ODE

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Ler para conhecer a nossa História


UM POLÍTICO DA REPÚBLICA VELHA

Flávio Ramalho de Brito

 

Nas palavras do prefaciador deste livro, Guilherme Gomes da Silveira D’Avila Lins, que trata da trajetória política do ilustre paraibano, José Gaudêncio Correia de Queiroz, além de uma biografia: “Trata-se de um estudo político e social de um determinado período da vida deste País, marcado inclusive por graves turbulências de âmbito nacional”. No cerne desta obra destacamos, principalmente, os fatos acontecidos em 1930, a exemplo das eleições de 1º de março; da Guerra de Princesa; do assassinato do presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque e do estouro da Revolução de 30. Porém, a proposta fundamental desse trabalho é o relato da trajetória política de José Gaudêncio (tio-avô do autor), que teve expressivo destaque na vida paraibana. José Gaudêncio Correia de Queiroz, nascido em 1881, bacharelou-se em Direito pela faculdade do Recife em 1903, Promotor de Justiça, Juiz de Direito, Procurador Geral do Estado, Jornalista e diretor de jornal, Professor Universitário, Advogado atuante no Rio de Janeiro, deputado federal e senador, foi personagem atuante da vida política da Primeira República.

 

O intuito, portanto, em resenhar este livro é o de realçar os fatos relacionados com a Guerra de Princesa e a Revolução de 30. Já na página 136, o autor dá relevância à inimizade do coronel José Pereira Lima com o cangaceiro Lampião. Fato polêmico que divide opiniões de historiadores e de familiares do coronel, Ramalho de Brito pontua ali:

 

Lampião, em entrevista ao jornal O Ceará, dada em Juazeiro, onde passou dias sob a proteção do Padre Cícero, falou sobre o coronel José Pereira, de Princesa, a quem “durante anos servi, prestando vantajosos favores da nossa profissão”. Para Frederico Pernambucano de Mello: “De Lampião, além de avaro, reconhecidamente um bom financista, sabe-se ter brigado com o coronel José Pereira, de Princesa, Paraíba, por este ter-lhe aplicado mal o capital levantado no saque de Sousa, em 1924”.

 

Lá adiante, porém, o autor escreve sobre a posição de José Pereira quanto ao combate a Lampião e seu bando, quando se refere à Mensagem, referente ao ano de 1925, enviada à Assembleia Legislativa, pelo presidente João Suassuna, fazendo citações elogiosas à atuação de Zé Pereira pela sua ajuda no combate ao banditismo (cangaço), mencionando também que essa ação do coronel de Princesa já vinha sendo desenvolvida desde o governo do presidente Solon de Lucena, portanto, desde 1920. O ataque à cidade de Sousa ocorreu em 27 de julho de 1924.

 

Na página 187, Flávio Ramalho anota que as indisposições entre os ramos dos Pessoa de Umbuzeiro/PB, com os Pessoa de Pernambuco, se exacerbaram já em 1922 quando do assassinato do médico Bandeira Filho, marido de uma sobrinha de Epitácio Pessoa, do ramo de Umbuzeiro. Pontua também que esse crime foi motivo para o estremecimento do futuro presidente João Pessoa com o coronel José Pereira, quando este homiziou Epitácio Sobrinho Pessoa de Queiroz, o assassino do médico, em Princesa.

 

Sobre o rompimento do coronel José Pereira com o presidente João Pessoa, Ramalho situa as condições que culminaram com o rompimento, citando a publicação pelo Jornal A União, em 28 de fevereiro de 1930, sobre a destituição do coronel José Pereira do comando político de Princesa. Nas páginas 267 e 268, discorre sobre as eleições de 1º de março e, destacando a velha polêmica sobre a realização daquelas eleições em Princesa, reproduz escrito do jornalista Barbosa Lima Sobrinho:

 

“Ciente da atitude do Sr. José Pereira, o governo paraibano tomou sem demora providências radicais. (...) Para evitar que a votação de Princesa viesse alterar os planos eleitorais do situacionismo, e na impossibilidade de providências eficazes que alterassem o resultado esperado, o governo pretendeu deixar a cidade de Princesa fora da lei, retirando-lhe todas as autoridades estaduais, o coletor, o delegado de polícia, os professores, etc.”

 

Cita também um telegrama enviado pelo presidente João Pessoa ao Governo Federal, comunicando que: “...Em Princesa não houve eleições, nem podia haver e, quando houvesse, seriam nulas de pleno direito...”. Essa assertiva do presidente da Paraíba é contestada pelo coronel José Pereira quando, em entrevista concedida ao jornal carioca, Correio da Manhã, reafirmou que, mesmo à revelia da vontade do presidente, aconteceram eleições em Princesa. E complementa: “Isto porque o sr. João Pessoa tinha a certeza de que em Princeza não teria um só voto, como de facto, não teve e também porque nos municípios de Misericordia, Piancó, Teixeiras (sic), etc., onde eu disponho de amigos influentes e dedicados, a sua votação seria ridícula.”.

