ODE

segunda-feira, 13 de julho de 2020

90 ANOS DA GUERRA DE PRINCESA – CRONOLOGIA DE UM CONFLITO O ASSALTO À RESIDÊNCIA DE JOÃO DANTAS




No dia 10 de julho de 1930, a polícia paraibana, sob o comando do delegado da Capital, doutor Manuel Ribeiro de Moraes, arrombou os aposentos do advogado, doutor João Duarte Dantas. Esse crime, foi arquitetado pelo chefe interino de polícia, senhor Adhemar Vidal (embora a maioria dos escritos sobre o caso, deem como certa essa iniciativa a Vidal, alguns historiadores atribuem, a autoria intelectual desse ato terrorista, ao próprio presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque). A morada do causídico, que funcionava também como seu escritório de trabalho, situava-se na antiga Rua Direita, nº 519 (atual Rua Duque de Caxias), no centro da Capital paraibana. Naquele dia, no auge da Guerra de Princesa, ânimos acirradíssimos, comandados da polícia adentraram ao imóvel de João Dantas e destruíram tudo. Jogaram seus pertences (fotografias, livros, utensílios domésticos, móveis, papéis, etc.), no meio da rua e se apossaram de seus escritos e de algumas fotografias ditas comprometedoras, para a promoção da desmoralização do advogado. Além dessa incruenta ação, arrombaram também o cofre, de onde surrupiaram uma promissória, de uma firma de propriedade de um dos aliados do presidente João Pessoa, que estava sendo executada judicialmente,pelo escritório de João Dantas.

Execração pública

Após o violento ato, os aliados palacianos do presidente João Pessoa, promoveram a divulgação de vários documentos, dentre eles cartas amorosas de Dantas, que haviam sido remetidas à sua namorada, a professora Anayde Beiriz; cartas de família e alguns de seus escritos poéticos. Tudo isso foi depois, veiculado pelo órgão oficial de imprensa, o jornal A União. Além da divulgação, artigos eram escritos denegrindo a honra de João Dantas, numa diária exposição ao ridículo e sempre com a promessa, de que muitas outras coisas seriam publicadas, exceto as que atentavam contra a moral e o pudor, numa insinuação de que o advogado era um depravado. Mesmo havendo a desculpa, por parte da polícia, de que o arrombamento foi promovido por motivo de denúncias de que Dantas, escondia ali, armas contrabandeadas que seriam enviadas a Princesa, nenhuma arma ou munições, foram encontradas no apartamento do advogado. Mais tarde, após o assassinato do presidente João Pessoa, seus aliados tentaram isentar de culpa pelo atentado, o desditoso presidente, alegando que Pessoa sequer sabia dessa urdidura. Porém, esqueceram-se do que foi noticiado no jornal oficial do Estado: “O governo autorizou-nos a estampar alguns dos documentos, e é o que vamos fazer”.E foi o que fizeram, a partir do dia 21 de julho. Em face disso, depreende-se que o arrombamento, a depredação e a publicação dos papéis íntimos de João Dantas, foi tudorealizado com o conhecimento e a anuência do presidente João Pessoa. Conforme escreveu o escritor e jornalista, Carlos Dias Fernandes, em seu livro: Fretana, páginas 215 a 216:

“Ordenou Villôa (João Pessoa), o arrombamento do seu domicílio (de João Dantas), onde se violou sua secretária, dentro da qual se encontravam cartas íntimas do brilhante causídico à eleita do seu amor, a futura companheira do seu destino. A sacratíssima correspondência foi dada em pábulo à curiosidade pública, na redação do jornal do governo, que não se pejou de chamar para ela a atenção dos leitores. É de ver a profunda, a revoltada indignação que esta vilania despertou no ‘ânimo intrépido de João Dantas, criado desde o berço, no mais perseverante desvelo pelos deveres da honra, pelos recatos da família, e do lar. Quando lhe chegou no Recife a nova acabrunhadora, escreveu João Dantas à sua gentil prometida (Anayde Beiriz), dizendo-lhe que haveria de lavar com sangue a clamorosidade daquela mácula’”.  

