A grande maioria
dos livros que tratam sobre os acontecimentos de 1930 e mais especificamente
sobre a “Guerra de Princesa” dá como motivo particular para o rompimento
político do coronel José Pereira com o presidente João Pessoa, a formação da
chapa eleitoral para a escolha dos candidatos que concorreriam às vagas de
deputados federais e senador nas eleições de 1º de março de 1930. Num exercício
de minimização de fatores, o que cumula o conflito de flagrante desimportância
e, na obrigação de resgatar fatos que, ao longo do tempo promoveram o fazimento
do caldo de cultura para aquele desfecho, pontuamos aqui alguns, que mesmo já sendo
do conhecimento de todos, carecem de ligamentos para que entendamos como tudo
começou e aclarar que motivos outros muito contribuíram para o estabelecimento
de uma antipatia mútua entre os dois e, acontecimentos de passado recente,
conforme abordaremos a seguir, muito contribuíram para o definitivo rompimento.
João Pessoa
Cavalcanti de Albuquerque vivia no Rio de Janeiro, então Capital Federal, onde
exercia a função de ministro do Superior Tribunal Militar. Não vinha à Paraíba
há muito tempo e não tinha aproximação alguma com o coronel José Pereira, porém,
mantinha frequente correspondência com seus familiares na Paraíba, quando se
inteirava do que aqui acontecia. Nessa troca de comunicação escrita, o ministro
Pessoa tomou conhecimento, ainda no ano de 1923, de um episódio violento
ocorrido na cidade de Monteiro, envolvendo seu pai, Cândido Clementino
Cavalcanti de Albuquerque e um cunhado do coronel Zé Pereira, Inocêncio Justino
da Nóbrega. O fato deu-se por ocasião da prática de jogos de azar em que os
dois funcionários da Mesa de Rendas (atual Coletoria), se desentenderam,
discutiram fortemente e chegaram às vias de fato quando Inocêncio chegou a
esmurrar Cândido. Sabedor do ocorrido, o deputado José Pereira Lima
providenciou a transferência do cunhado retirando-o dali com a conivência e
anuência do chefe político local, Augusto Santa Cruz Oliveira, que era amigo e
aliado do também chefe político da vila de Teixeira, Franklin Dantas. Esse
fato, em que pese viver João Pessoa em constantes turbulências com o pai, não deve
ter-lhe agradado.
O segundo
incidente, mais grave, causou maior desconforto ainda ao futuro presidente que
era pertencente ao ramo familiar dos “Pessoa” de Umbuzeiro. No dia 05 de
novembro de 1922, um crime passional envolvendo os dois ramos familiares
(Pessoa Cavalcanti e Pessoa de Queiroz) quando Epitácio Pessoa de Queiroz
Sobrinho (Epitacinho) assassinou o médico José Bandeira de Melo Filho, casado
com Clarice Pessoa, uma prima do futuro presidente João Pessoa, por suspeita de
adultério cometido com sua esposa e cliente do médico, Laura Matos. Após o
crime, Epitácio Sobrinho, a pedido de seus irmãos Francisco, José e João Pessoa
de Queiroz (desafetos de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque),, este último
amigo e compadre de José Pereira, homiziou-se em Princesa, aonde chegou em
junho de 1923, sob a proteção do coronel Zé Pereira, ali ficando até o início
de 1930.
Tudo isso, somado
ao fato da discordância dos primos de Recife quando da indicação de João
Pessoa, pelo tio Epitácio Pessoa, como candidato a presidente da Paraíba, já se
constituía fator preponderante para a antipatia de João Pessoa com relação ao
coronel princesense. Ademais, o desligamento político já se configurava uma
realidade pré-anunciada pelo próprio sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa,
já investido da candidatura a presidente da Paraíba, quando afirmou que na
Paraíba estava tudo podre e que, quando assumisse o cargo de presidente, de uma
vassourada só, poria a casa em ordem, e assim o fez quando assumiu o governo. O
foco inicial do novo presidente foi justamente José Pereira e seus aliados mais
chegados: Santa Cruz de Monteiro; os Dantas de Teixeira e o ex-presidente João
Suassuna. Sem consultar ninguém, uma das primeiras determinações de João Pessoa
foi promover o desarmamento de todos os recantos do Estado, começando por
Princesa, sem respeitar patentes ou correligionários. A seguir, desmontou todo
um sistema de produção e comércio de algodão que era praticado pelos produtores
sertanejos diretamente com o estado de Pernambuco, majorando impostos dos
produtos comercializados que não através do porto de Cabedelo o que tornou
impeditivo o comércio com a praça do Recife, contrariando imediatamente os
interesses dos primos “Pessoa de Queiroz”.
Como se não
bastasse, demitiu e transferiu funcionários públicos em todo o interior do
Estado sem consulta prévia aos chefes políticos, em revelia de suas vontades,
dentre outras medidas intempestivas e arbitrárias. Admoestado pelo tio
Epitácio, através de carta expedida do Rio de janeiro em 21 de novembro de
1928, em que o ex-presidente advertia: “Sei
bem que as medidas que estás tomando são todas de moralidade e justiça. Não
estão acostumados a isto. A grita está sendo e há de ser enorme. Convém,
todavia, não exagerar o rigor. Não se extirpam num instante hábitos enraizados
desde muitos anos”. João Pessoa fez ouvidos moucos em sua determinação de
defenestrar Zé Pereira de seu poder de mando em Princesa e da influência
política na região sertaneja. Demitiu o prefeito e o vice-prefeito e todos os
funcionários públicos estaduais daquela comuna, inclusive Manoel Carlos de
Andrade, irmão do coronel, que era chefe da Mesa de Rendas de Princesa, para a
cidade de Patos. João Pessoa já havia dado sinais da vontade de perseguir o
coronel desde o início de seu mandato. Como prova disso, remontamos a episódio
ocorrido Palácio da Redenção, ainda no começo do governo pessoista, quando, em
ocasião da única visita do coronel ao novo presidente (governador), de forma
intempestiva, João Pessoa perguntou ao coronel: “É verdade que você homizia cangaceiros em suas fazendas?”. Ao que
o coronel-deputado respondeu: “Os homens
que guardo lá são os eleitores do seu tio Epitácio”.
Esses desatinos
político-administrativos do presidente, somados ao episódio da composição da
chapa eleitoral que, com o pretexto de renovação e rodízio, excluía o nome do
ex-presidente João Suassuna, porém, mantinha o do seu primo, Carlos Pessoa, que
também já ocupava assento na Câmara Federal, foram bastante para que o vulcão
político entrasse em erupção. Na verdade, a essa altura, o rompimento já estava
configurado. Zé Pereira carecia apenas de tempo para se preparar para o
inevitável enfrentamento, daí a calorosa e enganosa recepção oferecida ao
presidente por ocasião de sua visita a Princesa. Já estava tudo consumado. Na
noite do mesmo dia da visita presidencial, o coronel se reuniu, na vizinha
cidade pernambucana de Triunfo, onde, juntamente com a cúpula dos políticos e
lideranças princesenses e João Pessoa de Queiroz, foi deliberado o rompimento. O
episódio da chapa não deve ser considerado a “gota d’água”, mas, o ápice de um
afadigamento fruto do que já se vinha desenhando desde há muito. A troca de
telegramas oficializando o afastamento político dos dois [Zé Pereira e João
Pessoa] foi apenas a homologação de uma realidade já consolidada.
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