ESCRAVOS TIGRADOS
Por cerca de 300 anos perdurou, no Brasil, uma situação por demais humilhante, constrangedora e fedorenta. Desde o período colonial, os escravizados brasileiros desempenhavam os mais diversos serviços para viabilizar o conforto dos brancos. As atividades mais penosas,desempenhadas pelos cativos, eram algumas das obrigações domésticas. Em cidades como o Rio de Janeiro, Recife e Salvador (as maiores cidades do País no período colonial e início do Império), os negros eram utilizados não somente nos trabalhos braçais das lavouras, mas também nos afazeres da lide doméstica. Naquele tempo, não existiam banheiros nas casas. Por conta disso, o elemento servil, era designado para fazer o recolhimento e o despejamento, diário, das fezes e das urinas que eram depositados nos penicos das casas dos brancos ricos. Exercitavam esse abominável ofício, transportando em tonéis às costas, com o torso nu, os excrementos expelidos pelas elites colono-imperiais. Durante o trajeto do transporte – que ia das residências até o mar ou os rios -, os dejetos vazavam e escorriam pelas partes superiores de seus corpos, liberando ureia e amônia, o que deixava marcas indeléveis em suas peles, manchas brancas que contrastavam com a cor da pele dos pretos, os deixando parecidos com tigres. Por isso, eram apelidados de “tigrados”, ou “escravos tigres”. Essa situação colocava os cativos “tigrados” em dupla situação de marginalidade, pois, além de rejeitados pela condição social, as pessoas, ao encontrá-los nas ruas, os evitavam pelo forte mal cheiro que exalavam. Essa situação perdurou, em algumas das cidades brasileiras, até 1860, quando, de volta de uma de suas viagens a Europa, o imperador, Dom Pedro II, trouxe para cá as novidades tecnológicas que permitiam práticas sanitárias mais civilizadas. Instaladas as latrinas, nos fundos das casas de residência, os negros deixaram de exercer essa desprezível tarefa. Mesmo assim, os “escravos tigres”, jamais se livraram dessas terríveis manchas e viveram, até o fim, marcados pelos excrementos dos ricos senhores e das fidalgas damas da corte brasileira. Morreram “tigrados”.
DSMR, EM 13 DE AGOSTO DE 2020.
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