Em passado recente,
quase todas as cidades do interior tinham seu Cabaré. Princesa não fugindo à
regra, tinha o seu também, que era um dos maiores e mais movimentados do sertão
paraibano. No Cabaré de Princesa, situado à Rua da Lapa, no Bairro do Cruzeiro
e comandado por Estrela, faziam ponto várias raparigas, grande parte delas
vindas da cidade de Teixeira/PB. A maioria das quengas era formada por jovens
garotas pobres que se haviam “perdido” com rapazes ricos e, postas para fora de
suas casas pelos pais envergonhados, não tinham alternativa senão habitar o
meretrício. Da mesma forma que vinham de Teixeira prá cá - num verdadeiro
intercâmbio -, as daqui iam para lá ou para outros lugares. Aqui chegando,
ganhavam logo um apelido. Na década de 1970, as principais “mulheres da vida”
(como eram chamadas pelas “mulheres de bem”), que ali habitavam ou faziam ponto
eram, dentre outras: Rita Quarto-de-Bode; Aninha Papo-Verde; Toinha Baú;
Pipoca; Lourdes Branca; Bola de Japonês; Pixuíta; Socorro Preta de Chibata;
Ferro Velho; Socorro de Chico Pena; Maria do Tiro; Rita de Andrade; Lindalva de
Pimpa; Fátima Jiboia; Orlaneide; Ana Bago-Mole; Ana Badulaque; e Crista de
Peru. Interessante observar, que muitas das mulheres que moraram no bordel
princesense se transformaram, mais tarde, em senhoras de bem. Algumas - não
citarei seus nomes aqui para não ferir susceptibilidades - foram retiradas dali
por homens da sociedade que as fizeram de suas esposas, constituindo famílias
decentes e se integrando à sociedade.
Estrela, a
delegada do Cabaré
Estrela, não era a
dona do Cabaré, porém, exercia o papel de administradora. Apaziguava ânimos
violentos, fiscalizava quanto à presença de menores naquele recinto de
libertinagem e, muitas vezes, reclamava com as prostitutas que se envolviam com
jovens menores de 18 anos, chegando até a comunicar aos pais destes sobre o
fato de que seus filhos estavam frequentando aquele ambiente antes de terem
idade suficiente para tanto. Além desse papel delegatório, a “decana” da
chamada “Zona”, promovia também em seu bar, o fazimento de deliciosas buchadas
que eram pratos cheios para os grandes da sociedade princesense que se
refestelavam, aos domingos, com a culinária da “chefa” do Cabaré. Muitos
senhores ditos de bem, a exemplo do barbeiro Benedito Mendes; Antônio Mandaú;
Aderbal Holanda; Genésio Lima; professor Zé Sobrinho (“Pai Zé”); Batinho;
Manito; Samuel Medeiros; Chico Sobreira; Inocêncio Nóbrega; Severino Barbosa;
Mirabeau Lacerda; Sebastião Medeiros; dentre outros, comiam as buchadas e ainda
levavam pratos para suas esposas em casa. Estrela vivia como se fosse casada
com Pedro Caboclo que era, além de dono do bar, músico muito competente. Aliás,
era Pedro quem tocava a corneta que comandava o desfile do dia “7 de Setembro”
do Ginásio “Nossa Senhora do Bom Conselho”, executando belos dobrados que,
lembrados, nos conduzem a um tempo que nos provoca saudades. O conceito de
Estrela junto à sociedade princesense era tão grande, que as raparigas, que
participavam de uma única procissão da Igreja Católica, que era o cortejo do
“Senhor Morto” na Sexta-Feira Santa, só o podiam fazer se estivessem na
companhia da comandante do Cabaré.
Lazer e violência
No seu auge, nas
décadas de 60 e 70, o Meretrício da Rua da Lapa era ponto de vários boêmios.
Frequentavam o Cabaré, de forma contumaz, os jovens: Andrade de Manoel
Marrocos; Chico Rodrigues; Djalma Rosas; Hélio de Sebastião Medeiros; Pimpa;
Parangolé; Manito; Paulo Mariano, dentre outros em substituição aos mais
antigos como: Tozinho Leandro, Aparício Duarte, Sebastião Medeiros, “seu” Iês,
Batista Arruda, etc. Em muitas ocasiões aconteciam serenatas cantadas na voz de
Pedro e de Paulo Bocão e, nessas quadras, aconteciam sérias confusões que, no
mais das vezes, culminavam com assassinatos, a exemplo dos que ceifaram as
vidas de Luís Pitanga, Pedro Bocão, Chico de Cassimiro, Roberto de Mané Gato,
dentre outros.
O Cabaré e a serpente
Contam-se muitas histórias sobre o Cabaré de Princesa. Uma
das mais interessantes refere-se ao relato de que, no açude Macapá, também
conhecido como Açude Novo, existia uma serpente (cobra) que se transformou de
uma criança recém-nascida no Meretrício e que, abandonada pela mãe, foi jogada,
ainda viva, naquele manancial. Como castigo, a criança transformara-se em uma
serpente. A estória tomou corpo, ao ponto de muitos acreditarem piamente na
veracidade dessa maldição. O senhor Antônio Nunes, marceneiro de Princesa, que
gostava de pescar naquele açude, relatava que foi picado pela serpente e dizia
isso com tanta convicção que terminou acreditando em sua estória. Sei que
faleceu muitos anos depois da ocorrência da “picada” e viveu o resto de seus
dias mancando de uma perna, segundo o próprio, em consequência daquele acidente
humano-ofídico.
O Cabaré e a política
O Prostíbulo de Princesa fez história
durante o tempo. Além de ser local frequentado pelos homens de bem de Princesa
- nem sempre com o intuito da fornicação, mas, para conversarem sobre política
tomando um bom uísque ou jogando cartas -, era, na verdade um ponto de encontro
que acontecia todos os domingos. Ali também se registrou algo que acredito só
tenha ocorrido em Princesa: um comício numa campanha eleitoral para a escolha
do prefeito. Foi em 1968 quando da campanha eleitoral de doutor Antônio
Nominando Diniz, que concorria à Prefeitura, disputando com Joaquim Mariano e
Miguel Rodrigues que se realizou, em pleno Cabaré, uma concentração
cívico-eleitoral. Nessa ocasião, primeiro, discursou a futura primeira-dama,
dona Socorro, esposa de Miron Maia, candidato a vice-prefeito na chapa de
Antônio Nominando. Na sequência, foram vários os oradores e, para encerrar,
falou o candidato a prefeito, doutor Antônio que, em sua peroração, discursou
referindo-se às prostitutas, em inteligente homenagem:
“Chamam-nas de mulheres de vida
fácil. Porém, quão difícil é entender onde está a facilidade de uma vida,
quando se é obrigado a corromper o santuário do corpo para adquirir o sustento
para a sobrevivência. São, portanto, mulheres de vida difícil, dificílima, que
sofrem o preconceito das elites para, de forma imoral, proporcionar a
moralidade. São mulheres que dormem tarde, como guardas noturnos, velando pela
segurança das famílias de bem.”.
Como vimos, o Cabaré
de Princesa fez história quando se imiscuiu em várias das atividades sociais,
religiosas e políticas do município. Lamentavelmente, não existem mais cabarés
como antigamente. Os de hoje, perderam o charme, o elã, uma vez funcionarem sem
empanadas. São arenas à céu aberto.
(Escrito por
Domingos Sávio Maximiano Roberto, em 10 de dezembro de 2019).
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