ODE

domingo, 12 de maio de 2024

Domingo eu conto

 

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

O Rádio Mentiroso

As campanhas eleitorais, em Princesa, sempre foram muito acirradas e isso se exacerbou ainda mais na década de 1960. Nesse lustro, as duas facções antagônicas da política de Princesa, Pereira e Diniz, se digladiaram em várias campanhas, num equilíbrio de forças e numa alternância, o que dava mais vibração ainda às disputas. Em 1963, Gonzaga Bento se elegeu prefeito derrotando o velho Mano; em 1968, doutor Antônio Nominando derrotou os dois candidatos apresentados por Aloysio Pereira e Gonzaga Bento - Joaquim Mariano e Miguel Rodrigues -, se elegendo prefeito de Princesa.

Entretanto, foi na campanha de 1965, para o Governo do Estado, em que, os dois grupos políticos, protagonizaram uma das campanhas mais duras e concorridas já havidas no município. Disputavam, a principal cadeira do Palácio da Redenção, os senadores, João Agripino Filho pela ARENA e, Ruy Carneiro, pelo MDB. O primeiro, representado por um “Jacaré”, era apoiado pelo grupo Diniz e, o segundo, por óbvio, configurado por um “Carneiro”, recebia o amparo do grupo Pereira. Nessa campanha, tal foi o acirramento, que a disputa, em Princesa, teve conotação de uma campanha municipal.

Foram vários os comícios e sempre acompanhados de grandes passeatas em que os partidários de um lado, portavam faixas com dizeres ofensivos aos adversários. Numa dessas faixas, numa passeata do grupo Diniz, estava estampado um jacaré engolindo um carneiro, no que foi necessário a intervenção da polícia para impedir que, um bêbado, partidário dos “Pereira”, rasgasse a faixa à faca. Doutra feita, os nominandistas, reunidos, proibiram que a passeata de Ruy Carneiro – ostentando lagartixas dependuradas numa vara - passasse pela chamada, “Praça dos Nominando”. Além desses entreveros, havia também brigas isoladas entre eleitores de ambos os lados: homens riscando facas, mulheres puxando cabelos umas das outras, enfim, uma disputa federal!

No dia do encerramento da campanha da ARENA, em Princesa, “seu” Mano mandou estacionar um caminhão, que serviria de palanque, em frente à loja de tecidos do correligionário e ex-prefeito, Antônio Maia, para receber, num comício, o candidato a governador, João Agripino e o vice, Severino Cabral, e uma grande comitiva vinda da capital do Estado. Esse pleito foi solteiro, não havia eleições para deputados e senadores. Amigo de Nominando e patrocinador da candidatura de Agripino, o então governador, Pedro Gondim – que já vinha da região de Sousa e Cajazeiras -, chegou a Princesa no dia anterior ao comício de encerramento da campanha e, aqui, instalou o Governo, onde despachou por dois dias, na casa do velho Mano. Enquanto isso, Banda de Música, foguetório, bandeiras, ala feminina, tudo pronto para o comício de encerramento.

Nesse tempo, dia de comício era um dia de festa. Os chefes políticos mandavam vir, em caminhões, dos mais distantes recantos do município, os eleitores para esse evento popular. A rua se enchia de gente; a cachaça corria solta e, pequenas confusões, era o que não faltava. Mesmo com esse acirramento, nunca se registrou, em Princesa, um crime provocado pelas disputas eleitorais. Nessa noite de sábado, dia 18 de setembro de 1965, em que pese o prefeito ser adversário (Gonzaga Bento), a cidade estava toda engalanada com as cores do partido dos “Nominando”. Às 08h00 da noite, partiu, da casa de “seu” Mano, a passeata, em busca do palanque. Na frente, puxando o séquito, o governador Pedro Gondim, os candidatos, João Agripino e Severino Cabral, ladeados pelo velho Mano e seus filhos: doutor Antônio e Maria Aurora, todos de braços dados.

