia, guiados por um fanático líder religioso, chamado Antônio Vicente Mendes Maciel que, perambulando pelos sertões nordestinos, vindo do Ceará, pregando costumes conservadores, mais especificamente contra a nova ordem republicana, em seu périplo, aliciou vários adeptos que, fanatizados, se submeteram aos ensinamentos e conselhos desse líder, que passou a ser apelidado de “Antônio Conselheiro”, movimento social que culminou com a Guerra de Canudos.

Aportando no lugar chamado Belo Monte, às margens do rio Vaza-barris, Antônio Conselheiro, nascido em Quixeramobim, no Ceará, fez edificar o Arraial de Canudos, no sertão baiano e, liderados por ele, ali se estabeleceram milhares de agricultores pobres que, sob sua orientação, ocuparam vasta área de terras improdutivas pertencentes a ricos latifundiários. Ali fundaram uma verdadeira cidade, composta de casebres construídos de forma tosca com varas e palhas de coqueiros e edificaram um templo, em alvenaria, para suas orações, onde recebiam também as ordens de costumes determinadas pelo Conselheiro.

O líder, não era um analfabeto ignorante, mas sim um caixeiro viajante que virou professor e escrivão. Para aquele tempo, era um homem de letras. Muito conservador e religioso, era contra a recém-implantada República. Para Antônio Conselheiro, a nova ordem política – que derrubou a Monarquia e enxotou daqui a Família Imperial -, era uma profanação pelo fato de haver estabelecido a eleição dos governantes sem o aval da Igreja Católica; o casamento civil; a cobrança de impostos e a separação da Igreja do Estado.

Em 1893, sob o comando desse chefe fanático, se estabeleceu a desobediência civil quando, em provocação às autoridades, os moradores do Arraial de Canudos queimaram documentos oficiais em um ato de rebeldia contra a cobrança de impostos. Para o líder religioso, o único imposto que poderia ser cobrado, era o dízimo, constante nos Evangelhos. Conselheiro pregava contra a República, chamando-a de “o verdadeiro Anticristo”.

A ordem social mantida no Arraial, obedecia a parâmetros similares ao comunismo: nada era de ninguém e tudo pertencia a todos. Sem conforto algum, viviam, aqueles milhares de agricultores miseráveis, em condições ínfimas de higiene e de nutrição. Dormiam no chão e em redes, e se alimentavam, basicamente, dos derivados do milho e da mandioca. Cultivavam roças comunitárias, coletivas e autossustentáveis.

O próprio Antônio Conselheiro, tinha costumes austeros: dormia no chão sobre uma esteira feita de palhas de bananeiras e, mesmo frugal, só se alimentava após as orações obrigatórias na pequena igreja e, a ordem, era para que todos agissem da mesma forma. Surtos de doenças eram frequentes e comuns, mas nada abalava a liderança do Conselheiro. Todos seguiam à risca suas determinações religiosas e de costumes.

Vendo ali um foco de rebeldia e de desobediência civil e, em retaliação à queima dos documentos tributários, o governo do estado da Bahia, atendendo orientação do Governo Federal, determinou um ataque da Polícia Militar para promover a dispersão daquela horda de maltrapilhos que subvertia a ordem. A intentona da polícia baiana não logrou êxito. Em grande número, os conselheiristas, organizados e determinados em defender seu lugar e suas ideias, rechaçaram o ataque quando foram mortos 10 soldados, sem o sacrifício de nenhum dos seguidores de Antônio Conselheiro.

Após esse malogro da polícia baiana, os moradores de Canudos entenderam que ocorreriam novas investidas contra eles. Sabiam que suas agressões à nova ordem republicana não seriam toleradas pelo governo. Começaram então a se preparar. Estrategista que era, o líder religioso resolveu se capitalizar com meios financeiros para enfrentar seus agressores. Determinou a extração de madeira nas terras que ocupavam e passou a vender grande quantidade desse produto na praça de Joazeiro (na Bahia). Farto de recursos, providenciou a compra de armamento e munições, e começou a treinar seus fiéis seguidores no manuseio de rifles, espingardas e fuzis.

Em fins de 1896 - desta feita sob as ordens diretas do ministro da Guerra, Carlos Machado Bittencourt – o governo do presidente Prudente de Morais determinou a expedição de uma Força do Exército Brasileiro, composta de 600 homens, para desbaratar os camponeses rebeldes do Arraial de Canudos. Para tanto, levaram além de armamento convencional, dois canhões krupp de fabricação alemã. Mesmo assim, os adeptos de Antônio Conselheiro venceram mais essa batalha quando foram mortos mais de 100 soldados e vários ficaram feridos. As baixas do lado dos fanáticos e aguerridos agricultores foram de apenas 13 homens.

Diante dessa ferrenha resistência, o que poderia se tornar um caldo de cultura para uma real ameaça à República, o Governo Federal resolveu tomar providências mais efetivas. Em fevereiro de 1897, o comando do Exército designou o coronel Moreira César que, à frente dessa 3ª Expedição, partindo direto do Rio de Janeiro, comandando 1.200 homens e seis canhões, partiu para Canudos determinado a suplantar aqueles revoltosos. Mais uma vez os seguidores de Antônio Conselheiro levaram a melhor. Derrotaram a tropa do Exército, quando dezenas de soldados foram mortos, inclusive o comandante, Moreira César.

Alarmado com a resistência dos conselheiristas, o Presidente Prudente de Morais resolveu cortar o mal pela raiz. Em maio de 1897, o ministro da Guerra nomeou o general Arthur Oscar como comandante de uma tropa composta por cinco mil homens e 700 toneladas de munição, vários canhões convencionais e um canhão especial com cerca de 3 metros de altura, chamado “A matadeira”. Em junho daquele ano, as tropas do general Arthur Oscar fizeram várias investidas em Canudos e, sem lograr êxito, perderam mais de 1000 homens, perdendo todos os confrontos.

Em agosto de 1897, chegou às imediações de Canudos um reforço de mais três mil soldados da tropa federal. Arthur Oscar determinou o uso da “Matadeira” e, após vários combates havidos nos meses de agosto e setembro, o Arraial de Canudos estava derrotado, com um saldo de milhares de agricultores mortos. Em 22 de setembro daquele ano, morreu Antônio Conselheiro (não em combate, mas de disenteria). Dias depois, existiam apenas cerca de 200 conselheiristas ainda vivos, em sua maioria mulheres e crianças, perambulando pelo Arraial destruído.

No dia 05 de outubro estava terminada a Guerra de Canudos. Dois dias depois, o Exército Brasileiro, composto por quase nove mil homens, ocupou o que restava daquele Arraial de fanáticos religiosos e executou a todos os sobreviventes ali encontrados. Morreram mais de 25 mil dos que habitavam Canudos. Escaparam do trucidamento apenas os que conseguiram fugir. Por ordem do general Arthur Oscar, soldados desenterraram o corpo de Antônio Conselheiro e atearam fogo até às cinzas. Segundo o historiador, Eduardo Bueno, foi esse o mais sanguinário e inglorioso episódio bélico do Brasil.



 

 

 

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