O novo livro do romancista e contista Aldo Lopes de Araújo, intitulado "Azeite Senhora Avó" é uma ode ao surrealismo. Ligeiro no desbulhar de palavras vindas dos dedos; se não corrermos com ele perdemos o bonde do entendimento. A leitura não dá tempo de respirar e nem podemos parar de ler sob pena de perdemos o fio da meada. O primeiro conto tem o título do livro e conta a história de um menino sem nome que começa no cinema de Triunfo e termina antes de ele - num périplo tenebroso - chegar em casa "minutos antes do sonho acabar".
Sem controlar a razão, eivado de pensamentos bizarros, o menino sai do Cine Guarany - para onde foi escondido do pai e com ingresso pago pelo irmão com o compromisso de contar-lhe a história do filme quando voltasse pra casa - sob a metonímia de levar a cabeça pesada por carregar o filme dentro dela e, nesse diapasão de quase loucura enfrenta a estrada de volta rememorando as agruras sofridas por um pai repressor e uma avó indiferente de quem detestava seu hábito de cachimbar.
Na estrada o menino lembra das homéricas surras que levava do pai e, quando apanhava, sentia o "cheiro podre" do cachimbo da velha que, ao invés de jogar água nas suas feridas provenientes das pisas, mesmo acocorada, jogava azeite, indiferente ao seu sofrimento. No caminho de volta é guiado por um vagalume que lhe abre caminhos com os sapatos luminosos, mas essa luz se traduz, mais tarde, em energia ígnea que, para deleite do menino derrete a velha "como se fosse matéria plástica", porém não vê completada a obra quando as chamas não alcançam o pai violento.
No seu tenebroso caminho o menino vê de tudo: de "homens atarracados empurrando carrinhos cheios de lenha (...) que entravam com carrinho e tudo dentro da fornalha" que fervia o mel dos engenhos de Antônio Florentino, até o "gargarejo das gargantas de pedra dos penhascos milenares". É no engenho onde o menino vê de novo a figura da velha, "metida até a cintura" no tacho que ferve a garapa, a lhe pedir ajuda para sair dali e ele lhe nega a mão com medo de ser puxado para dentro do tacho fumegante.
Por fim, tentando sair do pesadelo, enfia a mão por dentro da camisa e retira os bentinhos com a imagem do Arcanjo Miguel que, sem saber, foi quem lhe protegeu de tudo, inclusive do menino de sapatos luminosos que, ao final se revelou o cão que tanto perturbou seu caminho de volta. Ao fim da leitura concluí que o filme que o menino sem nome contou ao irmão Eliakim foi o que ele protagonizou nesse percurso macabro. Foi assim que entendi. Vou ler o resto.
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