ODE

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Mesmo não sendo derrotada, em 1930, Princesa foi quem mais perdeu

No descambar do final da primeira década do século passado (XX) para o início da segunda, Princesa era uma das Vilas mais prósperas dentre as vinte existentes no estado da Paraíba. Era a segunda na produção de algodão e a sexta em densidade demográfica. Somente indústrias para descaroçamento de algodão (bolandeiras) existiam seis. O “Armazém Estrela”, sediado em Princesa, de propriedade do rico comerciante, Sebastião Medeiros, vendia em grosso para metade do estado da Paraíba. Na década de 20, Princesa foi o burgo paraibano que mais cresceu, em todos os sentidos: na economia, na agricultura, nos serviços, na indústria e, consequentemente, nas atividades sociais e culturais. A prosperidade da Vila, que acabara de ser transformada em cidade – emancipada de Piancó em 21 de novembro de 1921 -, era notícia por todos os recantos da Paraíba e até em Estados vizinhos. Em face disso, muitos acorreram para Princesa em busca de oportunidades ou com o intuito de promovê-las aproveitando as vastas possibilidades para a realização de negócios. Tal era a importância de Princesa, que em setembro de 1923, o então presidente da Paraíba, Solon Barbosa de Lucena, em visita à cidade, instalou seu governo por sete dias em Princesa, oportunidade em que despachou com seus auxiliares e deu ordens que muito beneficiaram o novo município.

Em seu livro: A Heróica Resistência de Princesa” – Recife – 1954, o escritor José Gastão Cardoso dedica algumas páginas para registrar o que ele chama de “Fase Áurea” da então Vila de Princêza:

Evidentemente, um novo ritmo de vida, forçado pelo progresso demográfico, veio tonificar os músculos do velho organismo político do município, com a renovação dos seus quadros econômicos e sociais. A velha aspiração política dos filhos da terra concretiza-se com a elevação da vila à categoria de cidade. É o comêço de uma fase de grande prosperidade para Princesa. Quando na presidência da República, o Dr. Epitácio Pessoa, ela foi grandemente beneficiada com os serviços de obras contra as secas, graças ao prestígio do seu chefe, deputado José Pereira, a quem aquêle homem público devia a vitória da sua campanha política de 1915.

Em sua fase áurea, Princesa se transformou num canteiro de obras. Graças à grande influência que tinha, o deputado José Pereira Lima, com o presidente Epitácio Pessoa, a título de combater as secas, o jovem município foi contemplado com vários benefícios, em termos proporcionais, até mais do que os demais da Paraíba. Já no início dos anos 20 foram construídas as barragens do Cedro, Riacho do Meio e Macapá (Açude Novo), este, inaugurado em 7 de setembro de 1922. Além da construção desses reservatórios, foi reforçada a parede do açude Ibiapina (Açude Velho). No mesmo período foram realizadas obras de construção de cento e cinquenta quilômetros de estradas de rodagem ligando a sede do município aos seus principais Distritos e Povoados, tais como: São José, Patos (Irerê), Alagoa Nova (Manaíra), Lagoa da Cruz, Barra (Juru), Tavares e o distrito de Água Branca, este, ainda pertencente ao município de Piancó. Além dessas estradas domésticas, foram construídas também outras ligando a cidade aos municípios vizinhos de Teixeira e Piancó na Paraíba, além da estrada ligando Princesa a Flores, Triunfo e Afogados da Ingazeira, no estado de Pernambuco.

Era tão efervescente o movimento na cidade, quando a abundância de recursos e de oportunidades de trabalho fizeram aumentar – do dia para a noite - sua população em mais de 10%, que faltavam acomodações para os que chegavam de fora. Com isso, acelerou-se a construção de imóveis residenciais, a abertura de novas ruas e avenidas e o estabelecimento de novos pontos comerciais, de casas de diversões, sociedades recreativas, cinema, teatro, grupo escolar (“Gama e Melo”) e a instalação de energia elétrica a motor. A cidade se transformou, em pouco espaço de tempo, num centro comercial de relevância com armazéns vendendo em grosso para as praças de Nova Olinda, Misericórdia (Itaporanga), Piancó, Conceição, Santana e também para algumas cidades pernambucanas. Em Princesa, instalaram-se firmas estrangeiras como a Ford, a Standard Oil, agências de automóveis, o banco Ultramarino, uma representação do Banco do Brasil, dentre outras. Até um escritório do Ministério da Agricultura foi instalado na cidade com o desiderato de combater uma praga de lagartas que assolava as plantações de algodão. Em meados da década de 20, trafegavam pelas ruas de Princesa mais de 20 veículos automotores particulares, tanto de carga quanto de passeio.

