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domingo, 17 de março de 2024

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

Brigas para inglês ver

As famílias Diniz e Pereira, em Princesa, desde 1930, são antagônicas na política eleitoral. Antônio Nominando Diniz e Aloysio Pereira Lima – dois dos principais antagonistas nessa disputa -, ambos foram deputados estaduais por várias legislaturas e, via de regra, nas campanhas eleitorais, se digladiavam nos palanques quando pronunciavam discursos contundentes e ofensivos, um contra o outro. O primeiro, intelectual refinado e dono de verve fácil, conduzia seus ataques de forma mais polida, nas entrelinhas de suas falas. Aloysio Pereira, sanguíneo que era, distribuía suas ofensas com mais contundência, inclusive, contidas de impropérios.  Porém, quando as conveniências políticas o exigiam, os dois se postavam lado-a-lado em defesa de uma candidatura comum, estabelecendo uma trégua na contenda eleitoral.

Essas circunstanciais uniões aconteceram várias vezes. A primeira, foi em 1950 quando, ambos os chefes políticos, perfilaram-se juntos em defesa da candidatura do ministro José Américo de Almeida ao governo do Estado da Paraíba. A situação se apresentou por demais esquisita. Primeiro, pelo fato de Aloysio apoiar Zé Américo, o algoz de Princesa na guerra de 1930 e, depois, por estar ao lado de seu figadal inimigo, Antônio Nominando.

Essa esdrúxula união se repetiu em 1972 quando os dois grupos políticos promoveram uma pacificação na política princesense e apresentaram uma chapa única para disputar o pleito municipal com Chico Sobreira como candidato a prefeito e João Pacote a vice. Em 1982, estavam novamente, Aloysio e Antônio, no mesmo palanque, defendendo a postulação de Wilson Braga ao governo do Estado. Na eleição para a escolha do presidente da República, em 1989, novamente juntos, apoiaram a candidatura de Fernando Collor de Mello. Em 1994, uniram-se de novo em apoio à candidatura de Antônio Mariz ao governo do Estado e, em 1998, ambos apoiaram a reeleição do governador José Targino Maranhão.

No pleito de 1982, por ocasião da campanha eleitoral de Wilson Braga para governador contra Antônio Mariz, Aloysio e Nominando apoiaram, conjuntamente, o nome de Wilson Braga. Desta feita, Antônio Nominando desertou de seu antigo grupo, então liderado pelo ex-governador João Agripino Filho, e somou junto com Aloysio em benefício da candidatura de Braga. Essa estranha união, gerou um dos episódios mais hilários da política de Princesa, o que consideramos engraçado pelo inusitado que ele encerra.

Sem ter onde se arranchar em Princesa, o grupo do então PMDB, liderado pelo ex-governador João Agripino, procurou Paulo Mariano para que este emprestasse apoio à candidatura de Antônio Mariz ao governo do Estado e coordenasse a campanha na região polarizada por Princesa. Paulo aceitou e marcou um comício na cidade. Escolheram um dia de sábado para a realização do evento cívico, pois, sem o apoio das duas grandes forças políticas do município e, temerosos de que houvesse pouca participação popular, fizeram o comício no meio da feira, na Praça “José Nominando Diniz”, portanto, em frente à casa de residência da família Nominando.

Participaram do evento, além do candidato Antônio Mariz e seu vice José Maranhão, o ex-governador João Agripino, Paulo Mariano, Beto Patriota e outros próceres da campanha marizista em Princesa. Em seu discurso, João Agripino, enfático e contundente como sempre foi, em desafio à família Diniz, começou sua fala dizendo achar muito estranho que Nominando, junto aos “Pereira”, estivesse apoiando Wilson Braga e, num rompante bateu forte: “Nominando deveria ter vergonha de estar no mesmo palanque com Aloysio Pereira, deveria honrar as calças que veste e ter coragem de tomar uma posição”. De portas fechadas, doutor Antônio, fez ouvidos moucos a essa provocação do ex-governador.

Três dias depois, num comício realizado no sítio Várzea, Aloysio Pereira, tomou as dores de Nominando e abriu sua fala dizendo: “Não admito que forasteiros venham a Princesa para denegrir a imagem de um conterrâneo digno. Registro aqui o meu veemente protesto!”. Causou estranheza a todos essa defesa de Aloysio em prol de Nominando, uma vez que ambos já haviam trazido vários “forasteiros” para, em seus palanques, baterem sem pena no adversário conterrâneo. Essa defesa fazia-se normal apenas porque atendia aos interesses daquele momento, pois, passada essa campanha, voltaram a se apresentar não somente como adversários, mas também, como inimigos para assim estimular o antagonismo do povo, o que alimentava as disputas eleitorais e atendia aos seus interesses pessoais.

