DONA NATHÁLIA MARIA DO
ESPÍRITO SANTO é uma
figura por demais enigmática. Tida como uma das pessoas que contribuíram para a
fundação do município de Princesa, foi considerada, durante muito tempo, como a
primeira desbravadora das terras princesenses e fundadora do nosso município.
Segundo relato do historiador Paulo Mariano, em seu livro: “Princesa – Antes e
Depois de 30”, o escritor princesense – sem informar a fonte -, relata o seguinte:
“Segundo depoimentos de moradores do
município, a senhora Nathália do Espírito Santo era natural de Pesqueira (PE) e
teria demarcado, no início do século XVIII, uma ‘data de terra’, cujos limites
eram conhecidos pelos habitantes mais antigos. Os marcos que serviam de limites
ficavam localizados nos atuais sítios: Areias, Espinheiro, Gavião e Capoeiras,
todos situados no atual município de Princesa Isabel. Portanto, quem realmente
ocupou e povoou a ‘data de terra’ que deu origem ao município de que se trata, foi dona
Nathália do Espírito Santo”. Esta informação - carecida de maiores detalhes
- foi, mais tarde, contestada por outro historiador princesense, o pesquisador
Francisco Leandro Florêncio, que em trabalho divulgado, afirma o seguinte: “Em 1766 Lourenço de Brito Correia requereu
ao Governo da então Província da Parahyba do Norte as terras em torno da “Lagoa
da Perdição”, numa extensão de 19.000 metros por 6.600 metros, que iam
aproximadamente do Riacho D’Antas (Laje), até o Riacho Grande (Várzea). Daí
seguia até a Escorregada no Riacho Gravatá, seguindo pelo Riacho Tapuio acima,
até chegar ao sítio Jatobá e daí, retornando pela Serra do Gavião até chegar de
volta ao Riacho D’Antas.”. De acordo com a descrição acima, fica
demonstrado que foi esse o território, demarcado por Lourenço de Brito Correia,
que formou o atual município de Princesa. Correia casou-se com Catarina de
Barros Cavalcanti, com quem teve os filhos José D’Araújo Cavalcanti e Ignácia
de Barros Cavalcanti. O filho varão de Lourenço de Brito se casou com a viúva
Nathália Maria do Espírito Santo que aqui aportara no começo do século XVIII. Antes
dessa importante informação da lavra de Francisco Florêncio temos do trabalho
pioneiro do acadêmico e também historiador princesense, Emmanuel Conserva de
Arruda: “A AÇÃO COLONIZADORA PRODUZINDO O ESPAÇO - de aldeias indígenas à
Alagoa da Perdição – (1766-1816)” (ainda não publicado), o seguinte: “Foram os índios da tribo Corema, da nação
Tapuia, que habitavam as terras que se tornaram a fazenda Alagoa da Perdição de
Lourenço de Brito Correia e demais sesmeiros”. Depreende-se daí, que
Nathália Maria do Espírito Santo não foi a pioneira no desbravamento das terras
princesenses, porém, muito contribuiu para a formação do nosso município.
Casada com o filho do primeiro desbravador, Nathália aqui se instalou e se
transformou numa grande fazendeira e criadora de gado e, por consequência, após
a morte do sogro – que passou a residir no sítio Escorregadinha -, se tornou a
primeira comandante do Povoado que se formava no entorno da “Lagoa da Perdição”,
exercendo importante liderança sobre tudo o que acontecia na Vila que se
formava e que seria transformada na futura cidade de Princesa.
Povoadora do Termo
Pelo visto, se
dona Nathália não foi a fundadora, foi a organizadora do núcleo populacional
que deu origem a nossa cidade. Em contributo à ação colonizadora da matriarca,
temos também a figura do padre Francisco Tavares Arcoverde que, com o apoio de
Nathália, erigiu no Termo, em 1859, a primeira Capela do arruado, que consagrou
a Nossa Senhora do Bom Conselho. Para a construção desse pequeno templo,
Arcoverde recebeu a doação de um terreno de propriedade da matriarca. Em 1876,
o arraial, também chamado de “Fazenda de dona Nathália”, foi elevado à
categoria de Freguesia de Nossa Senhora do Bom Conselho. Em 1879, através da Lei
nº 659 a freguesia foi elevada à condição de Vila, com a denominação de Princêza,
o que logo foi revogado e reinstaurado, definitivamente, em 1880. Em 1883
Princêza tornou-se Comarca.
O folclore sobre Nathália
A polêmica
história de dona Nathália do Espírito Santo, colhida através de informações
orais traz muitas referências àquela senhora a quem são atribuídos poderes
sobrenaturais e exercícios de bruxaria. Os mais velhos de Princesa contavam que
dona Nathália se transportava, em constantes visitas às suas várias
propriedades, usando uma vassoura voadora. É claro que isso é puro folclore,
porém, são várias a estórias contadas sobre ela que a apresentam como figura por
demais esquisita. Dentre esses relatos, reproduzo aqui referência feita pela
historiadora pernambucana Maria Helena de Pádua que escreveu estória
interessante sobre essa figura folclórica, contida em seu livro: “Histórias
Fantásticas de um Sertão chamado Triunfo”:
“(...) O Sítio Espírito Santo,
localizado no município de Triunfo, teve como sua mais antiga moradora, que se
tem lembrança, a senhora Natália que, lá pelos anos de 1800 teria aqui chegado
e adquirido um enorme terreno que naquela época, era constituído das seguintes
propriedades: Espírito Santo, Queimadas, Oiti, Jericó, Várzea e Merejo. Senhora
de escravos, dona Natália maltratava os negros que viviam sob seu domínio,
tratava-os cruelmente e não lhes poupava maus tratos submetendo-os a toda espécie
de trabalhos. Dizem até que, por maldade, jogava muitas vezes as chaves da casa
em buracos profundos entre rochas e só por crueldade ordenava aos negros que
fossem buscá-las. Os coitados faziam ganchos com galhos de árvores para
alcançar as chaves, mas estas eram envolvidas em chamas e eles não conseguiam
recuperá-las. Dona de grande riqueza e muita energia trabalhou e fez progredir
suas terras de forma impressionante. Respeitada em toda a região era, no
entanto, temida por quantos a conheciam em virtude de acontecimentos estranhos
que lhe sucediam. Contavam que dona Natália fizera um pacto com o diabo,
cedendo-lhes três pingos de sangue e assim tornara-se amiga do demônio. (...)
