Logo após o rompimento político do coronel José Pereira com o presidente João Pessoa, esteve em Princesa, trazendo já o primeiro carregamento de armas e munições, o empresário pernambucano, João Pessoa de Queiroz. Já deflagrado o conflito com a polícia paraibana, Princesa estava em pé de guerra. A essa altura, o coronel já tinha 800 homens em armas. Aqui chegado, o empresário reuniu-se com Zé Pereira e seu Estado Maior para planejarem e desenvolverem as diretrizes da guerra que se iniciava. Atendendo solicitação do coronel, o empresário pernambucano concordou em apelar para um seu amigo, o influente padre Cícero Romão Batista, no sentido de arregimentar homens para reforço na composição das tropas dos agora chamados “Libertadores de Princesa”. Era o dia 03 de março de 1930, data em que foram expedidas duas cartas para o velho padre do Juazeiro, assinadas, a primeira pelo coronel e, a segunda por João Pessoa de Queiroz. Ambas as missivas expunham a ocorrência do conflito e, ao mesmo tempo, pediam o apoio do patriarca cearense. Encarregado de conduzir a importante correspondência partiu de Princesa para Juazeiro, no mesmo dia, o então prefeito da cidade, major José Frazão de Medeiros Lima.
A resposta do Padre Cícero
Chegando a Juazeiro, percurso que fez via o povoado de Alagoa Nova (atual Manaíra), em busca de Misericórdia e demandando para o Ceará, o major Zé Frazão, logo entregou as mensagens escritas ao padre Cícero. Este lhe pediu que aguardasse que encaminharia, pelo mesmo portador, as respostas às missivas recebidas. No dia 09 de março, o sacerdote responde às duas cartas (lamentavelmente só temos conhecimento da que foi endereçada a João Pessoa de Queiroz), eis o teor da missiva:
“Juazeiro 9 de março de 1930
Prezado e Ile. Amº. Cel. João Pessoa de Queiroz:
Respondo à sua última carta de que foi portador o nosso amigo Cel. José Frazão. Nesta mesma ocasião escrevi também uma carta ao Cel. José Pereira, na qual lhe informo o modo por que pretendo interferir na questão política da Paraíba. Como sabe a minha situação de sacerdote e de amigo de todo esse povo do Nordeste me impõe o dever de só interferir em movimento como o que aí se esboça no sentido de evitar uma luta fratricida de destruição entre irmãos. Vou, portanto me dirigir ao Presidente João Pessoa fazendo-lhe as sugestões que me parecem convenientes, dentro desse meu ponto de vista. Espero que o meu prezado amigo estará de acordo com o que ora lhe digo. Confio também que o caso será solucionado pelos meios mais convenientes e legais, porque estou certo de que o Presidente Washington Luís não deixará ao desamparo os amigos que estiveram ao seu lado defendendo com dedicação a causa por que se interessava. Queira sempre dispor do seu velho amº. E adº. Padre Cicero Romão.”.
Vê-se, nessa carta, clara demonstração de simpatia, do padre Cícero, ao movimento liderado pelo coronel Zé Pereira, quando afirma, no último parágrafo da carta enviada a Pessoa de Queiroz, que confia que o presidente Washington Luís não deixará desamparados os amigos que sempre estiveram ao seu lado. O padre sabia que o presidente João Pessoa era adversário do presidente da República e que o coronel de Princesa, como ele [Padre Cícero], haviam sufragado os nomes de Júlio Prestes e Vital Soares (candidatos apoiados pelo presidente da República, Washington Luís), para presidente e vice-presidente da República nas eleições do último dia 1º de março.
A reação do presidente João Pessoa
Sabedor da troca de correspondências entre o coronel Zé Pereira, seu primo João Pessoa de Queiroz e o padre Cícero Romão Batista, o presidente João Pessoa, indignado, expediu carta ao padre do Juazeiro pedindo explicações sobre seu apoio ao movimento “sedicioso” de Princesa, acrescentando ser de seu conhecimento que um “aventureiro” chamado José Terto, estaria contratando homens daquela região polarizada por Juazeiro, para reforço das tropas de Princesa, lideradas por José Pereira. Diante desse questionamento do presidente paraibano, o patriarca cearense, no dia 13 de março, mandou expedir o seguinte telegrama:
“Juazeiro – Pres. João Pessoa – Demorei a resposta do seu último telegrama colhendo informações sobre a denúncia que trouxe ao meu conhecimento de se achar José Terto aliciando elementos armados neste município destinado às lutas políticas nesse Estado. José Terto efetivamente aqui esteve, tendo-se retirado há 3dias, não constando que tenha conseguido reunir pessoa alguma. Aliás devo adiantar que não permitirei que ele ou quem quer que seja agencie homens no município que dirijo, pois em qualquer circunstância seria meu dever fazer a defesa dos créditos desta cidade, cuja população sempre orientei na prática do honroso trabalho. Agorapermita que faça um apelo particular a amizade com que me distingue no sentido de evitar a luta fratricida que ameaça afligir a tranquilidade do povo paraibano. Confio no patriotismo que lhe dará a necessária serenidade para procurar uma fórmula que solucione o caso aí corrente, sem o derramamento do sangue dos seus governados. Estou certo de que este apelo encontrará o melhor acolhimento no seu esclarecido espírito e visão de chefe de Estado. Estimaria saber seu ponto de vista a este respeito. – Cordiais Sudações – (a) Pe. Cícero Romão.”.
No dia 15 de março, o presidente João Pessoa responde ao padre Cícero através de um telegrama com o seguinte conteúdo:
“Respondendo ao telegrama de 13 do corrente, do meu caro amigo, é com verdadeiro pesar que deixo de atender ao seu pedido. Não sinto qualquer responsabilidade nos tristes fatos que se desenrolam em Princesa. Ninguém os lamenta mais do que eu. Estava todo entregue aos deveres do meu cargo, cuidando sinceramente do bem da minha terra, quando a paz, a vida e o trabalho do Estado foram, inopinada e insolitamente, perturbados e comprometidos pela ofensiva de José Pereira e seus assalariados. Todos me ameaçavam e prometiam dominar pelo trabuco. Não me era possível, com minhas responsabilidades, cruzar os braços diante de tal atitude. Agi, mas as nossas forças têm-se mantido na defensiva. Quero minorar sacrifícios, poupar vidas. Aceitar a proposta do meu nobre amigo – perdoe-me a franqueza – seria sacrificar a própria dignidade e trair os meus conterrâneos. Estou dentro da lei. Os criminosos, pois, deponham as armas e entreguem-se confiantes. Seremos justos. – Abraços – (a) João Pessoa.”.
Vê-se, do telegrama de João Pessoa, que este fugiu ao apelo do sacerdote e, ainda por cima mentiu quando se disse na defensiva, uma vez que foi a polícia paraibana quem deu início ao conflito com o ataque à cidade de Teixeira. É certo que padre Cícero mentiu também em sua missiva ao presidente quando afirmou que nenhum homem foi aliciado no Juazeiro para lutar em Princesa, pois, é sabido de vários alugados daquele Estado que participaram ativamente da Guerra de Princesa.
(ESCRITO POR DOMINGOS SÁVIO MAXIMIANO ROBERTO, EM 1º DE ABRIL DE 2020).
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