 

Nas páginas 271 e 272, sobre a apuração das eleições de 1º de março e a consequente depuração (degola) dos candidatos aliancistas, o autor reproduz relato de José Américo de Almeida:

 

“Fizera-se a eleição. Comecei acompanhando os resultados da apuração que me encheram as medidas. Não pude suportar a farsa. (...) ...depois de apuradas as atas do município da capital, foi transferida a apuração, em detrimento do critério anteriormente estabelecido da ordem das distâncias, para o município de Princesa e o distrito de Imaculada, onde não houvera eleição, porque essas localidades estavam ocupadas pelos rebeldes de José Pereira. Deixaram, assim, de ser apuradas as atas de 36 municípios dos 39 de que se compõe o Estado. Os livros eleitorais sequer foram manuseados. ...Seria adotado o critério dos diplomas, mas diplomados foram os derrotados, sacrificando-se uma enorme maioria. Era a comissão de poderes exonerada da responsabilidade de rasgar esses títulos concedidos pela soberania popular”.

 

Interessante uma referência que Flávio Ramalho faz, sobre um possível acordo oferecido aos aliancistas, pela Comissão Verificadora de Poderes (formada por cinco deputados indicados pelo presidente da Câmara Federal), para que fosse reconhecida parte da chapa paraibana, quando seria reconhecido o senador Tavares Cavalcanti e mais três deputados situacionistas, ficando os da Aliança Liberal com as duas vagas restantes e, como consequência; conforme foi publicado pelo jornal Crítica: “Os sertões voltariam á paz, rehavendo para seus amigos em Princeza e nos municípios visinhos, o sr. José Pereira os cargos municipaes e reconhecendo o governo estadual como eleito o sr. João Suassuna e caberia ao Sr. Oscar Soares um emprego federal de relevo. O governo da Paraíba, no entanto, através de seu órgão oficial A União, classificou esse acordo como “irrealizável”. Em 08 de setembro de 1930, o jornal paulista Diario Nacional, estampa na primeira página: “Tomou posse no Senado o representante de Princesa...”, numa alusão à posse do senhor José Gaudêncio – candidato derrotado, mas guindado ao cargo pela famigerada Comissão Verificadora de Poderes -, como senador da República.

 

Insistindo na tese de que foi, a Guerra de Princesa, o estopim da Revolução de 30, colho desse profícuo trabalho de Flávio Ramalho de Brito, mais uma impressão que corrobora isso. Na página 314, o autor escreve:

 

Como sempre ocorre com os fatos históricos, os acontecimentos decorrem de uma série de circunstâncias que, entrelaçadas, concorrem para o surgimento do episódio central. Com o movimento de Princesa, não foi diferente. E assiste razão a Joaquim Inojosa quando escreve que o movimento revoltoso teve início com a indicação de João Pessoa, por Epitácio Pessoa, para governar a Paraíba.

 

Ramalho faz referência também a algo que somente ocorreu em Princesa. Quando João Pessoa demitiu os prefeitos das várias cidades paraibanas que não aceitaram se submeter às suas perseguições, substituiu a todos, menos o de Princesa. Diz o autor: “Essa sua intenção, em Princesa, não teve qualquer efeito prático, em virtude da recusa de vários moradores consultados em assumir o cargo sem que houvesse a anuência de José Pereira”. Isso atesta a unanimidade de apoio que o coronel desfrutava em Princesa.  

 

Por fim, Flávio Ramalho, nas páginas 318, 319 e 320, escreve que desde há muito, Zé Pereira já vinha se preparando para o confronto armado com a polícia paraibana: “O certo é que, alguns dias depois do rompimento, os fatos se revestiram de uma feição francamente guerreira. Deliberado á luta em todos os terrenos, desde o rompimento o Sr. José Pereira vinha armando sua gente”. Ramalho cita trecho de uma entrevista de José Pereira ao jornal carioca, Correio da Manhã, quando o coronel afirma que mandou uma tropa de 200 homens rechaçar o ataque da polícia paraibana a Teixeira na véspera da eleição, o que, para o autor, demonstra, claramente, que Zé Pereira já estava, há muito, preparado para a luta. Por fim, coroando essa certeza, o escrevinhador cita um fato que foi divulgado - após o conflito - com muito estardalhaço, quando veio à tona um documento, com data anterior ao rompimento de Zé Pereira com João Pessoa, assinado pelo Inspetor Geral da Polícia de Pernambuco, autorizando o senador José Gaudêncio (aliado de José Pereira) adquirir “razoável quantidade de munição” no Rio de Janeiro. Isso foi notícia de primeira página nos principais jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro.

 

Esse livro é, portanto, um trabalho de muita importância para aqueles que querem conhecer detalhes sobre o que aconteceu na Paraíba em 1930. É leitura indispensável.

 

Flávio Ramalho de Brito, que é sobrinho-neto de José Gaudêncio, nasceu em Campina Grande. Engenheiro eletricista, formado e pós-graduado no antigo campus da UFPB na cidade. Trabalhou durante 27 anos na empresa estadual de distribuição de energia elétrica, onde ocupou vários cargos, dentre eles o de diretor da área técnica. Participou, por uma década, da diretoria do Sindicato dos Engenheiros do Estado da Paraíba. Exerceu cargo no Governo da Paraíba e foi dirigente de entidade de previdência complementar sediada no Estado. Desde 2004 é Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho. É cidadão honorário de dois municípios paraibanos.







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