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quarta-feira, 13 de abril de 2022

A Semana Santa de antigamente

Até o advento das mudanças determinadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), as atividades da Igreja Católica obedeciam a um rito tradicional, fechado e muito rigoroso. Na verdade, era a Igreja quem ditava a maioria dos costumes que norteavam os comportamentos, não somente religiosos, mas também os sociais. Durante a chamada Semana Santa (período que celebra a Paixão e Morte de Jesus Cristo), as coisas aconteciam com muito respeito, obedecendo a normas e critérios rigorosíssimos. Os quarenta dias que contavam após a Quarta-Feira de Cinzas, chamados de Quaresma, se caracterizavam por um período preparatório para a Semana Santa, celebração maior da Igreja de Roma.

Nesse período era obrigatório o jejum, a abstinência de carnes e a constante penitência. A Quaresma culminava com as solenidades da Semana Santa, que comemorava a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo; era essa a maior festa da Igreja. Na quarta-feira, chamada de “Trevas” eram, as imagens dos santos da igreja de Princesa, vestidas com sacos da cor roxa e, os altares, eram também cobertos por cortinas da mesma cor, numa demonstração do luto pela morte do Cristo. Nesse dia, recomendava-se que fosse evitada a prática de tomar banho, sob pena de que, quem desobedecesse a essa orientação, poderia se tornar um entrevado.

Na Quinta-Feira Santa, após a realização da Via Sacra quando o padre rezava as 14 Estações percorrendo o interior da Igreja Matriz, ocorria a cerimônia do Lava-Pés, ocasião em que o vigário escolhia doze homens da comunidade (geralmente os mais ricos e mais importantes do lugar) para, solenemente, lavar-lhes os pés em demonstração de humildade, repetindo o gesto que houvera feito Jesus quando da Última Ceia. Após esse serviço, era exposta, no altar-mor da Igreja, numa Custódia de prata, contida da Hóstia Consagrada para adoração durante toda a noite da quinta-feira, madrugada, manhã e tarde da sexta-feira. Essa adoração lembrava e homenageava o sofrimento de Jesus Cristo no Horto das Oliveiras.

Na Sexta-Feira Santa, o ápice da semana sagrada, dia em que não se podiam varrer casas, tirar leite das vacas, pentear os cabelos, se masturbar, trabalhar em ofício algum, ou fazer amor (diziam a boca pequena que, da relação sexual levada a efeito nesse dia sagrado, poderiam nascer lobisomens). Em obediência a esses preceitos, todos pareciam se comportar contritamente. Mesmo assim, quanto às proibições libidinosas, alguns escapuliam. As atividades religiosas da sexta-feira começavam com a Missa Solene - que era concelebrada por vários padres e, ao invés de rezada, era cantada -, realizada a partir das três horas da tarde.

Depois da Missa, acontecia a solenidade do beija-cruz (exercício por demais anti-higiênico quando se faziam filas para beijar o Cristo Crucificado nas mãos de um coroinha). Após essa reverência ao “Santo Lenho” acontecia a Procissão do Senhor Morto. Formavam-se filas dos componentes das Associações Religiosas e do povo em geral quando percorriam as principais ruas da cidade, sob o pavoroso som da matraca, num desfile fúnebre carregando a imagem (de madeira, esculpida pelo Mestre Belinho) de Jesus Cristo morto. No final do cortejo, as flores e galhos que enfeitavam o esquife divino eram disputados a tapas pelos participantes da procissão, pois, segundo se acreditava à época, serviam como lenitivo para todas e quaisquer doenças quando promovia a cura através do chá que proporcionavam.

Além da obrigatoriedade da abstinência de carnes, a ingestão de bebidas alcoólicas era proibida durante toda a semana chamada “Santa”; fazia-se exceção ao vinho – bebida consumida pelos padres durante o ano todo – que podia ser usado em módica quantidade. Já os pobres, durante a semana que comemorava a Paixão de Cristo, perambulavam pelas ruas centrais da cidade, pedindo - de porta em porta e de preferência nas casas dos ricos - “jejuns” para que se alimentassem melhor naqueles dias tidos como sagrados.

Findo o período de tristeza, aguardava-se com ansiedade a chegada da meia-noite do sábado no afã de que o vigário, na celebração da missa, encontrasse a Aleluia. Antes, porém, havia as bênçãos do fogo, da água e do óleo santo. Diziam, naquele tempo, que o mundo se acabaria num sábado que procedia à Semana Santa e que, o que poderia salvar a humanidade de seu extermínio era o fato de o padre, durante a celebração da missa encontrar a graça e bradar o cântico da alegria na forma de Aleluia. Com isso, estava proclamada a Páscoa. Ainda hoje existem pessoas que acreditam que, se o padre não “achar” a Aleluia, o mundo se acaba! Sem a importância de antanho, a Semana Santa de hoje, além de menos “santa”, é também menos hipócrita.







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