Diziam que, ao sair de casa, colocava sobre a cabeça (...) uma gamela (...)
como proteção contra as chuvas de pedras que mãos invisíveis lhe atiravam. Em
outras ocasiões era empurrada para dentro das cacimbas quando ia apanhar água,
correndo o risco de morrer afogada. Algumas vezes era arremessada sobre moitas
de espinhos das quais só conseguia escapar a custa de muito esforço e
sofrimento; às vezes ia a cavalo visitar os sítios da sua propriedade e quando
menos se esperava ela estava em cima das árvores juntamente com o animal que
montava fato muito estranho para todos. (...) Para acabar de uma vez por todas
com tão má impressão e atrair simpatias, dona Natália decidiu então oferecer em
sua casa um almoço aos amigos. Os comentários foram inúmeros. Alguns diziam que
o diabo estaria presente; outros descriam desta hipótese, mas previam algo
anormal. Finalmente chegou o grande dia. (...) As comidas servidas seriam as
melhores, a louça a mais fina e a mesa estaria ornada com a mais bela toalha
que possuía. Tudo pronto. Os visitantes chegavam e a conversação ficava cada
vez mais alegre graças aos esforços da dona da casa que fazia tudo para criar
um clima cordial, um ambiente agradável. O almoço estava servido. Ao passarem
para a sala de jantar os convidados pararam estarrecidos: uma chuva de bosta de
galinha caía sobre a mesa sujando a bela toalha e causando pasmo aos convidados
que observavam o fenômeno. Na mente de dona Natália surgia a figura do demônio
ao qual ela atribuía, agora com certeza, o triste ocorrido. Constrangida
desculpou-se perante os amigos explicando-lhes que um certo camarada era
culpado daquele desagradável incidente. Diante do feio quadro, no qual a bonita
mesa havia se transformado, ninguém pensou mais em almoço e todos regressaram
às suas casas. O tempo foi passando. (...) Dona Natália morreu repentinamente.
Como era costume na região, vizinhos e conhecidos vieram oferecer ajuda para os
rituais de costume: velório, com lamentações, rezas e cânticos fúnebres.
Iniciaram a caminhada para o cemitério de Triunfo. No caminho dois
desconhecidos que diziam chamar-se Brás e Tomás pediram para ajudar um pouco na
condução da rede onde estava a defunta. Aceito o pedido pegaram a rede e um
deles falou para o outro: ‘Pegais Tomás?’ Ao que o outro respondeu: ‘Peguei
Brás. De nós ninguém tomarais (sic)’. E continuaram a caminhada. Foi aí que
aconteceu um fato estranho. Por mais que os homens se esforçassem não
conseguiam acompanhar aqueles que levavam a rede. E assim os dois estranhos
distanciaram-se cada vez mais e de repente desapareceram. Ninguém conseguiu
encontrá-los. Aqueles que presenciaram o fato concluíram que o demônio havia
levado o corpo daquela de cuja alma já era senhor. Alguns moradores da região
afirmam que tão triste ocorrido é a causa da decadência do sítio Espírito Santo
que, apesar do esforço do trabalho realizado pelos moradores, através dos anos,
não tem apresentado o rendimento e o progresso desejados.”.
Primeira
mandatária
Em que pese parecerem estapafúrdios esses relatos, o fato é que dona
Nathália Maria do Espírito Santo existiu, habitou e muito contribuiu, de forma
incisiva, para a formação da cidade de Princesa. Além de proprietária das
terras que formaram o município, a matriarca foi também a primeira mandatária
do termo. Como se não bastasse, faz-se verídica a informação de que, além de ser
também fundadora de Princesa, dona Nathália figura – de acordo com o profícuo
trabalho do pesquisador Francisco Leandro Florêncio -, como importante ancestral
de várias das famílias que hoje se destacam na sociedade princesense. Em face
dessa rica história, está sem dúvida, essa importante mulher – mesmo não
havendo nascido aqui -, a merecer compor a galeria dos filhos ilustres de
Princesa, pois, se não filha, pode ser considerada – ao lado de Lourenço de
Brito Correia -, como a mãe da nossa municipalidade. Hoje, em sua homenagem, o
“Marco Zero” da nossa cidade, a Lagoa da Perdição, na qualidade de principal
logradouro da cidade, leva o nome de “Praça Dona Nathália do Espírito Santo”.
(Escrito por Domingos Sávio Maximiano
Roberto, em 09 de setembro de 2019).
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