ODE

quarta-feira, 4 de maio de 2022

A demolição da Igreja Velha de Princesa


O inverno de 1967 foi muito rigoroso. Com chuvas acima da média causou estragos em vários imóveis antigos de Princesa. Um deles, foi a velha Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Conselho. A maioria dos donos das casas danificadas cuidaram, consertando os estragos em seus imóveis, para evitar o desmoronamento. O vigário de Princesa, frei Anastácio Palmeira, no entanto, deixou que o templo católico, cheio de infiltrações, ficasse ao deus-dará. Com as chuvas inicias de 1968, parte da igreja – exatamente onde ficava o altar de Nossa Senhora do Carmo -, desmoronou.

Era o que frei Anastácio queria. Aproveitou a oportunidade, alegando que a igreja estava caindo e, com o auxílio dos tratores da Prefeitura comandada por Gonzaga Bento, sob o pretexto de que construiria um novo templo, mandou derrubar tudo, de forma rápida, temeroso de que possíveis protestos pudessem impedir o seu nefasto intento. Além da igreja, o padre, em concerto com os proprietários, demoliu também o sobrado da família Barros e o casario antigo constante do lado esquerdo da Rua padre Arcoverde. Nada restou de pé.

A Igreja que foi ao chão e que foi construída no lugar de uma capela ali existente, erigida pelo padre Francisco Tavares Arcoverde, em 1843, teve sua construção concluída em 1875. À época, quase ninguém se opôs à sanha destruidora do frade carmelita. O prefeito, a quem cabia questionar, pelo contrário, colaborou. Do outro lado do espectro político, o então deputado estadual, Antônio Nominando Diniz, muito católico, mesmo sem querer contrariar o sacerdote, esboçou alguma discordância no sentido de oferecer alternativa à derrubada do templo: ofereceu um terreno onde funcionara o Vapor (usina para o descaroçamento de algodão, onde hoje se localiza a rua principal do Bairro Maia) que pertencera a seu pai, para que ali fosse erguida uma nova Igreja.

Mesmo diante dessa alternativa, frei Anastácio resistiu e insistiu em demolir. Naquele tempo, a Igreja mandava em tudo. O padre era uma autoridade inquestionável e ninguém ousaria contestá-lo sob pena de excomunhão. Algo como: Roma falou, locuta est. Sem que ninguém pudesse fazer nada, homens com marretas, e os tratores da prefeitura com cabos de aço deram cabo da antiga Igreja. Derrubaram tudo sem tirar nada de dentro. Somente as imagens esculpidas pelo Mestre Belinho escaparam por que algumas pessoas de bom senso as retiraram antes da demolição. A Pia Batismal, altares bela e ricamente esculpidos em madeira e folheados a ouro, foi tudo esmagado pelos escombros das grossas paredes.

Templo no chão, começou a construção da nova igreja e, no lugar da velha, erguia-se, em concomitância, uma Praça em homenagem ao coronel José Pereira Lima. Dessa forma, estava tudo nos conformes: alguns contemplados com o terreno do templo e outros conformados com o desvario demolidor do sacerdote. Frei Anastácio era um padre diferente. Desprovido de vaidade, bronco e muito agressivo em seus sermões dominicais, era um homem enérgico e muito determinado no que queria. De forte temperamento, andava dirigindo um jipe velho e punha medo em todos, não abria pra ninguém, nem para os valentões da cidade. Numa querela com o fazendeiro, Antônio Medeiros, pelo terreno do atual estádio “O Gonzagão”, impôs sua vontade e ganhou a questão. Vindo dos sertões das Alagoas, não se podia esperar que tivesse apreço algum pela cultura, tampouco pela história de uma terra que não era sua. Para atender sua vontade, casava e batizava.

Para a construção da nova Igreja, desencadeou-se uma campanha de donativos que percorreu não somente o município de Princesa, mas toda a região. Galinhas, ovos, jerimuns, sacos de farinha e de fava, porcos, cabritos, garrotes, tudo se fazia de bom grado para financiar a construção da nova Igreja. A associações religiosas, sob o comando do sacristão, João Mandú, percorriam as comunidades da Zona Rural em busca de tudo o pudesse ser vendido para custear as despesas da gigantesca construção. Assim foi feito e, a obra, corria célere. Foram quatro anos para que o templo ficasse pronto, sendo inaugurado em dezembro de 1972.

Fora nos tempos de hoje, esse crime cometido contra o patrimônio cultural de Princesa, poderia ter sido evitado. Transformando em escombros a Igreja em que muitos princesenses ilustres foram batizados e casados, local onde muitas reuniões importantes aconteceram, frei Anastácio riscou do mapa uma herança histórico-cultural muito importante para nossa terra. Ao invés da destruição, tivera ele acatado a oferta do doutor Antônio Nominando e construído o templo no que é hoje o Bairro Maia, aquele centro histórico teria sido preservado e ali estaria hoje, funcionando um museu rodeado de barzinhos, lojas de artesanatos, enfim, um lugar bucólico, aprazível e aconchegante onde pudéssemos contar a história de Princesa in loco.







 

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