No campo cultural, essa prosperidade não deixou a desejar. Existia, na cidade, uma Biblioteca contida de vários volumes, especialmente, os clássicos da literatura brasileira e estrangeira. Instalada na casa do coronel José Pereira, a Biblioteca era acessível aos amantes da leitura e, naquele período de efervescência cultural, era coordenada pelo intelectual, Érico Gomes de Almeida. Este, em 1925, sob a orientação do coronel e o incentivo do então presidente do Estado da Paraíba, João Suassuna, escreveu a primeira biografia do Rei do Cangaço, com o título “Lampeão – Sua História”. Foi esta a primeira biografia escrita sobre Virgulino Ferreira, o Lampião, e foi redigida em Princesa. Em 17 de outubro de 1925, sob inspiração da Semana de Arte Moderna ocorrida em São Paulo (1922), foi fundada, pelo professor e poeta, Waldemar Emygdio de Miranda, uma Sociedade de Letras, denominada “Grupo Literário Joaquim Inojosa”, fazendo de Princesa, a única cidade do interior do Nordeste a dar apoio e repercutir aquele importante Manifesto Modernista de 1922. Antes da instalação do Grupo Escolar “Gama e Melo”, existia na cidade uma Escola Particular, sob a orientação do professor Adriano Feitosa Cavalcanti, que era uma das mais conceituadas do Sertão paraibano. A Banda Filarmônica “José Pereira Lima” executava seus dobrados saídos de instrumentos franceses, sob a leitura de partituras italianas.

Foi nessa fase áurea, que foram erguidos vários prédios imponentes que, ainda hoje, enfeitam a cidade de Princesa. Por ordem do industrial pernambucano, João Pessoa de Queiroz, seu sobrinho Epitacinho, construiu o que é hoje o “Palacete dos Pereira”. Em homenagem ao presidente Epitácio Pessoa, o coronel Zé Pereira mandou esculpir, em bronze, uma estátua de corpo inteiro, do ilustre paraibano, o que ainda hoje está exposta num pedestal na Praça que leva o nome do homenageado. Para acomodar sua indústria algodoeira, o coronel mandou erigir um majestoso prédio (1925) no final da que é hoje a Avenida Presidente João Pessoa e que serve agora de sede da Prefeitura Municipal. Atendendo pleito do coronel Zé Pereira, o presidente (governador) Solon de Lucena autorizou a construção do prédio onde funciona, até, hoje, o Grupo Escolar “Gama e Melo” (1926). Além dessas construções, muitas outras foram erguidas, principalmente, para proporcionar moradas confortáveis aos novos ricos que despontavam, fruto dessa onda de prosperidade. Um dos imóveis mais simbólicos desse período de progresso e desenvolvimento, é o Silo, construído em alvenaria (1924), destinado ao armazenamento de grãos de milho, com capacidade para guardar 6 mil quilos do cereal. O Silo existe ainda hoje, exposto, como patrimônio histórico da cidade.

Não somente o comércio se desenvolvia. No Distrito de Patos (Irerê), funcionava o Parque Industrial de Princesa. Isso mesmo. Ali, sob o comando dos irmãos, coronel Marçal Florentino e major Florentino (Floro) Rodrigues Diniz, existiam uma usina de descaroçamento de algodão; três engenhos de açúcar demerara e rapadura e, pasmem! Uma indústria produtora de vinhos finos. Não pelos lucros que pudesse proporcionar, mas, pela sofisticação e pelo inusitado, era essa vinícola, algo de excelência onde se produzia o “Vinho Velho de Fructas”, que era exportado para o Recife e, até para o Rio de Janeiro. Quanto ao comércio, o pequeno Distrito de Patos, através de lojas ali estabelecidas, negociava-se também com a venda de secos e molhados, estivas, chapéus, tecidos finos, calçados e vestes manufaturadas. Até uma professora particular existia, sob contrato, para ensinar às crianças do lugar. Como se vê, a prosperidade não se restringia apenas à sede do novo município de Princesa, mas se estendia a quase todos os recantos da municipalidade.

Toda essa prosperidade, no entanto, em que pese sua pujança, já no início do ano de 1930, com a eclosão da Guerra de Princesa, teve morte súbita. A única coisa que prospera em tempo de guerra é a indústria bélica. Economia de subsistência, comércio, cultura e demais atividades corriqueiras, não combinam com guerra. Deflagrado o conflito, muitos dos empreendedores e intelectuais, se mudaram para as vizinhas cidades pernambucanas de Triunfo e Flores; outros, para paragens mais distantes e nunca mais voltaram.