Aloysio Pereira, proprietário da Rádio Princesa, usava os microfones daquela emissora, num programa dominical intitulado: “Microfone Aberto”, para bater sem pena nos seus adversários. Bom de briga, disparava sua metralhadora giratória atingindo a todos, o que lhe rendeu uma hegemonia na política municipal que durou 18 anos (1982/2000). Mas, tudo era feito como que para inglês ver. Desgostoso com o então prefeito Assis Maria, no final de 1999, Aloysio, fez uma fala no rádio que estremeceu as bases de seu grupo político.

Nessa ocasião – mesmo à revelia do pensamento de seu cunhado e ex-prefeito Gonzaga Bento - o ex-deputado, de forma imprudente, disse as do fim com o prefeito: “Assis Maria é tão desmantelado que desmantelou Princesa!” E acrescentou: “Se colocarem chocalho nos ladrões de Princesa, ninguém dorme” Esse contundente pronunciamento provocou o rompimento entre ambos. No entanto, já nas eleições de 2000, quando Assis Maria concorria à reeleição, num comício realizado no dia 26 de agosto daquele ano, Aloysio estava no palanque do prefeito pedindo desculpas e votos para a reeleição do desafeto: “Assis, me desculpe pelo que lhe reclamei. Fui injusto! Eu não sabia que a culpa de você não ter realizado mais, foi da Câmara Municipal que hoje é adversária!” Nem Aloysio ganhou de volta a simpatia do prefeito, nem Assis ganhou a eleição, o que foi bom para o ex-deputado, pois, se eleito, Assis Maria poderia ter-se vingado do chefe político.

Profícuo no trazimento de benefícios para Princesa, Aloysio Pereira, realçava suas ações sempre com desprezo quanto à atuação do adversário. Conhecido por não levar desaforo pra casa, sempre começava suas falas dizendo: “Eu não tenho rabo de palha!” Eram, os dois, políticos de uma cepa que não existe mais. Em toda a lide política, tanto Antônio Nominando quanto Aloysio Pereira, jamais foram acusados de comportamentos que desabonassem suas condutas.

Mesmo contundente em seus pronunciamentos públicos, Aloysio Pereira, às vezes, falava nas entrelinhas insinuando coisas horríveis que teriam sido praticadas, nos idos de 1930, por Nominando, o velho. E não perdia oportunidade em dizer, em alto e bom tom, que doutor Antônio Nominando era “frouxo” e “preguiçoso”. Diplomata que era, Antonio Nominando, respondia com metáforas, o que irritava, sobremaneira, Aloysio Pereira.

Bom orador, o polido doutor Antônio, em suas campanhas eleitorais, pronunciou discursos antológicos e em lugares por demais inusitados, como o que ele fez na rua do Cabaré de Princesa. Nessa campanha, em que era candidato a prefeito, em 1968, defendendo a condição das chamadas “mulheres da vida” em busca dos votos daquela desventurada classe social, perorou:

“Chamam-nas de mulheres de vida fácil. Porém, quão difícil é entender onde está a facilidade de uma vida, quando se é obrigado a corromper o santuário do corpo para adquirir o sustento para a sobrevivência. São, portanto, mulheres de vida difícil, dificílima, que sofrem o preconceito das elites para, de forma imoral, proporcionar a moralidade. São mulheres que dormem tarde, como guardas noturnos, velando pela segurança das famílias de bem.”.

 

Um segundo discurso de Antônio Nominando, proferido na mesma campanha eleitoral (1968), foi inspirado por uma carreata promovida pelo candidato do MDB1, Joaquim Mariano, quando seus eleitores, embriagados, retornando de um comício realizado no Povoado de São José, passaram pela frente da casa de Antônio Nominando, gritando: “Vitória! Vitória!” Em comício realizado no dia seguinte, doutor Antônio respondeu com o seguinte discurso:

 “Enganam-se aqueles que proclamam antecipada a vitória de seus candidatos. O povo de Princesa já decidiu quem será seu próximo governante. A vitória a que esses desavisados se referiam a gritar, ontem à noite, perturbando o descanso das pessoas de bem, era a vitória que estava impregnada em suas cabeças e que, certamente, hoje, estava fazendo mal a seus fígados, pois, tratava-se de estímulo provocado pelo líquido, que é a alma das garrafas, produzido pela destilaria de Vitória de Santo Antão. Líquido que lhes tira o juízo e a capacidade de ver que o vitorioso será o povo, com a candidatura deste que vos fala, para Prefeito de Princesa!”.

A briga entre os dois chefes políticos não durou até o fim. Antônio Nominando, falecido aos 79 anos em 2001, morreu ainda intrigado de Aloysio; este, no entanto, mesmo tendo, em sua longa existência (faleceu aos 94 anos em 24 de maio de 2018), se digladiado ferozmente nos palanques eleitorais com os da família “Diniz”, em 18 de novembro de 2011, numa demonstração de civilidade, se confraternizou, na Câmara Municipal de Princesa, com José Nominando Diniz, filho de seu maior adversário político, Antônio Nominando Diniz. A briga política que começou em 1930, no mais das vezes, era para inglês ver, numa prova de que, na atividade política, tudo pode acontecer e nada pode parecer verdadeiro até que se prove o contrário.



 

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