ODE

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

LER PARA CONHECER A NOSSA HISTÓRIA

 






“PORQUE JOÃO DANTAS ASSASSINOU JOÃO PESSOA – O DELICTO DO ‘GLORIA’ E A TRAGÉDIA DA PENITENCIÁRIA DO RECIFE EM 1930”.

JOAQUIM MOREIRA CALDAS

Obra única do autor, este livro: Porque João Dantas Assassinou João Pessoa, de Joaquim Moreira Caldas, embora prolixo, rebuscado e, reeditado pela terceira vez na grafia da época, traz a história da tragédia que ceifou as vidas do presidente da Paraíba, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, do advogado, João Duarte Dantas e do engenheiro, Augusto Moreira Caldas. Claro que, cada um por motivos diferentes. João Pessoa, assassinado por João Dantas que, acompanhado do cunhado, Augusto Moreira Caldas, lhe desferiu três tiros mortais na Confeitaria Glória, no dia 26 de julho de 1930. João Dantas e Augusto, “suicidados” na penitenciária do Recife, em 06 de outubro do mesmo ano, pelos vencedores da Revolução.

Esses crimes ocorreram no bojo dos acontecimentos que antecederam a eclosão da Revolução de 1930. Sem motivos que se justifiquem, já quando foi indicado pelo tio, Epitácio Pessoa, para governar a Paraíba, João Pessoa havia vaticinado que, assumindo o poder no Estado, diminuiria os poderes das famílias, Dantas de Teixeira; Santa Cruz de Monteiro, Suassuna de Catolé do Rocha e Pereira de Princesa. Logo após a posse como presidente da Paraíba, Pessoa confirmou seu intuito, quando começou a perseguir, principalmente, a família Dantas e o coronel José Pereira Lima de Princesa. Em vários relatos de historiadores, se constata que a escolha de Epitácio foi temerária, pelo despreparo emocional do sobrinho, para assumir um cargo tão importante com intenções modernizantes, persecutórias e revolucionárias para aquela época. É tanto, que às páginas 41 do livro em tela, consta o seguinte:

“Certo dia, communicava a amigos o Sr. Epitácio Pessoa a solução que havia dado ao caso sucessorial do seu Estado: ‘O candidato é João. Não vejo no momento, na Parahyba, quem lhe exceda em valor pessoal’. ‘Quem? – Perguntou, com assombro e pasmo, o Sr. João Lyra, senador rio-grandense do Norte – João Pessoa? Com franqueza, Epitácio, essa escolha que você acaba de fazer é um verdadeiro desastre. O João é bom rapaz, mas não possue qualidades, imprescindíveis para bem governar seu Estado. Elle vae esphacelar seu Partido. Será o último presidente que você fará na Parahyba”.

Numa prova de que a ojeriza de João Pessoa, contra as famílias acima consignadas, era gratuita e à revelia do conhecimento daqueles que seriam perseguidos, colhemos, às páginas 44, declaração do advogado, João Dantas, através de carta enviada a familiares, em 7 de novembro de 1928, tecendo elogios ao seu futuro inimigo.

“(...) O novo presidente continua, graças a Deus, a tocar o pau sem dó nem piedade em quasi todos os municípios, isto é, nos politicões desses municípios. Não tem distinguido grandes nem miúdos e tem sido uma obra benemérita. Tem demitido todos os delegados que praticam violências e prendido e expulsado da Força Pública os soldados espancadores. Está mandando os chefes políticos escolherem entre a chefia e a prefeitura”.

Concomitante a essas medidas citadas na carta acima, João Pessoa, determinou também a apreensão de armas por todo o interior do Estado, demitiu e transferiu parentes do coronel José Pereira, de seus amigos e correligionários. Como já vimos em outras resenhas literárias desta série, Zé Pereira era o coronel mais conceituado e respeitado do Nordeste, amigo do ex-presidente paraibano, João Suassuna, e muito ligado à família Dantas.

Com o rompimento de Epitácio Pessoa com o governo central e sua adesão à Aliança Liberal, formada pelos Estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, João Pessoa foi indicado para concorrer nas eleições do dia 1º de março de 1930, como vice-presidente, na chapa encabeçada por Getúlio Vargas. Na condição de candidato, o presidente paraibano, resolveu percorrer o interior do Estado em busca de votos. Foi a Princesa. O coronel José Pereira, mesmo sabendo que João Pessoa já havia formado a chapa que concorreria às vagas de deputados federais e de um terço do Senado, excluindo o nome de João Suassuna, mesmo assim, preparou festiva recepção, em Princesa, para o chefe do Poder Executivo estadual. Durante os dois dias em que passou na terra do Coronel, João Pessoa sequer tocou no assunto do expurgo de Suassuna e de outros correligionários de Zé Pereira. Somente na saída de Princesa, o presidente mandou um ajudante de ordens entregar a lista ao Coronel. Insatisfeito com a formação da chapa, Zé Pereira expediu telegrama, no dia seguinte à partida do presidente, comunicando seu rompimento com o Governo do Estado e, mais adiante, declarou Princesa, “Território Livre”. Aí então, começou a Guerra de Princesa. Pelo fato dos fortes laços de amizade e das perseguições a seus familiares na vila de Teixeira, o advogado João Dantas, toma o partido do Coronel.  Às páginas 63, Joaquim Moreira Caldas faz um relato bastante plausível com relação à invasão de Teixeira, pela polícia da Paraíba – a título de garantir a realização das eleições -, o que nos dá a certeza de que, quem disparou o primeiro tiro da chamada Guerra de Princesa, não foi o coronel José Pereira:

