ODE

sábado, 17 de junho de 2023

Zé Miranda, o Carro e o Craúna

Na década de 1980, o Fórum de Princesa funcionava onde está hoje o Ministério Público. Naquele tempo, Princesa era povoada de muitas pessoas portadoras de deficiência mental que, perambulando pelas ruas sem amparo governamental viviam, os “doidos”, a conversarem besteiras e a serem chateados pelos meninos e pelos jovens. O ponto predileto de alguns desses malucos era a esquina da loja de Waldemar Abrantes, portanto, defronte ao Fórum. Um dos contumazes dementes que ali faziam ponto era um “galegão” chamado “Zé Miranda”. Era alto e falava mais alto ainda com ares de gozação e desafio e, às vezes, se fazia violento.

Recém-chegado a Princesa, o novo juiz da Comarca, era um doutor de cor negra e de comportamento muito simples e desapegado a cerimônias. Vestia-se com simplicidade, andava a pés e dispensava seguranças. Certa tarde, ao chegar ao Fórum para mais um expediente, o juiz deparou-se com uma camioneta D-20 estacionada em frente ao Cartório de João Barros (vizinho ao Fórum), com o motorista ao volante e um homem alto, louro e mal vestido tentando empurrá-la. Parou um instante para observar a cena e, incontinenti, o sujeito que empurrava o carro gritou:

- Ei, craúna, me ajuda aqui! Vem cá “negão”, faz essa caridade!

O juiz olhou ao redor e, não vendo nenhum “negão” por perto, deduziu ser com ele que o homem falava. Entrou no Fórum e, na mesma hora, ligou para a polícia que não se demorou a chegar.

Sem conhecer ainda as pessoas da cidade, o juiz tomou aquilo como uma desfeita acompanhada de comportamento racista. Chegada, a polícia ao Fórum, o juiz determinou a imediata prisão daquele atrevido que o destratara publicamente. Afinal de contas, o Juiz era a autoridade máxima da cidade! Pedindo licença ao magistrado, o comandante da guarda saiu do recinto para cumprir a ordem judicial, porém, voltou em cima do rastro e, às gargalhadas, informou ao juiz:

- Doutor João, aquele lá é Zé Miranda!

Ao que o juiz perguntou:

- E... Quem é Zé Miranda, delegado?

O policial respondeu:

- Um doido, doutor, um doido!

O juiz caiu na risada, saiu da repartição para a calçada e foi conhecer pessoalmente aquele pobre-diabo “brancão” que confundira o juiz com um “negão” qualquer. Na calçada do Fórum, olhando para o maluco, o magistrado deixou o dito pelo não dito, porém, quando adentrava novamente à repartição, ouviu de Zé Miranda:

- Sossega “negão”, você é meu crauninha!



 

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