UM POLÍTICO DA REPÚBLICA VELHA
Flávio Ramalho de Brito
Nas palavras do
prefaciador deste livro, Guilherme Gomes da Silveira D’Avila Lins, que trata da
trajetória política do ilustre paraibano, José Gaudêncio Correia de Queiroz,
além de uma biografia: “Trata-se de um estudo político e social de um
determinado período da vida deste País, marcado inclusive por graves
turbulências de âmbito nacional”. No cerne desta obra destacamos,
principalmente, os fatos acontecidos em 1930, a exemplo das eleições de 1º de
março; da Guerra de Princesa; do assassinato do presidente João Pessoa
Cavalcanti de Albuquerque e do estouro da Revolução de 30. Porém, a proposta
fundamental desse trabalho é o relato da trajetória política de José Gaudêncio
(tio-avô do autor), que teve expressivo destaque na vida paraibana. José
Gaudêncio Correia de Queiroz, nascido em 1881, bacharelou-se em Direito pela
faculdade do Recife em 1903, Promotor de Justiça, Juiz de Direito, Procurador
Geral do Estado, Jornalista e diretor de jornal, Professor Universitário,
Advogado atuante no Rio de Janeiro, deputado federal e senador, foi personagem
atuante da vida política da Primeira República.
O intuito, portanto,
em resenhar este livro é o de realçar os fatos relacionados com a Guerra de
Princesa e a Revolução de 30. Já na página 136, o autor dá relevância à
inimizade do coronel José Pereira Lima com o cangaceiro Lampião. Fato polêmico
que divide opiniões de historiadores e de familiares do coronel, Ramalho de
Brito pontua ali:
Lampião, em entrevista ao jornal O Ceará, dada em Juazeiro, onde passou
dias sob a proteção do Padre Cícero, falou sobre o coronel José Pereira, de
Princesa, a quem “durante anos servi,
prestando vantajosos favores da nossa profissão”. Para Frederico
Pernambucano de Mello: “De Lampião, além
de avaro, reconhecidamente um bom financista, sabe-se ter brigado com o coronel José Pereira, de Princesa, Paraíba,
por este ter-lhe aplicado mal o capital levantado no saque de Sousa, em 1924”.
Lá adiante, porém, o
autor escreve sobre a posição de José Pereira quanto ao combate a Lampião e seu
bando, quando se refere à Mensagem, referente ao ano de 1925, enviada à Assembleia
Legislativa, pelo presidente João Suassuna, fazendo citações elogiosas à
atuação de Zé Pereira pela sua ajuda no combate ao banditismo (cangaço),
mencionando também que essa ação do coronel de Princesa já vinha sendo
desenvolvida desde o governo do presidente Solon de Lucena, portanto, desde
1920. O ataque à cidade de Sousa ocorreu em 27 de julho de 1924.
Na página 187, Flávio
Ramalho anota que as indisposições entre os ramos dos Pessoa de Umbuzeiro/PB,
com os Pessoa de Pernambuco, se exacerbaram já em 1922 quando do assassinato do
médico Bandeira Filho, marido de uma sobrinha de Epitácio Pessoa, do ramo de
Umbuzeiro. Pontua também que esse crime foi motivo para o estremecimento do
futuro presidente João Pessoa com o coronel José Pereira, quando este homiziou
Epitácio Sobrinho Pessoa de Queiroz, o assassino do médico, em Princesa.
Sobre o rompimento do
coronel José Pereira com o presidente João Pessoa, Ramalho situa as condições
que culminaram com o rompimento, citando a publicação pelo Jornal A União, em 28 de fevereiro de 1930,
sobre a destituição do coronel José Pereira do comando político de Princesa.
Nas páginas 267 e 268, discorre sobre as eleições de 1º de março e, destacando
a velha polêmica sobre a realização daquelas eleições em Princesa, reproduz
escrito do jornalista Barbosa Lima Sobrinho:
“Ciente da atitude do Sr. José Pereira, o governo paraibano tomou sem
demora providências radicais. (...) Para evitar que a votação de Princesa
viesse alterar os planos eleitorais do situacionismo, e na impossibilidade de
providências eficazes que alterassem o resultado esperado, o governo pretendeu
deixar a cidade de Princesa fora da lei, retirando-lhe todas as autoridades
estaduais, o coletor, o delegado de polícia, os professores, etc.”
Cita também um telegrama
enviado pelo presidente João Pessoa ao Governo Federal, comunicando que: “...Em Princesa não houve eleições, nem
podia haver e, quando houvesse, seriam nulas de pleno direito...”. Essa
assertiva do presidente da Paraíba é contestada pelo coronel José Pereira
quando, em entrevista concedida ao jornal carioca, Correio da Manhã, reafirmou que, mesmo à revelia da vontade do
presidente, aconteceram eleições em Princesa. E complementa: “Isto porque o sr. João Pessoa tinha a
certeza de que em Princeza não teria um só voto, como de facto, não teve e
também porque nos municípios de Misericordia, Piancó, Teixeiras (sic), etc.,
onde eu disponho de amigos influentes e dedicados, a sua votação seria
ridícula.”.