“Não há quem, julgando com critério e imparcialidade, acceite semelhantes escapatórias. Que interesses dictavam aos dissidentes em estabelecer o pânico naquelles municípios? Que vantagem tirariam implantando o terror naquelles collegios eleitoraes, se a unanimidade em alguns e a maioria muito grande, em outros eram incontestáveis? Que proveitos colheria o Sr. José Duarte Dantas pretendendo dominar pela anarchia, em Teixeira e em Immaculada, se o eleitorado representava naquelles dois centros quasi mil votantes, era seu e estava solidário com elle, com José Pereira e Suassuna? Somente ao governo e somente a elle, interessava a implantação desse regimen de arbitrariedades, de pressão, de violências, tudo fazendo para que o eleitorado opposicionista, receioso, não comparecesse ao pleito”.   

Rompido com João Pessoa, João Dantas passou a ser perseguido na capital da Paraíba e viu-se obrigado a se transferir para o Recife. Ali, passou a usar as páginas do Jornal do Commercio, escrevendo artigos em prol da Revolta de Princesa e contra o presidente João Pessoa. Em contrapartida, o órgão oficial do estado da Paraíba, A UNIÃO, respondia com violência, atacando o advogado e seus familiares, principalmente seu pai, Franklin Dantas. Exacerbava-se o ódio de Dantas, culminando com a invasão de seu escritório e exposição de documentos seus particulares para a execração pública. Sabedor da estada do presidente paraibano na capital pernambucana, João Dantas, se armou e, após frenética busca pelo centro do Recife, encontrou João Pessoa, tomando chá, na companhia de amigos, na Confeitaria Glória e, adentrando ao recinto, anunciou: “Eu sou João Dantas” e disparou três tiros, à queima-roupa, em João Pessoa que teve morte quase imediata. Poucos dias antes da execução desse trágico crime, estivera, João Dantas, na cidade de Princesa, em confabulações com o coronel José Pereira, para comandar uma frente, que deveria partir da capital do Rio Grande do Norte, com o intuito de atacar o Estado conflagrado, através das cidades do brejo paraibano. No inquérito, em que João Dantas foi interrogado, o Juiz Federal, Felisberto Pereira, afirmou: “Mas doutor Dantas, o senhor cometeu o maior crime do mundo!”. Ao que João Dantas respondeu: “Sim, doutor, depois que recebi a maior afronta do universo”.

Nesse livro, lançado em 1934, Joaquim Moreira Caldas, que era irmão do engenheiro Augusto Moreira Caldas – como vimos, também assassinado na penitenciária do Recife – imbuído do ódio natural pela execução do seu fraterno, desbulha impropérios vários, tanto ao presidente assassinado, quanto ao secretário de Segurança Pública, Adhemar Vidal e ao comandante das tropas da polícia paraibana em Piancó, José Américo de Almeida, a quem chama de “anjo mau”. Em que pese ser, a obra, um memorial em defesa de João Dantas, faz-se leitura necessária, uma vez trazer informações ditadas pelos que foram derrotados com a queda da República Velha e também por trazer à baila os erros de Epitácio Pessoa, as arbitrariedades de João Pessoa, ocorrências da Guerra de Princesa, dentre outros fatos que foram omitidos pelos que escreveram em louvor dos vitoriosos da Revolução de 1930.

Joaquim Moreira Caldas, juiz de Direito, era irmão do engenheiro, Augusto Moreira Caldas, e escreveu esse livro, que em pequena tiragem, foi lançado em primeira edição em 1934, passando 76 anos fora de circulação, relançado em 2008, trazendo a sua verdade dos fatos, ele que acompanhou de perto os últimos momentos desses dois personagens que protagonizaram uma tragédia que culminou com a mudança dos destinos do Brasil. É uma obra que mostra o outro lado da História, em que Princesa se contextualiza, e traz informações que enriquecem a historiografia de Princesa, da Paraíba e do Brasil.

DSMR, em 20 de janeiro de 2021.

 

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