Consequências

O atentado terrorista perpetrado contra o escritório de João Dantas - que se encontrava morando em Recife, saído da capital paraibana, fugido da sanha de seus inimigos políticos -, pôs todos a todos na espreita de que algo terrível iria acontecer. Muitos conheciam o temperamento azougado do advogado, sabiam do seu conceito de honra, e entendiam que essa desfeita não ficaria impune. Sabia, João Dantas, que depois desse episódio, não mais poderiaele morar na Paraíba; sentia-se desmoralizado de acordo com os seus conceitos de honra, que imperavam naquela época. Sertanejo que era, entendia que um homem como ele não poderia aguentar esse desaforo passivamente. Jurou vingar-se, responsabilizando o presidente João Pessoa, como o mandante daquele inominável crime. Jurou matá-lo e matou mesmo. Na verdade, os desentendimentos que provocaram a indisposição do presidente paraibano, com os da família Dantas, remontavam a tempos antigos, o que se exacerbou e tornou-se mais acirrado quando do início da Guerra de Princesa. Durante a guerra, os Dantas postaram-se como apoiadores do coronel José Pereira. Em retaliação a esse posicionamento, a polícia paraibana prendeu o irmão de João Dantas, Joaquim Dantas, e incendiou a fazenda de seu pai, Franklin Dantas. Em face disso, o advogado protestou junto a João Pessoa, com o seguinte telegrama, contido de grave ameaça:

“Recife, 1º de junho de 1930 – Presidente João Pessoa – Paraíba - Acabo receber confirmação continua incomunicável Piancó sob vistas vosso chefe polícia meu irmão Joaquim, sequestrado vossa ordem desde 23 maio, enquanto fizestes polícia informar falsamente Tribunal ter sido posto em liberdade. Agora sei ordenastes incêndio fazenda meu pai de cuja realização sois bem capaz, pois mesmo fez vossa polícia fazenda Santo Agostinho pertencente minha família. Matai, depredai, vontade, aproveitando cômoda oportunidade satisfação vossos instintos, mas ficai certo nenhum Dantas se amedrontará nem se humilhará diante vosso capricho. E uma vez vosso obliterado senso moral, obscura consciência jurídica vos permitem tais desatinos, apesar longo exercício magistratura, sou forçado lembrar, sem estardalhaços tão do agrado vosso temperamento teatral, que felizmente tendes filhos e juntamente com eles respondereis pelo que sofrer minha família, respondendo também Estado pelos prejuízos materiais nos causardes. Saudações – João Duarte Dantas”.

Em resposta a esse telegrama e, no mesmo nível de provocação, o presidente João Pessoa, mandou publicar no jornal, A União, no dia 03 de junho, o seguinte artigo:

“O presidente João Pessoa mal conhece esse molambo que acode pelo nome de João Dantas. (...) Até que agora, depois de deflagrados os acontecimentos de Princesa, o miserável se transformou em espião a serviço dos cangaceiros, acertando finalmente comum serviço bem à altura de sua falta de escrúpulo e de sua falta de caráter. (...) Agora, João Dantas, com uma bravura telegráfica igual a de seu primo Duarte Dantas, manda da vizinha capital do sul esse despacho ameaçador ao chefe do governo. Despacho onde se estampa toda a influência ancestral de perversidade e cobardia dos Dantas. João Dantas, impossibilitado de se vingar do presidente João Pessoa, desse presidente que todo dia encontrava nas nossas ruas, sem ter a coragem de um só gesto de descontentamento, jura-lhe, num desabafo de bandido, os filhos menores, o mais velho dos quais tem 17 anos! Covardia igual vamos encontrar mesmo nesta campanha (Princesa) em dois dignos membros dessa família de celerados”.

A partir daí, começou a divulgação de uma série de artigos desaforados e ameaçadores, de lado a lado; João Dantas, através da folha pernambucana, Jornal do Commércio, pertencente aos Pessoa de Queiroz; João Pessoa, pelas páginas do órgão oficial de imprensa do estado da Paraíba, A UniãoO arrombamento da casa do advogado, não teve o conhecimento, nem a aprovação do chefe do Estado Maior das forças policiais da Paraíba, José Américo de Almeida, que se encontrava em Piancó. Chegado à Capital, ao tomar conhecimento, este, reprovou a nefasta ação. Já mais tarde, em suas memórias, descritas no livro: O Ano do Nego, José Américo, desabafou: “(...) o assalto à residência de João Dantas, na Paraíba, fora uma monstruosidade. Estivesse eu na capital e isso não se teria dado”Essa invasão domiciliar foi, portanto, a gota d’água para o desfecho, dezesseis dias depois, da tragédia da Confeitaria Glória no Recife.


DSMR, EM 13 DE JULHO DE 2020.

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