Nas páginas 271 e 272,
sobre a apuração das eleições de 1º de março e a consequente depuração (degola)
dos candidatos aliancistas, o autor reproduz relato de José Américo de Almeida:
“Fizera-se a eleição. Comecei acompanhando os resultados da apuração que
me encheram as medidas. Não pude suportar a farsa. (...) ...depois de apuradas
as atas do município da capital, foi transferida a apuração, em detrimento do
critério anteriormente estabelecido da ordem das distâncias, para o município
de Princesa e o distrito de Imaculada, onde não houvera eleição, porque essas
localidades estavam ocupadas pelos rebeldes de José Pereira. Deixaram, assim,
de ser apuradas as atas de 36 municípios dos 39 de que se compõe o Estado. Os
livros eleitorais sequer foram manuseados. ...Seria adotado o critério dos
diplomas, mas diplomados foram os derrotados, sacrificando-se uma enorme
maioria. Era a comissão de poderes exonerada da responsabilidade de rasgar
esses títulos concedidos pela soberania popular”.
Interessante uma
referência que Flávio Ramalho faz, sobre um possível acordo oferecido aos aliancistas,
pela Comissão Verificadora de Poderes (formada por cinco deputados indicados
pelo presidente da Câmara Federal), para que fosse reconhecida parte da chapa
paraibana, quando seria reconhecido o senador Tavares Cavalcanti e mais três
deputados situacionistas, ficando os da Aliança Liberal com as duas vagas
restantes e, como consequência; conforme foi publicado pelo jornal Crítica: “Os sertões voltariam á paz, rehavendo para seus amigos em Princeza e
nos municípios visinhos, o sr. José Pereira os cargos municipaes e reconhecendo
o governo estadual como eleito o sr. João Suassuna e caberia ao Sr. Oscar
Soares um emprego federal de relevo. O governo da Paraíba, no entanto,
através de seu órgão oficial A União, classificou
esse acordo como “irrealizável”. Em
08 de setembro de 1930, o jornal paulista Diario
Nacional, estampa na primeira página: “Tomou posse no Senado o
representante de Princesa...”, numa alusão à posse do senhor José Gaudêncio –
candidato derrotado, mas guindado ao cargo pela famigerada Comissão
Verificadora de Poderes -, como senador da República.
Insistindo na tese de
que foi, a Guerra de Princesa, o estopim da Revolução de 30, colho desse
profícuo trabalho de Flávio Ramalho de Brito, mais uma impressão que corrobora
isso. Na página 314, o autor escreve:
Como sempre ocorre com os fatos
históricos, os acontecimentos decorrem de uma série de circunstâncias que,
entrelaçadas, concorrem para o surgimento do episódio central. Com o movimento
de Princesa, não foi diferente. E assiste razão a Joaquim Inojosa quando
escreve que o movimento revoltoso teve início com a indicação de João Pessoa,
por Epitácio Pessoa, para governar a Paraíba.
Ramalho faz referência
também a algo que somente ocorreu em Princesa. Quando João Pessoa demitiu os
prefeitos das várias cidades paraibanas que não aceitaram se submeter às suas
perseguições, substituiu a todos, menos o de Princesa. Diz o autor: “Essa sua intenção, em Princesa, não teve
qualquer efeito prático, em virtude da recusa de vários moradores consultados
em assumir o cargo sem que houvesse a anuência de José Pereira”. Isso
atesta a unanimidade de apoio que o coronel desfrutava em Princesa.
Por fim, Flávio
Ramalho, nas páginas 318, 319 e 320, escreve que desde há muito, Zé Pereira já
vinha se preparando para o confronto armado com a polícia paraibana: “O certo é que, alguns dias depois do
rompimento, os fatos se revestiram de uma feição francamente guerreira.
Deliberado á luta em todos os terrenos, desde o rompimento o Sr. José Pereira
vinha armando sua gente”. Ramalho cita trecho de uma entrevista de José
Pereira ao jornal carioca, Correio da
Manhã, quando o coronel afirma que mandou uma tropa de 200 homens rechaçar
o ataque da polícia paraibana a Teixeira na véspera da eleição, o que, para o
autor, demonstra, claramente, que Zé Pereira já estava, há muito, preparado
para a luta. Por fim, coroando essa certeza, o escrevinhador cita um fato que
foi divulgado - após o conflito - com muito estardalhaço, quando veio à tona um
documento, com data anterior ao rompimento de Zé Pereira com João Pessoa,
assinado pelo Inspetor Geral da Polícia de Pernambuco, autorizando o senador
José Gaudêncio (aliado de José Pereira) adquirir “razoável quantidade de
munição” no Rio de Janeiro. Isso foi notícia de primeira página nos principais
jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Esse livro é,
portanto, um trabalho de muita importância para aqueles que querem conhecer
detalhes sobre o que aconteceu na Paraíba em 1930. É leitura indispensável.
Flávio Ramalho de Brito,
que é sobrinho-neto de José Gaudêncio, nasceu em Campina Grande. Engenheiro
eletricista, formado e pós-graduado no antigo campus da UFPB na cidade.
Trabalhou durante 27 anos na empresa estadual de distribuição de energia
elétrica, onde ocupou vários cargos, dentre eles o de diretor da área técnica.
Participou, por uma década, da diretoria do Sindicato dos Engenheiros do Estado
da Paraíba. Exerceu cargo no Governo da Paraíba e foi dirigente de entidade de
previdência complementar sediada no Estado. Desde 2004 é Auditor Fiscal do
Ministério do Trabalho. É cidadão honorário de dois municípios paraibanos.
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