Chegados ao palanque, ovacionados por centenas de eleitores, os políticos se posicionaram e, o jovem locutor, Valdésio Maçaroca, começou a anunciar as presenças ilustres. O primeiro a falar foi “seu” Mano. Depois, discursou o governador Pedro Gondim, seguido do deputado Antônio Nominando (que ocupava o cargo de Secretário de Estado da Educação e Saúde) e, para encerrar, falou o candidato a governador, João Agripino. A invés de discorrer sobre sua atuação no Senado Federal e sobre seu programa de governo, o candidato preferiu bater em seu adversário, o também senador, Ruy Carneiro. Do alto da grade do caminhão que servia de palanque, Agripino começou: “O senador, meu adversário, detentor de mandato há tantos anos, nunca se pronunciou, no Senado Federal, em prol de benefícios para a Paraíba, tampouco para Princesa! É um inútil e, agora, se apresenta como candidato a governador para enganar o povo da Paraíba!”

Amoitado num aceiro da Rua Grande, o ex-vereador de Princesa e então prefeito de Manaíra, Joaquim Mariano, partidário e amigo leal do senador Ruy Carneiro, não se conteve em ver seu amigo ser atacado em praça pública, e gritou de lá: “É mentira sua! O senador Ruy Carneiro é um grande homem, e sempre defendeu os interesses da Paraíba! Eu escuto ele todo dia no meu rádio!” Joaquim Mariano, em que pese ser semianalfabeto, era um homem bem informado sobre as coisas da política; só dormia depois de escutar a “Voz do Brasil”. Ante à provocação do prefeito de Manaíra, o tempo fechou. Lá de cima do palanque, interrompido em sua fala, João Agripino, que era um homem que não levava desaforo pra casa, gritou: “Não sei nem quem é que está falando, mas, tanto o senhor quanto o seu rádio, são dois mentirosos!”

Joaquim Mariano, até então sem querer aparecer, ante esse desafio, quando foi chamado de mentiroso, apresentou-se, irado, e partiu para o palanque com o intuito de agredir o candidato a governador. Fez-se a confusão. De cima do palanque improvisado, João Agripino acenava chamando o provocador para a briga. De baixo, o prefeito de Manaíra se dispôs a tanto, e marchou em busca do enfrentamento. Como sempre, contidos, ambos, pela turma do deixa-disso, o apaziguamento veio e, tanto o senador quanto o prefeito, foram acalmados e, o comício, terminou em paz.

Passado o tempo, João Agripino foi eleito governador no dia 3 de outubro daquele ano – venceu também em Princesa, quando obteve 3.858 votos contra 3.488 concedidos a Ruy Carneiro -, e tomou posse em 31 de janeiro de 1966. Nesse mesmo ano, no mês de junho, o novo governador convocou os prefeitos da região polarizada por Princesa à capital João Pessoa, para uma reunião no Palácio da Redenção, ocasião em que o chefe do Poder Executivo destinaria verbas para esses municípios. Junto, foi também Joaquim Mariano, que ainda era prefeito de Manaíra.

Chegados ao Palácio da Redenção, sede do Governo do Estado, perfilaram-se todos, os prefeitos, para receber o governador. Qual não foi a surpresa de Joaquim Mariano quando, o governador, ao descer as escadas que davam para o saguão do Palácio – onde estavam reunidos, os prefeitos -, o reconheceu e foi logo dizendo: “Prefeito Joaquim Mariano, que alegria em recebê-lo aqui!” Surpreso, o prefeito respondeu: “Oxente, governador, a alegria é toda minha!” E João continuou: “E, o seu rádio, ainda mente muito?!” Ao invés de se constranger ou demonstrar reação idêntica à anterior em face da pergunta do governador, Joaquim Mariano, interessado nas verbas governamentais e, sem querer contrariar Sua Excelência, empertigou-se todo e respondeu: “Tá doido, governador, relógio que atrasa não adianta, eu vendi aquela peste!” No fim da audiência, o município de Manaíra, foi o mais agraciado com as verbas distribuídas pelo governador.



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