Findo o conflito, em julho de 1930, tudo mudou. A orientação político-administrativa passou a ser ditada pela cúpula revolucionária, comandada por José Américo de Almeida e pelo interventor estadual, Antenor Navarro e aqui aplicada pelo novo prefeito nomeado, Nominando Muniz Diniz. A ordem era desmontar Princesa. Um fato, registrado no livro do ex-deputado Aloysio Pereira: “Eu e meu pai o coronel José Pereira” – Ideia – Paraíba – 2013, p.p. 249, denota a exacerbada perseguição política de que foi vítima Princesa. No relato, o escriba conta que o então promotor de Justiça de Princesa, doutor Antônio Nunes Farias, em visita ao interventor, Antenor Navarro, com o intuito de fazer arrefecerem os ânimos das perseguições na cidade ocupada, teve como resposta do interventor: “A próxima vez que o senhor vier à minha presença, traga-me as línguas dessa gente”. Era esse o clima reinante. Após a guerra, que terminou quando do assassinato do presidente João Pessoa, o coronel José Pereira saiu da cidade em fuga para local desconhecido. Aos que ficaram, o que restou foram prisões e humilhações. A atividade econômica restringiu-se aos que se coadunavam com a nova ordem. A Biblioteca foi incendiada, a casa do coronel, transformada em prisão. Teatro, Cinema, Banda de Música, tudo fechado e desativado.

Segundo o tribuno princesense, Alcides Vieira Carneiro, afilhado do coronel José Pereira, mas, importante prócer aliancista – portanto adversário do padrinho -, em entrevista ao jornal carioca: “A Batalha”, em dezembro de 1930, em inconteste declaração que denota a derrocada e a consequente decadência de sua amada terra, afirmou:

Minha Princêza, coitada! Teve que despir as galas vistosas, para cingir uma tanga. Arrastada àquella lucta por um capricho insensato dos inimigos da Parahyba e de João Pessoa, encontra-se hoje numa situação atrozmente desoladora. As povoações, todas prosperas, e que davam vida ao município foram quasi totalmente destruídas, existindo apenas a cidade, que aliás é a mais bela do sertão parahybano. Estão arruinados amigos e inimigos de José Pereira, cujo destino é até hoje ignorado. E agora, que tudo está transformado resta á população daquella terra infortunada o direito de cooperar no regime de paz, de honestidade e de ordem que ora se inicia para que o municipio outr’ora tão rico, possa futuramente ressurgir dos escombros.

Foram 30 anos de estagnação e desprezo concedido pelo poder dos vitoriosos da Revolução de 1930. Numa prova cabal da decadência ocorrida após a guerra, colhemos do “Anuário da Paraíba – 1934”, à página 287, a seguinte anotação:

(...) que [Princesa] em 1934 possúe um grupo escolar denominado Gama e Melo e mais seis escolas rudimentares, situadas nos povoados Alagôa Nova, São José, Patos, Tavares, Barra e Água Branca. (...) não existem grandes nem pequenas indústrias. (...) apenas existem 10 maquinismos de beneficiar algodão. 

Já na revista “A Economista” de Angelo Cibella, edição de julho de 1938, consta a seguinte anotação:

Princêza ressente-se de vias de comunicação e de transporte. Apezar de estar ligada a Teixeira, Piancó, no território da Paraíba, por estradas de rodagem que em certo tempo, foram boas, essa mesma ligação, praticamente, desapareceu, em virtude da deterioração e desconservação. (...) quasi sempre evita-se ir a Princêza de Teixeira, Piancó, em vista da quase impraticabilidade da travessia. O seu comercio, assim, é feito com Pernambuco, o que é um mal para a Paraíba. Com Pernambuco, Princêza se liga por estradas de rodagem que, partindo da cidade, orientam-se para Flores, Triunfo e Afogados da Ingazeira. (...) Princêza, como todas as cidades do interior da Paraíba, com raríssimas exceções, não dispõe de grandes e diversos estabelecimentos bancarios, para a difusão do credito.

Como vemos acima, quase tudo, de bom e de importante, que existia antes de 1930, durante toda a década seguinte já não existia mais. Faz-se clara a decadência pelo desmonte do que em Princesa existia (indústrias, estradas, etc.) e, o que era mais grave, a propaganda negativa sobre a cidade repercutia como se fora o burgo princesense, uma “terra de trabuqueiros e desordens, de cangaceirismo e salteadores, de ladrões e de bandidos”. Foram necessárias três décadas para que a cidade voltasse ao contexto do Estado como uma Unidade contemplada pelo Poder Público.

Somente na década de 60, Princesa voltou a ser beneficiada com um novo surto de prosperidade. Na verdade, mesmo diante da glória de não haver sido derrotada, nas palavras que fecham o Manifesto do coronel Zé Pereira quando do rompimento com o presidente João Pessoa: “Princesa poderá ser massacrada, mas não se há de render”; podemos dizer que a cidade foi massacrada sem ser arrasada e que, isentos de dúvidas, Princesa não perdeu a Guerra, mas foi quem mais perdeu com aquele conflito.



 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário