ODE

domingo, 27 de outubro de 2024

A fuga do coronel José Pereira

Com a vitória da Revolução de 1930, o coronel José Pereira Lima ficou sem chão. Na qualidade de um dos protagonistas maiores das lutas que antecederam aquele movimento, quando se pode dizer que foi Princesa o epicentro onde ocorreram fatos relevantes, que contribuíram grandemente para a ressureição das conspirações que culminariam com a eclosão da Revolução, a cidade, após a vitória dos revoltosos, ficou à mercê dos inimigos do Coronel que antes a defendia com unhas e dentes, durante os longos cinco meses em que o município viveu em beligerância com o poder constituído do estado da Paraíba.

Acuado, Zé Pereira, atendendo conselhos dos próprios oficiais do Exército que ocuparam a cidade após o assassinato do presidente João Pessoa – o capitão João Facó apresentou, ao coronel, o telegrama enviado por Juarez Távora, determinando sua prisão [de Zé Pereira] e sua imediata transferência para Salvador na Bahia – e que, ao invés de prendê-lo o aconselharam a se retirar, acatou a recomendação e resolveu fugir de Princesa. Já na madrugada do dia 05 de outubro, o Coronel se deslocou de Princesa, escoltado por dois sargentos do Exército, em direção à vizinha cidade pernambucana de Triunfo. Ali pernoitou na casa do seu amigo e vigário da cidade, monsenhor Elizeu Duarte Diniz.

Na manhã do dia seguinte (06/10), sabedor de que uma volante da polícia da Paraíba estava em seu encalço, Zé Pereira transferiu-se para a cidade de Flores/PE, onde hospedou-se na residência do coronel João do Nascimento Lopes Barros, que era pai do telegrafista Richomer Barros. Na tarde desse mesmo dia, chegaram a Flores 200 homens bem armados, vindos de Princesa, com o intuito de prestar segurança ao Coronel. À noite, Zé Pereira mandou buscar, em Princesa, sua esposa, dona Xandú, e os dois filhos, Aloysio e Luísa.

Pensou ainda em resistir, porém, seriamente aconselhado pelo capitão João Facó, o Coronel decidiu partir em fuga, inicialmente, para o estado de Alagoas, destino que somente ele sabia. Era a madrugada do dia 07 de outubro. Somente na hora da partida, Zé Pereira se deu conta de que estava completamente sem dinheiro quando foi socorrido por sua esposa, dona Xandú, que lhe entregou 3 contos de réis. Surpreso com atitude da jovem esposa, o coronel questionou de onde ela tirara aquele dinheiro, ao que do Xandu respondeu: “É o dinheiro do leite!”. Dinheiro da venda do leite das vacas de Zé Pereira que ela guardava.

Nove amigos fiéis acompanharam Zé Pereira em sua viagem de fuga. Foram eles: Manoel Rodrigues Sinhô; Francisco Raimundo da Silva (Chicão); Bernardo Silvestre (Turu); Antônio Pessoa de Andrade (Pitó); Abílio Cosmo; Luís Maximiano; Cícero Marrocos; João Campos Góes (Juquinha) e Manoel Carlos de Andrade. Chegados à cidade alagoana de Mata Grande, o Coronel convenceu seus companheiros de fuga a retornarem a Princesa. Somente Abílio Cosmo - artífice e amigo dileto do chefe político princesense – continuou acompanhando Zé Pereira. Para surpresa de todos, ainda em Mata Grande, todos os oito companheiros dispensados - após a partida de Zé Pereira para lugar incerto -, foram presos pela polícia alagoana e, dali conduzidos para a Casa de Detenção no Recife.

Do estado de Alagoas, Zé Pereira foi para a Bahia. Depois, sempre dizendo que ia para um lugar quando, na verdade, se dirigia para outro, ziguezagueando por quase todo o Nordeste, tudo fazia para não deixar rastro. Em seu périplo errante, passou algum tempo numa praia deserta do Recife; instalou-se por alguns dias numa fazenda de um amigo em Vila Bela (atual Serra Talhada); permaneceu algum tempo em casas de fazendeiros amigos e, outros tantos, em locais improvisados no meio do mato. Sempre temeroso de ser encontrado pela polícia, mudava de lugar despistando até os amigos que o acolhiam, quanto ao seu novo itinerário. Ao longo desse período de fuga, Zé Pereira disfarçou-se de vendedor de redes e de fumos, chegando até a mudar seu verdadeiro nome, fazendo chamarem-no de Honorato Cavalcanti ou de Dionísio Pedro.

Arrefecidos os ânimos revolucionários, com saudade da família e com a saúde um pouco debilitada, o Coronel resolveu dirigir-se à capital pernambucana. Chegando ao Recife, homiziou-se numa casa de praia pertencente a um empresário seu amigo. Ali passou quase um ano, onde se encontrou com a mulher e os filhos. Informado de que a polícia já farejava seu esconderijo, viajou até Rio Branco (atual Arcoverde) e dali, partiu novamente para Vila Bela, onde se escondeu no sítio de um amigo, oportunidade que teve para rever, novamente, sua família.

As andanças de Zé Pereira pelos sertões nordestinos fizeram-no percorrer terras dos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Ceará e até o sul do Piauí. Nas brenhas dos sertões nordestinos, o Coronel sofreu o-pão-que-o-diabo-amassou, quando morou em choupanas em meio do mato ou em cavernas de pedras, se alimentando precariamente, tomando pouca água e dormindo em total desconforto. Resistiu a essa adversa situação durante longos quatro anos. Não bastassem as perseguições da polícia, em Pernambuco, sofria também a perseguição do então interventor daquele Estado, Agamenon Magalhães que, mais tarde, se tornaria seu amigo.

Somente em 1934, com a anistia concedida pelo presidente Getúlio Vargas, chefe do Governo Revolucionário, Zé Pereira teve algum sossego. Livre da perseguição política, não se livrou, no entanto, da perseguição da polícia, quando se viu acusado de um crime que não cometera e, por isso não achou conveniente se expor, aguardando o exarar de um habeas corpus pelo Supremo Tribunal Federal, o que somente aconteceu em 1936. Em face desse alvará, o coronel José Pereira retornou a Princesa, onde foi recebido com grande festa. Ressabiado com as coisas da política e desgostoso com alguns acontecidos na sua ausência, mesmo vindo sempre a Princesa, resolveu fixar residência em sua fazenda, Abóboras, no município de Serra Talhada, onde possuía também uma casa de residência na cidade e ali ficou até o final de sua vida.    



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