Diante do conhecimento de fofocas que corriam às largas na
cidade pernambucana de Quipapá, dando conta de que o vigário da paróquia, padre
Hosana de Siqueira e Silva, mantinha um caso amoroso com a governanta da Casa
Paroquial, chamada Maria José, e que era sua prima, o bispo diocesano de
Garanhuns, dom Francisco Expedito Lopes, que jurisdicionava aquela freguesia,
advertiu o padre - que negava tudo – para parar com a prática escusa. Em face
da persistência dos falatórios, o prelado admoestou novamente o sacerdote e
determinou o imediato afastamento da governanta, da casa do padre. Expulsa,
Maria José, que já estava em adiantado estado de gravidez, o padre Hosana
admitiu outra mulher, de nome Quitéria, para conduzir os trabalhos domésticos
em sua residência. Tal qual o que acontecera com a primeira governanta, o
disse-me-disse continuou dando conta de que o padre continuava (com Quitéria
agora) pecando contra seu juramento de celibatário.
Irritado com a replicada situação, dom Expedito chamou Hosana
ao Palácio Episcopal e ameaçou-o com a suspensão de suas ordens sacerdotais e
até com a excomunhão, se o padre continuasse com suas ações libidinosas. Padre
Hosana, como sempre, negou a prática do comportamento irregular, alegando que
tudo não passava de calúnias com o intuito de difamar seu nome e afastá-lo dos
serviços religiosos naquela, segundo ele, uma cobiçada paróquia. Negou-se a
demitir a governanta Quitéria, deixando a audiência de forma ríspida e
irreverente, portanto, desrespeitosa para com seu superior. O comportamento
arredio do padre, somado às persistentes fofocas dos que rodeavam dom Expedito,
fizeram o prelado adotar atitude extrema, quando anunciou que declararia,
publicamente, através da emissora de rádio de Garanhuns, a excomunhão do padre
Hosana.
Sabedor desse veredicto, o “copo d’água” do padre Hosana,
supostamente infrator, transbordou. Era o dia 1º de julho de 1957. Após
celebrar a missa matinal (o que certamente já o fez com a intenção de praticar
o crime) na igreja de Quipapá, Hosana partiu para Garanhuns, percorrendo uma
distância de 61 quilômetros. Lá chegando, foi direto para a residência
episcopal. Ao chegar à casa do bispo, o padre tocou a campainha. Quem veio a
abrir a porta foi próprio dom Expedito Lopes. Armado de um revólver calibre 38,
de chofre, o padre Hosana disparou – à queima-roupa -, três tiros que atingiram
o bispo no abdome, o que provocou sua morte após agonizar até a madrugada do
dia seguinte. O padre Hosana, após refugiar-se junto aos monges no Mosteiro de
São Bento, foi preso e, mesmo na prisão, sempre afirmou que, cem vidas tivesse
o bispo, se pudesse, as tiraria todas.
Padre Hosana, mesmo na cadeia continuava “junto de Deus”.
Exercitando a peculiar hipocrisia de grande parte dos que acreditam no
Altíssimo, Hosana, oficiava ali todos os ritos religiosos. Livre da prisão foi
assassinado, em 1997, a pauladas, na fazenda Correntes de sua propriedade, a
278 quilômetros do Recife, quando tinha 84 anos de idade. Envolta em mistério,
a morte do padre, até hoje ninguém sabe quem o matou. Enquanto hoje, dom
Expedito é tido como santo, o padre Hosana, é considerado vilão e esquecido por
todos. Como vimos, nesse triste e violento episódio, em que pese estarem os
dois, vítima e algoz, muito próximos de Deus, essa presença não evitou a
prática criminosa. Por isso, prefiro concordar com William Shakespeare quando
diz: “Há muito mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar a
nossa vã filosofia”. Em face desses exemplos depreendemos que nada determina ou
explica, definitivamente, os comportamentos humanos: “a ocasião faz o ladrão”;
“o hábito faz o monge”; “o cachimbo é quem entorta a boca”, e por aí vai... “O
homem é o homem e suas circunstâncias”, já dizia o filósofo espanhol José
Ortega Y Gasset (1883-1955).
Esse episódio teve repercussão na imprensa nacional e até na
mídia internacional. Afinal, era esse apenas o terceiro caso, no mundo, em que
um padre da Igreja Católica assassinava um bispo. Dois casos anteriores
aconteceram na Europa no século XIX. Quanto ao bispo assassinado, tramita,
hoje, no Vaticano, um processo de beatificação de dom Francisco Expedito Lopes.
Maria José, após um aborto recomendado pelo padre Hosana, pariu uma criança a
termo, de quem não se tem notícia. Quitéria, teve também um filho do padre, que
constituiu família que reside na região de Garanhuns. Padre Hosana, julgado que
foi, passou alguns anos na cadeia, depois, viveu livre até sua trágica morte.
Sobre esse crime, foi escrito um livro: “A Bala e a Mitra”, pela escritora pernambucana
Ana Maria César.
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