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quarta-feira, 30 de março de 2022

LER PARA CONHECER A NOSSA HISTÓRIA ANAIS DA SEMANA COMEMORATIVA DA REVOLUÇÃO DE 30


REVOLUÇÃO DE 30 – DISCUSSÃO FINAL

COORDENAÇÃO DO SENADOR MARCONDES GADELHA

O livro que ora resenhamos é na verdade um compêndio das discussões e dos depoimentos proferidos por ocasião do Simpósio realizado entre 29 e 31 de outubro de 1980 na Câmara dos Deputados, em Brasília, sob a coordenação do então senador paraibano, Marcondes Gadelha, em comemoração aos 50 anos da Revolução de 1930.

Já na apresentação desse importante trabalho, escrita por Gadelha, ele pontua que a publicação reúne “agentes históricos que participaram dos embates de 30 em campos opostos e que, agora encontram-se congraçados pelo longo prazo de experiência destes cinco decênios e co-partícipes (sic) deste debate original” “(...) com a participação eminente de renomados historiadores e cientistas políticos através de suas conferências, comentários de debates”. Ressaltando a importância da obra, o senador realça: “Teatro dos conflitos armados que abalaram a vida nacional em 1929-1930, com a revolução de Princesa, a Paraíba tornou-se então epicentro da política que envolveu João Pessoa e Washington Luís”. Como vemos, já na apresentação se insere Princesa como ponto central desse momento histórico nacional.    

Foram vários os depoimentos e debates, dos quais participaram historiadores do quilate de José Octávio de Arruda Mello; Aspásia Camargo; Joaquim Inojosa; Vamireh Chacon; Paulo Pinheiro Chagas; José Joffily; Barbosa Lima Sobrinho, dentre outros. Nessa resenha, damos ênfase à evidente importância que teve, Princesa, no contexto da Revolução de 1930. Nos obriga a isso o fato de que, ao longo de quase 100 anos, não foi dada a importância devida à chamada Guerra de Princesa o que, com o conhecimento dos fatos através dos credenciados depoimentos contidos nesta obra resgatará, sem dúvida, a verdade sobre aquele importante período histórico colocando Princesa no lugar de destaque que merece.

Em seu depoimento, o professor José Octávio de Arruda Mello deixa claro que a Guerra de Princesa foi, sem dúvida, circunstância principal para transformar o presidente da Paraíba, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque num adepto da Revolução. Na página 77, nas palavras de Arruda Mello, está posto que, João Pessoa, em que pese ser um legalista:


“Por conta das contingências, por conta das circunstâncias, se fará revolucionário. Então, quando o processo histórico se acelera e nós chegamos exatamente àquela fase crítica ou agônica da Paraíba, de maio a junho (1930), com a República de Princesa em armas, com o Exército ocupando o Estado inteiro, sobram para João Pessoa duas saídas: a morte ou a revolução. Ele, por coincidência, vai conseguir as duas. São duas saídas para João Pessoa dentro daquele quadro”.

Considerando a frase proferida por João Pessoa, ainda em 1929, quando disse: “Prefiro mil vezes Júlio Prestes à revolução”, fica patente a influência da Guerra de Princesa na mudança de comportamento do presidente, corroborando - como bem disse José Octávio – o orteguianismo de que “o homem é o homem mais suas circunstâncias”.

Lá adiante, na página 86, nas palavras do conferencista, o cientista político Vamireh Chacon de Albuquerque, este traz à luz importante informação quando diz que já em junho de 1930, numa demonstração da relevância do que acontecia na Paraíba e no Brasil, os Estados Unidos da América, através de seu embaixador no Brasil, Edwin Vernon Morgan, já se preocupavam com o levante de Princesa. Disse Vamireh:


“Em 3 de junho de 1930, Morgan chamava a atenção para a rebelião de Princesa na Paraíba e consequente resistência de João Pessoa. Também apontava a depuração dos parlamentares eleitos pela comissão de reconhecimento dominada pelo partido governamental. Duas das causas da rebelião batendo às portas, enquanto Washington Luís ainda se considerava onisciente e, portanto, onipotente”.

 

Como vimos, a Guerra de Princesa não foi um fato isolado, tampouco algo irrelevante, inclusive quando o diplomata americano se refere também à degola dos deputados da Aliança Liberal que tiveram seus votos anulados pela Comissão verificadora da Câmara Federal, que deu a vitória aos deputados perrepistas que ficaram sendo conhecidos como os “deputados de Princesa”.

