Desde criança convivi com as coisas da Igreja. Filho de mãe catolicíssima, barata de igreja mesmo, frequentava, diária e obrigatoriamente, todas as solenidades da Igreja: da missa matinal à bênção do Santíssimo Sacramento, à noite. Acho que, por isso, sempre fui fascinado pela ritualística das solenidades da Igreja Católica. Na Semana Santa, então, fazia morada na chamada "Casa de Deus". Do "Lava-pés" à vigília na quinta-feira, passando pela celebração da Paixão, pelo beijamento da cruz, e pela procissão do "Senhor Morto" na sexta-feira, até a Aleluia no sábado, de tudo participava ativamente e em perfeita contrição de fé.
A Sexta-feira Santa era o ápice das celebrações religiosas da Igreja de Roma. O dia era cheio. Mas, tudo começava na tarde da quinta-feira, passando por toda a madrugada, quando acontecia a adoração do "Santíssimo Sacramento", o que simbolizava a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras. À tarde, a partir das três horas, acontecia a celebração da Paixão com uma missa concelebrada por vários padres, cantada em latim e cheia de simbolismos, a exemplo da queda dos padres quando se deitavam ao chão rememorando o momento da execução do Cristo.
Lembro-me bem da Via Sacra, na sexta-feira, cantada por Odívia Maximiano, dona Nina, Antônia Gastão, Doralice Marrocos e outras cantoras da Igreja, acompanhadas pela serafina executada por dona Irene Sérgio. Rezavam as quatorze estações e, depois desse rito, o padre expunha o "Santo Lenho" para o beijo comunitário (prática por demais anti-higiênica, hoje abolida). Antes das solenidades da Paixão, filas infindas se faziam diante dos confessionários quando os fiéis católicos se desfaziam dos pecados para, contritos, receberem o corpo de Cristo.
Até pouco tempo atrás, a Sexta-feira Santa, era o dia mais santificado da comunidade cristã. Simplificado e pouco difundido, hoje, foi banalizado e perdeu a magia que havia em torno das celebrações religiosas desse emblemático dia. Não há mais matraca nem procissão das tochas. Tampouco o cortejo fúnebre do Senhor Morto tem mais a importância e o "mistério" que tinha, quando os fiéis acompanhavam a procissão no afã de conseguir um galho de mato ou uma flor que ornamentava o esquife Divino para transformá-los em chá, panaceia para todos os males.
Os tempos são outros e, o culto às tradições, se restringe, hoje, a um público mais conservador e idoso que não conseguiu se desvencilhar dessa liturgia que embevecia a todos. A Semana Santa, hoje, significa apenas um feriado prolongado que permite, à maioria das pessoas, se desobrigarem de seus afazeres para descansarem e se empanturrarem de iguarias nobres sem estarem nem aí para os simbolismos da religião que cultivaram um dia. No meu caso, mesmo sem muita crença, continuo fascinado pela ritualística da Semana Santa.
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