Mais na frente, na página 104 do livro, na palestra proferida pelo médico e político mineiro, Paulo Pinheiro Chagas, que foi ativista da Revolução de 1930, este se refere também ao que chamou de “esbulho” à usurpação dos mandatos dos candidatos paraibanos à Câmara Federal e ao Senado da República:


“Não obstante, se a conspiração, com seus vaivéns, dúvidas e hesitações, se arrastava num terreno inçado de tropeços, por outro lado, ela recebia novos alentos com os desmandos do Governo Federal. Contra a Paraíba, então, se desencadeou uma tremenda vindita. Sua autonomia foi sacrificada, fez-se o esbulho de sua representação na Câmara e no Senado, prestigiando-se José Pereira e seus jagunços. Essa onda de violência trazia, como resultado, em fins de julho, o assassinato de João Pessoa. O impacto que esse crime causou, na emoção nacional, reacendeu a flama revolucionária. Lembro-me de Lindolfo Collor, produzindo um notável discurso, na Câmara dos Deputados, e que terminava com estas palavras, inspiradas no episódio de Caim e Abel: ‘Presidente da República, que fizeste do Presidente da Paraíba?’”

 

Esse depoimento de Pinheiro Chagas denota claramente a ligação da Guerra de Princesa com o desenrolar dos fatos que se sucederam e que culminaram com o assassinato do desditoso presidente João Pessoa, o que teve, como consequência a eclosão da Revolução de 1930. Acrescenta ainda, Paulo Pinheiro Chagas:


“Aliás, João Pessoa morrera de pé, como morrem as árvores. Washington Luís nunca lhe perdoou o NEGO (depois inscrito na bandeira da Paraíba) com que se recusara a apoiar a candidatura oficial. Seu assassinato foi produto da política de vendeta levada a efeito pelo Governo federal que, no seu desvario, apoiou e alimentou a insurreição do cangaço (sic) contra as autoridades paraibanas. Já agora, a revolução era um fato inelutável, irreversível”.

 

O grifo na citação acima é nosso para evidenciar o que assinalamos no parágrafo anterior.

Mais um depoimento importante encontramos a partir da página 116 da obra em tela. É o do senhor Jacob Guilherme Frantz, um gaúcho de origem alemã, que veio para a Paraíba com o intuito de se incorporar à Força Pública para lutar contra os homens de Zé Pereira. Aqui, exerceu os cargos de deputado estadual, deputado federal, secretário de Estado e prefeito de várias cidades paraibanas. Em que pese seu depoimento estar contido de natural facciosismo, nele, se destacam pontos interessantes, e da maior importância, para entendermos a efetiva inserção de Princesa na história desenrolada em 1930. Na página 118, Frantz relata as condições em que lutou na Guerra de Princesa:

 

“O que se pretendia era lutar e isso conseguimos. Fomos incorporados ao chamado Batalhão Provisório que lutava contra Princesa. Foi-nos distribuído um fuzil novo e 400 cartuchos ainda todos melados de sebo, munição que vinha do Rio Grande do Sul em forma clandestina, dentro de barricas de sebo, que naquele tempo eram compradas pela Paraíba para fabrico de sabonete e sabão. Então, determinados elementos do Rio Grande do Sul mandavam cunhetes e munição, dentro dessas barricas de sebo, que eram recebidas como auxílio do Rio Grande para a luta de Princesa. Mas mesmo esse processo clandestino de remessa de munição foi denunciado e, pouco a pouco, a fiscalização alfandegária tornou-se tão grande que nem isso se tornou mais possível. Então a Paraíba passou a viver de munição comprada daqueles elementos mais vinculados ao cangaço, como os elementos de Floro (Bartolomeu) do Juazeiro do Padre Cícero, e de outros elementos. Oficiais da polícia eram comissionados para a compra desse material de guerra. E que material era? Balas de rifle e rifles velhos. Com meia dúzia de tiros a bala caía pertinho, de tanto que ele esquentava”. 

Jacob Guilherme Frantz discorre também sobre a ocupação de Princesa pela Polícia da Paraíba, logo após o assassinato do presidente João Pessoa, e fala da retirada da tropa do Exército Brasileiro, acantonada em Princesa, formando um Batalhão de 180 homens, comandado pelo capitão João Facó. Esse depoimento se reveste de grande importância pelo fato de pouco haver sido divulgado, o que coloca Princesa no epicentro do movimento que antecedeu a eclosão da Revolução de 1930. Vejamos:

 

”Assumiu o Governo do Estado Álvaro de Carvalho, homem de bem, que mandou chamar Emerson Benjamin e este modesto orador que aqui fala, para organizarmos um contingente de 30 homens e tomarmos conta do policiamento de Princesa, reincorporando, assim, Princesa novamente ao estado, porque tinha sido decretado território livre (...)”. “(...) Fizemos ver ao presidente Álvaro de Carvalho que não era possível 30 homens só, porque lá eles não se aguentariam de jeito nenhum: 180 homens do Exército bem armados, dentro de Princesa e o pessoal de Zé Pereira. Ele concordou em que levássemos 50. Mas, ao sairmos do Palácio do Governo, já eles tinham um recado. José Américo, que era o chefe de segurança pública, mandava que passássemos no seu gabinete para conversar. E lá ele nos disse: ‘Olha, vocês não vão levar 50 nem 30 homens, vocês vão levar o que vocês puderem levar, 300 homens ou mais, porque o estouro da revolução nacional está dependendo da chegada de vocês em Princesa, para evitar que a força federal que está lá, amparando e protegendo José Pereira, se junte a José Pereira - que tinha talvez quase 1.000 homens com armas - e assim organizem um poderoso contingente contra a revolução nacional dentro do coração do Nordeste’. Então a nossa presença era fundamental para isso. Ordem recebida, ordem cumprida. Organizamos os 300 homens e fomos a Princesa”.

 

Como vemos, era dada superior importância a Princesa naquele momento crucial da nossa história: “O coração do Nordeste”. Dito por um dos próceres pré-revolucionários, dando conta de que, sem a prévia rendição de Princesa, poderia tornar-se impossível a deflagração do movimento revolucionário no Brasil. O contingente da Polícia Militar que aportou em Princesa causou tumulto logo na chegada quando um sargento, Vicente Chaves, matou um popular na sala de uma casa localizada no Bairro do Cruzeiro.

No dia 3 de outubro chega a Princesa um telegrama cifrado, do Recife, assinado por José Américo de Almeida com a seguinte informação: “Revolução estará na rua às 4 horas da madrugada no Rio Grande do Sul e demais Estados do Brasil”. Essa mensagem era a senha para que o pelotão de soldados da Polícia Militar, estacionado em Princesa, instasse para que o capitão João Facó depusesse armas ou aderisse ao movimento revolucionário. Segundo Jacob Guilherme Frantz, ele, juntamente com o comandante do pelotão, o tenente Emerson Benjamin, foram à casa do comandante do Exército em Princesa e o convocaram a aderir ao movimento que se avizinhava. Facó pediu um tempo para consultar seus oficiais e Benjamin lhe concedeu 24 horas para tanto.

Expirado o prazo, conforme ainda depoimento de Frantz, o comando da Polícia resolveu dar um ultimato ao capitão João Facó, pois, não permitiriam que os integrantes da Força Federal, fortemente armados, ficassem acantonados em Princesa. Na manhã do dia 04 de outubro, o tenente Emerson Benjamin, juntamente com Frantz, se dirigiu ao Estado Maior do Exército em Princesa (alojados no prédio onde hoje funciona a Prefeitura Municipal de Princesa) e, dispostos a tudo, encetaram o seguinte diálogo entre o sargento Jacob Frantz e o capitão do exército João Facó:

 

“Capitão, estamos informados de que o senhor vai sair daqui da cidade, com o seu pessoal, conduzindo todo o seu armamento. Militarmente, não podemos concordar com isso, porque o senhor, amanhã, poderá usar esse armamento contra nós. Como é que vamos concordar que um armamento que está nas nossas mãos, praticamente, que o senhor se retire daqui com ele, e amanhã use esse armamento contra nós, juntando-se, inclusive, ao pessoal de José Pereira, que está reunido em Flores?”

 

Diante dessa ponderação, quase que uma ameaça, o capitão João Facó “concordou” em aderir à Revolução, mas que só o faria quando chegasse em Flores, para não parecer que assentiu por pressão. Liberado para seguir com seus homens, via Pernambuco, segundo Jacob Frantz, Facó, ali chegando, “deu fuga a José Pereira e incluiu todos os elementos de José Pereira que estavam em Flores dentro do contingente dele”.

Por fim, na página 150 do livro, consta o depoimento do político, escritor e historiador pernambucano José Alexandre Barbosa Lima Sobrinho que afirma, com todas as letras, que o presidente João Pessoa foi “atingido pela ação do Presidente da República [Washington Luís], com a criação e a insurreição do Território de Princesa” e acrescenta: “Eu creio, aliás, que a própria morte de João Pessoa teve menos influência do que a circunstância de ele estar sendo, naquele momento, vítima da ação do Governo Federal, através do levante de José Pereira, na Paraíba”. Tudo isso demonstra, em última análise, que foi mesmo Princesa o epicentro dos acontecimentos, o caldo de cultura, que podem ser considerados o estopim para a eclosão da Revolução de 1930.

Este trabalho, como assinalamos no início desta resenha, foi coordenado pelo então senador paraibano, Marcondes Benevides Gadelha e, consolidado, foi editado pela Gráfica do Senado Federal e lançado em 1985 por ocasião das comemorações pelo Quarto Centenário da Fundação da Paraíba. Leitura indispensável para quem quer compreender a nossa história, principalmente para aqueles que desconhecem o protagonismo de Princesa com relação ao movimento revolucionário de 1930.

 









 

 

 

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